"Estamos tendo perdas por causa dessas altas temperaturas até do que já estava plantado e colhido. De 20 mil sacas de cebola, a gente deve ter uma perda de 25%. Nunca vimos um calorão desses e nada aguenta"

crédito: Leandro Couri/EM/D.A. Press

Os impactos da falta de chuvas e das temperaturas em elevação recorde nas lavouras já se fazem sentir nas centrais de abastecimento, nos sacolões e feiras. A redução de oferta de alguns cultivos mais frágeis eleva seus preços, assim como as perdas de transporte e estocagem para venda que também são influenciadas pelo forte calor.

Com isso, nas Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasaminas), em Contagem, na Grande BH, a reclamação do grande volume de perdas se traduz em montes de produtos nos cantos ou esparramados sob os caminhões que chegam das plantações. É o que mostra a quarta reportagem do Estado de Minas da série sobre a devastação do aquecimento global dos organismos humanos e setores sociais ao abastecimento hídrico.

“As perdas estão muito altas e, com menos produtos, o preço sobe um pouco. O aumento das temperaturas e a chuva que está muito atrasada estão prejudicando demais. O alface, por exemplo, é muito frágil e perde em todos os lugares com o calor: na horta, no caminhão e na banca aqui para vender.

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De R$ 15 a unidade passou para R$ 20 a R$ 25. Couve e cebola também estão uma tristeza. Muita perda e preço subindo”, observa o vendedor Marcos Inocencio, de 47 anos. Ele compra as remessas de produtores das hortas da Grande BH, sobretudo Ibirité, Brumadinho e São Joaquim de Bicas.

O produtor e vendedor de batatas e de cebolas, Lucas Flávio Félix de Souza, também acusa grande perda nas lavouras que cultiva em Ouro Branco, na Região Central de Minas Gerais, a 100 quilômetros de Belo Horizonte.

“Estamos tendo perdas por causa dessas altas temperaturas até do que já estava plantado e colhido. Muita quebra e não é só isso, ocorreu perda de qualidade. De 20 mil sacas de cebola, a gente deve ter uma perda de 25%. Nunca vimos um calorão desses e nada aguenta. Os colegas que plantam tomate estão sofrendo também, com gente dizendo que perdeu quase metade da safra”, disse.

A ação do calor sobre as cebolas prejudica em todos os estágios do cultivo, colheita e distribuição. “A cebola fica dentro da terra que se desidrata. Perde os líquidos e diminui. Daí, a casca dela trinca e vai perdendo no tamanho. Quando vai para o separador, na esteira, muitas acabam perdendo a casca mais externa e fica um produto menor e inferior”, conta Lucas.

Tantas perdas já são sentidas pelos clientes nos sacolões e feiras, e precisam desembolsar mais pelos alimentos. Em dois meses (outubro e novembro), o preço médio dos hortifrutis ficou até 84% mais caro nos sacolões de Belo Horizonte.

Segundo o economista e proprietário do Mercado Mineiro, empresa de pesquisas de preços e ofertas do mercado, Feliciano Abreu, o aumento expressivo se deve à onda de calor extremo e ao final de ano, o que também amplia o consumo. De setembro a novembro deste ano, por exemplo, o quilo da batata inglesa aumentou 84,77%, o do chuchu 83,48% e o da cebola branca 63%.

PREÇOS EM ALERTA NO CEASA

Na avaliação do coordenador de Informações de Mercado da Ceasaminas, Ricardo Fernandes Martins, os preços ainda estão se mantendo na maioria dos produtos e 2022 chegou a ser até 3% mais caro do que em 2023 por causa das chuvas muito intensas.

“O hortigranjeiro convive muito mal com excesso de chuva, de calor e de frio, o que traz um prejuízo muito grande ao produtor. A alface e os demais produtos do grupo das folhas tiveram alta em torno de 60% e isso dá para atribuir a perdas pela alta temperatura e às chuvas. Os agricultores acabam tendo que aumentar custos, aumentar a irrigação e conseguem minimizar um pouco o problema. Mas nem todos têm bons sistemas de irrigação e dependem muito das chuvas. Esses sofrem bem mais”, afirma.

Outros movimentos de mercado e comportamentos dos próprios consumidores ajudam a manter a estabilidade dos preços ou pelo menos impedir uma disparada, mesmo com as condições do tempo desfavoráveis, disse Martins.

“Os municípios que não sofreram tanto estão suprindo o mercado com o excedente de produção e compensando aqueles com perdas mais expressivas. O consumidor também reduz quantidades e faz substituições de alimentos mais caros”, afirma.

‘CASTIGO’ TAMBÉM NOS PASTOS

As perdas no campo devido à estiagem e as altas temperaturas também castigam os pecuaristas e tendem a se agravar se o aquecimento global não for freado, afirmam especialistas e ambientalistas.

Utilizando o modelo de impactos pela temperatura média da Terra do Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC) com a ampliação de 2ºC na temperatura até 2100 o que se vê são reduções de chuvas e aquecimento que podem prejudicar pastagens, reprodução e desempenho dos rebanhos e de seus produtos, como leite e ovos.

O índice de aquecimento é médio, sendo que pelo IPCC há configurações mais otimistas, de aquecimento da ordem de 1,5ºC e pessimistas de 4ºC. Para se ter uma ideia, na última década o aquecimento foi de 1,1ºC.

O aumento global de temperatura em 2ºC resultaria em mudanças climáticas drásticas no município com o maior rebanho do Brasil, a cidade de São Félix do Xingu (PA), com 2,5 milhões de cabeças. A média anual dos termômetros subiria de 26ºC para 28,5ºC e as chuvas sofreram redução de 8,1% segundo o modelo projetado pelo ICPP. Na cidade mineira que tem o maior rebanho bovino, Frutal, no Triângulo, com 1,3 milhão de cabeças, a temperatura subiria de 24ºC para 26,6ºC e as chuvas diminuíram 3,1%.

As chuvas também se reduziriam nesse cenário nos municípios paranaenses campeões nacionais na produção de leite (0,7% menos chuvas em Castro), suínos (Toledo perderia 1,3%), galináceos (Cascavel teria menos 1,3%) e peixes (menos 1.3% de precipitações em Nova Aurora).

Estragos que serão piores ainda entre os maiores pecuaristas mineiros com impactos na região leiteira de Patos de Minas (5,1% menos chuvas), suínos (4,9% menos precipitações em Uberlândia), galináceos (Uberlândia mais uma vez) e peixes (chuva reduzida em 5,5% em Morada Nova de Minas).

Para entender os impactos para os produtores desses índices de aquecimento e menos chuvas, quando um boi sente desconforto devido ao calor, ele passa a produzir uma quantidade maior de cortisol, hormônio diretamente ligado ao estresse.

De acordo com o pesquisador Alexandre Rossetto Garcia, da Embrapa, o aumento da concentração desse hormônio faz com que os animais se alimentem menos, o que prejudica significativamente a produção. Em um animal de corte, o crescimento é menor e consequentemente a produtividade também. Já o gado de leite passa a consumir uma quantidade maior de água para que aconteça a termorregulação corpórea (se refrescar). Como decorrência, o animal passa a apresentar maior sudorese e, com isso, perde líquidos e sais minerais fundamentais para a produção de leite.

Ainda de acordo com estudos da Embrapa, os suínos precisam de ambiente úmido para regular sua temperatura interna e passam a apresentar stress, comportamento agressivo e a se atacar abrindo ferimentos uns nos outros, sobretudo no transporte e confinamento. Frangos de corte e poedeiras também são sensíveis ao calor.

Acima de 30°C, os frangos podem começar a experimentar estresse térmico, afetando o crescimento e a produção de ovos. A temperatura também afeta a produção de peixes, mas a tilápia é um dos mais resistentes ao calor, suportando bem até 36ºC. A tilápia é a espécie que lidera a piscicultura nacional, representando 60,8% (R$ 3,5 bilhões) do valor da produção de peixes em 2022, segundo o IBGE. O maior produtor de tilápia foi Nova Aurora (PR), com 24,4 mil toneladas e R$ 190 milhões em valor de produção.