Desde seu surgimento, em meados de 2018, os filtros do Instagram, criados por qualquer pessoa, fazem sucesso com as possibilidades de transformar, em segundos, seus usuários. A ferramenta artificial possibilita desde caracterizações animadas a jogos e maquiagens bem elaboradas. Porém, o recurso acaba nesta terça-feira (14) após decisão da Meta de extinguir essa função das redes, mantendo somente os filtros produzidos pela própria plataforma.
A tecnologia, como apontam estudos, pode ter sido responsável por desencadear diversos problemas de autoimagem entre as pessoas, que, muitas vezes, recorreram a intervenções estéticas e cirúrgicas na tentativa de alcançar resultados na aparência próximos aos apresentados pelo recurso artificial. “Desde que os filtros surgiram, as queixas aumentaram muito e são muito motivadas por ‘fotos de atrizes com filtros’ e do próprio paciente com filtro”, afirma Paola Pomerantzeff, dermatologista, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica (SBCD).
Para a dermatologista, não só as redes sociais, mas principalmente os filtros, foram prejudiciais para pessoas que eram inseguras, com autoestima baixa, ou, pessoas com dismorfismo corporal.
“Era muito comum os pacientes trazerem imagens, fotos de outras pessoas que eles gostavam, que admiravam e mostrar a parte que queriam operar. Por exemplo: o nariz, o rosto. Então as pessoas traziam referências. Quando o uso dos filtros se popularizou, os pacientes passaram a trazer a própria imagem com o filtro, perguntando se poderia chegar em algo parecido com o que elas mostravam. Então houve essa tendência, por exemplo, de usar o filtro para afinar o nariz, para afinar um pouco o rosto. Houve um aumento também da procura por procedimentos por causa do próprio filtro”, revela Paolo Rubez, cirurgião plástico formado pela Unifesp, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), da Associação Brasileira de Cirurgia Plástica (BAPS) e da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps).
Segundo os profissionais, nos últimos anos, houve uma demanda crescente de pacientes que buscam por resultados através de procedimentos estéticos que, em muitos casos, são inalcançáveis, principalmente por não se tratar de uma estrutura facial humana. “Uma grande porcentagem dos pacientes chega ao consultório com uma foto própria com filtro mostrando como querem ficar: bochechas mais proeminentes, lábios maiores, nariz mais fino, pele ‘de porcelana’ sem nenhum poro, nenhum microvaso… Geralmente, são ‘desejos’ incompatíveis com a realidade, ou com a necessidade de grandes intervenções para alcançar o objetivo idealizado”, destaca Paola.
“Inclusive, isso foi tema de palestras em diversos congressos nos últimos anos. Os pacientes chegam ao consultório com uma foto querendo ficar ‘igual à foto’. Já perdi a conta de quantas vezes eu me peguei explicando para o paciente, que nem mesmo aquela pessoa da foto era ‘daquele jeito’ na vida real, que estava com filtro”, complementa.
Uso das redes sociais
Paolo Rubez aponta que um fator contribuinte na busca por resultados artificiais foi o isolamento social em decorrência da pandemia, período no qual a sociedade precisou se adaptar bruscamente ao uso das telas e redes sociais. “Com o aumento do uso de chamadas de vídeo, reuniões por vídeos, as pessoas passaram a se preocupar mais com a imagem do rosto e as redes sociais com certeza foram talvez o principal motivador, principalmente entre pessoas jovens que costumam usar mais as redes. Eu acredito que as redes sociais e o uso de filtro às vezes geram uma busca por algo irreal, então as pessoas ficam obcecadas por parecerem outra pessoa e terem outras características.”
O cirurgião plástico acredita que a autoexposição online leva, cada vez mais, a geração atual a procurar cirurgia estética em idades mais jovens do que as anteriormente vistas. “O fenômeno das selfies faz aumentar tanto as cirurgias quanto os procedimentos estéticos não cirúrgicos”, pontua.
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“Com as mídias digitais e as selfies, as pessoas estão o tempo todo se autoavaliando e procurando ‘defeitos’ para que possam melhorar. Elas querem se tornar mais bonitas para ficarem melhor nas fotos e postarem em suas mídias. Assim como veem as celebridades e os influencers divulgando um tratamento e procuram pelo procedimento oferecido”, diz.
Além disso, a própria selfie tende a causar distorções da própria imagem. Segundo Paolo, quanto mais próximo do corpo a câmera estiver, mais ela irá deformar a imagem. “Além disso, as fotos não correspondem exatamente como os outros nos veem, pois elas retratam um momento específico, sem movimentos, como é na vida real.”
E, por fim, a luz e o ângulo da foto podem mudar completamente a imagem final. A técnica já conhecida entre os fotógrafos, mas atualmente, com o fenômeno das selfies e mídias sociais, as pessoas também estão com esta percepção e procuram usar estas características para conseguir a melhor foto possível.
“Vemos o tempo todo pessoas tirando fotos em diferentes ângulos, sob diferentes condições de luz, e avaliando qual delas fica melhor para postar. Além disso, o uso de aplicativos de edição de fotos também permite mudanças em áreas do corpo que não gostamos muito. A soma destes fatores faz com que as pessoas procurem cada vez mais se aproximarem do que julgam perfeito”, explica o cirurgião plástico.
Impactos sociais
Paola Pomerantzeff acredita que a iniciativa da Meta será benéfica na vida das pessoas. “Eu acho que todas as ações que ajudarem a ‘diminuir’ o uso constante de filtros, são bem-vindas. Vamos viver a realidade, com todas as dores e alegrias. Com a beleza e a imperfeição do que é real. Mas essa é minha opinião pessoal”, afirma.
Paolo também defende a ação, e destaca o impacto psicológico positivo na sociedade. “Talvez seja psicologicamente mais saudável até porque tem muito filtro que as pessoas se tornam até irreconhecíveis; então acho que é positiva a diminuição dessa quantidade de filtros para as pessoas até deixarem de ter essa busca por algo que não é compatível com as características delas. Isso talvez melhore até a questão da autoaceitação.”
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