As flores comestíveis têm dado o tom da alta gastronomia na Região Metropolitana de Belo Horizonte, uma vez que elas não apenas conferem estética aos pratos, mas agregam valor ao temperar com sabores adocicados, picantes ou amargos. Importante contextualizar que parte da tradição culinária de diversas culturas no mundo, como na Índia e México, o hábito de inserir flores no preparo dos alimentos é milenar. No Brasil, porém, o consumo ainda tem ares de novidade e está atrelado à ideia de sofisticação.
Em Contagem, uma organização agrícola familiar tem abastecido grandes redes de supermercados e restaurantes de luxo da Grande BH. A Dei Falci – Jardim das ervas, localizada na rodovia LMG-808, tem cerca de 20 mil metros quadrados destinados à produção de flores, onde 10 funcionários trabalham nas oito estufas e áreas externas de plantação com cerca de 12 tipos de espécies.
Entre as flores comestíveis cultivadas estão borragem (Borago officinalis), calêndula (Calendula officinalis), boca-de-leão (Antirrhinum majus) e capuchinha (Tropaeolum majus), esta última rica em vitamina C, potássio, cálcio e zinco, além de propriedades medicinais. O preço de cada caixa varia de R$ 4,95 a R$ 10,60, dependendo do tipo de flor e da quantidade.
Dos fitoterápicos aos pratos
A empresa surgiu em 1991, segundo o coordenador da propriedade agrícola, Eduardo Falci, de 37 anos. À época, Renata e Graziela Falci, mãe e tia de Eduardo, produziam as plantas unicamente com finalidade fitoterápica, abastecendo farmácias homeopáticas. Hoje, o negócio familiar conta com outros produtos, como ervas, temperos e chás.
“Com o passar do tempo, Belo Horizonte e o restante da região metropolitana foram aderindo ao uso de flores na gastronomia e, após alguns anos, elas (mãe e tia) começaram a produzir também com destinação ao consumo”, explica Eduardo. Segundo ele, os produtos da família têm chegado a restaurantes premiados de alta gastronomia, assim como redes de supermercados.
“Só não levamos para fora da Grande BH, porque os produtos são perecíveis e não daria para assegurar a qualidade”, afirma o produtor. A empresa fornece as flores comestíveis também para clientes em geral, por meio do aplicativo Fazendinha em Casa, uma startup que conecta produtores a compradores.
Campo das Vertentes
No interior de Minas, uma família também vem se destacando na produção de flores comestíveis em um sítio situado em São João del-Rei, no Campo das Vertentes. Quem toca o negócio é a floricultora Maura Taroco, de 50 anos, com a ajuda do marido, Antônio Jaques Taroco, de 54. “Aqui na região, quase ninguém conhece ele pelo nome, pois todos o chamam de ‘Marquinhos das Flores’”, comenta Maura. A filha, de 31 anos, e o outro filho, de 27, também auxiliam os pais na produção e comercialização dos produtos.
As flores são armazenadas em pequenas bandejas plásticas com 10, 20 ou 30 unidades, e os preços acompanham a quantidade: R$ 10, R$ 20 e R$ 30. As vendas são feitas para restaurantes, bufês e moradores do município, de Resende Costa e de Tiradentes, onde Maura já abasteceu chefs de cozinha em edições do tradicional festival gastronômico da cidade. Nessas ocasiões, ela chegou a vender bandejas com 80 e 100 unidades.
A família começou a produzir as flores comestíveis em 2018, devido à demanda dos clientes na região, e, para isso, buscou suporte e orientação da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Coincidentemente, naquele ano, a empresa pública estava começando a trabalhar com as flores destinadas ao consumo e, desde então, auxiliou a família em eventos de degustação no sítio, entre outras atividades. Durante a visitação de turistas à propriedade, funcionários da Epamig também já foram chamados para ajudar no esclarecimento de dúvidas.
“O cultivo de flores é uma tradição que começou com a avó do meu marido. Mas, antigamente, a gente só as produzia com fins decorativos. Temos uma pequena estufa e só usamos nas flores destinadas à alimentação insumos naturais retirados de uma mata próxima. Não aplicamos nenhum outro produto”, conta Maura, que comercializa 10 espécies, entre elas amor-perfeito (Viola tricolor), capuchinha (Tropaeolum majus), madressilva brasileira (Alstroemeria), boca-de-leão (Antirrhinum majus), cravina (Dianthus chinensis) e murta (Murraya paniculata).
Segmento carece de estatísticas
Segundo a Epamig, não há estatísticas sobre número de produtores de flores comestíveis e volume comercializado em Minas. “Nas regiões metropolitanas de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, encontram-se produtores de ervas aromáticas e flores comestíveis com alguns anos de experiência neste mercado. Tais produtores entregam diretamente em restaurantes e bufês ou em pontos de venda especializados em produtos orgânicos e agroecológicos. Nas cidades do interior, as flores comestíveis são vendidas diretamente aos consumidores nas propriedades rurais ou entregues em restaurantes e buffets. Há também anúncios de venda pela Internet”, destacou a entidade em uma nota técnica publicada em agosto de 2019.
A pesquisadora da Epamig Izabel Cristina dos Santos suspeita que a produção possa ter ganhado novos contornos. “Na época da pandemia, as pessoas ficaram mais em casa, incluindo aquelas que passaram a produzir flores comestíveis. Observei que nos programas de culinária as hortaliças PANC (plantas alimentícias não convencionais), entre elas a capuchinha, estavam sendo usadas frequentemente, o que demonstra a popularização delas enquanto fonte de alimento”, disse.
Algumas flores podem ser consumidas inteiras, como, por exemplo, amor-perfeito (Viola tricolor), beijinho (Impatiens walleriana), capuchinha (Tropaeolum majus) e dente-de-leão (Taraxacum officinale). No entanto, na maioria das vezes, utilizam-se apenas as pétalas, como é o caso da camomila (Matricaria chamomilla), das vinagreiras (Hibiscus sabdariffa e H. acetosella), hibiscos-da-china e rosas.
A base das pétalas de algumas delas pode ser amarga, como é o caso da cravina (Dianthus chinensis) e da rosa, e deve ser retirada durante o preparo. Vale dizer que amor-perfeito e calêndula (Calendula officinalis) também integram o time das mais populares que, além da cor, dão sabor aos pratos.
Atenção ao prato
A pesquisadora da Epamig Izabel Cristina dos Santos explica que algumas das hortaliças consumidas no Brasil são flores. “O brócolis é um exemplo disso, pois comemos as hastes florais com os botões ainda fechados. Alecrim, camomila, calêndula, cebolinha, coentro, dente-de-leão, lavanda, nirá, salsinha e verbena-limão são tipos que vêm de flores de várias plantas aromáticas, condimentares e medicinais. Algumas flores, como as de laranjeira, sabugueiro, lavanda, camomila, entre outras, são utilizadas no Brasil na forma de infusão, que chamamos popularmente de chá”, explica.
Izabel acrescenta que não podem ser consumidas como alimento flores de jardins expostas à poluição e ao trânsito de animais, ou, ainda, aquelas comercializadas em floriculturas e supermercados. “Isso porque certamente essas plantas receberam aplicação de defensivos durante o ciclo de cultivo e antes de seguirem para a comercialização”, alerta.
Aspecto nutricional
As flores comestíveis, além do baixo teor calórico, contêm compostos bioativos que podem desempenhar várias funções no organismo humano, como atividades antioxidante, antibacteriana e antiviral, e ainda estimulam o sistema imune. Alguns desses compostos são os pigmentos que determinam a cor das flores, como as antocianinas, que geram o vermelho, azul, roxo e violeta. Já os carotenoides são responsáveis por variações entre amarelo e vermelho.
“No organismo humano, as antocianinas promovem ação anti-inflamatória, e os carotenoides dos tipos betacaroteno e luteína têm ação antioxidante. O betacaroteno, aliás, é um precursor da vitamina A, e a luteína protege os olhos da ação dos raios ultravioletas e da luz azul das telas de celulares e computadores, ajudando a prevenir a degeneração macular e a catarata. Outro composto bioativo é o ácido ascórbico (vitamina C)”, explica Izabel.