A volta das chuvas em janeiro trouxe alívio e esperança aos produtores rurais de várias regiões mineiras, especialmente do Norte de Minas, tradicionalmente mais castigado pela seca e onde os agricultores esperam se recuperar dos prejuízos provocados pela estiagem que castigou a região ao longo de quase 11 meses em 2023 – uma das piores secas da história. No mês passado, segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do estado (Emater-MG), foram registrados na região 273 milímetros de chuvas (medidos em Montes Claros), acima da média histórica (213,4 milímetros).
A expectativa dos agricultores é de que o “bom tempo” permaneça nos meses de fevereiro, março e abril, não somente para recuperação das perdas, mas também para garantir condições para enfrentar o novo período crítico da estiagem no semiárido mineiro, que vai de abril a outubro.
De acordo com relatório agroecológico da Emater-MG, a longa estiagem do Norte de Minas em 2023 causou prejuízos da ordem de R$ 1,823 bilhão no setor agrícola da região. As perdas foram de 90% nas lavouras de feijão e de 75% nas plantações de milho, com devastação de cerca de metade das pastagens. Houve ainda prejuízo elevado com a mortes de bovinos por com falta de alimentação e carência de água, o que afetou tanto pequenos e médios quanto grandes criadores.
O gerente regional da Emater-MG em Montes Claros, José Arcanjo Marques, lembra que, ao longo da história, o Norte do estado enfrentou outras secas severas, entre elas as registradas nos períodos de 1933 a 1939, em 1964 e de 2011 a 2016. Mas, em 2023, o que mais agravou a situação foi a demora do retorno das chuvas.
A temporada chuvosa deveria ter sido iniciada em novembro. Porém, naquele mês a região teve apenas chuvas esparsas, enfrentando forte onda de calor. Os termômetros continuaram nas alturas em dezembro. Com isso, quase todos os plantios de milho e feijão feitos até o final do ano passado foram perdidos e as pastagens foram dizimadas.
Em janeiro, depois de 11 meses de estiagem, a região voltou a ter chuvas intensas, bem distribuídas ao longo do mês, o que permitiu recuperar tanques, córregos e pequenas barragens da região, mananciais que estavam, na sua grande maioria, secos. Assim, muitos agricultores se reanimaram e jogaram novamente sementes na terra, também com a expectativa de recuperação das pastagens.
Esperança renovada
José Arcanjo Marques salienta que as precipitações de janeiro foram relevantes para reabastecer o lençol freático e os mananciais e, de fato, trouxeram um novo ânimo para os agricultores norte-mineiros. “Porém, os problemas com as perdas dos produtores rurais durante a seca ainda não foram resolvidos. Para a situação melhorar de vez, será preciso que as chuvas na região continuem em fevereiro, março e abril”, afirma.
O coordenador regional da Emater-MG ressalta que de outubro até o fim de janeiro, no extremo Norte de Minas (a região mais árida), foram registrados somente 530 milímetros de chuva. Por isso, a continuidade do tempo chuvoso nos próximos dois meses será de fundamental importância para que os pecuaristas norte-mineiros possam recuperar suas pastagens e fazer reservas de alimentos para manter os rebanhos durante um novo período de estiagem, até outubro.
“O que há de pastagem e forrageiras hoje no Norte de Minas ainda não é suficiente para a manutenção do rebanho existente. Nesse caso, o recomendável é que os produtores reduzam suas criações, enviando parte do rebanho para outras regiões. Eles também precisam investir na formação de capineiras, canaviais e plantios de milho e sorgo, preparando a silagem para alimentar os animais no próximo período de estiagem”, recomenda o especialista.
O coordenador regional da Emater-MG salienta que, como restam praticamente três meses da temporada chuvosa no Norte de Minas, os agricultores da região que fizerem novos plantios de milho, feijão, sorgo e outras culturas agora dificilmente vão conseguir boa colheita somente com o uso água de chuva (lavouras de sequeiro). Eles terão que recorrer à irrigação. “Para isso, é preciso que os produtores façam um planejamento e procurem orientação técnica quanto ao uso da irrigação”, observa José Arcanjo Marques.
Produtores apostam na recuperação
“A esperança foi renovada. As pastagens estão se recuperando e muita gente está plantando as roças de milho e feijão de novo”, confirma o pequeno agricultor José Romildo Fonseca, presidente da Associação dos Moradores, Amigos e Produtores de Buriti do Seco, comunidade próxima ao distrito de Ermidinha, no município de Montes Claros.
Ouvido pelo Estado de Minas em novembro de 2023, quando a região sofria sob onda de calor, Romildo lamentava as enormes perdas que a estiagem tinha causado a ele e outros agricultores, diante do cenário de córregos e rios secos e pastagens devastadas. “Há mais de 20 anos não ocorriam mortes de reses como está acontecendo. Estamos enfrentando um ano terrível, de calamidade mesmo”, afirmou, na ocasião.
Um novo astral
Depois das precipitações de janeiro, o líder comunitário José Romildo Fonseca assegura que o astral dos agricultores da região é outro. “Há pessoas preparando a terra para fazer novos plantios neste mês de fevereiro. Também estão tentando recuperar as pastagens. A gente espera que as chuvas se prolonguem até abril”, destaca.
Ele afirma que as barragens e tanques da localidade, que estavam ressequidos até dezembro, agora estão cheios. O córrego Buriti Seco, que é intermitente, também voltou a correr. Romildo Fonseca informa que ele mesmo tinha plantado uma roça de 2,5 hectares de milho e feijão consorciado no fim de dezembro. Com “o retorno das águas do céu”, na primeira quinzena de janeiro, plantou mais meio hectare de milho e mandioca. “Estou com a esperança de que as lavouras vão vingar”, anima-se.
Outro pequeno produtor norte-mineiro que teve esperança renovada com a volta das chuvas à região é Evanilson Vieira Ribeiro, o Nicinho, da comunidade de São José, situada a cerca de 10 quilômetros do Rio São Francisco, no município homônimo, que sofreu os efeitos da “seca braba” no ano passado.
“Neste ano, já perdi mais de 20 reses por causa da falta de alimentação”, disse no ano passado Nicinho, ao ser entrevistado pelo Estado de Minas, entristecido diante do cenário de lagoas e tanques secos, com pastagens destruídas pela falta d'água, apesar da proximidade com o Rio da Integração Nacional.
Na última quinta-feira (1º/2), o semblante de Evanilson já era outro. Além de comemorar o fato de que os tanques e lagoas da região se encheram com as chuvas, ele manifestou a expectativa de que os prejuízos da estiagem prolongada sejam amenizados.
O agricultor relatou que ainda em novembro passado plantou uma roça de milho de oito hectares. Pouco tempo após a semeadura, a lavoura foi quase que devastada pelo sol causticante. “Mas, agora, após as chuvas de janeiro, acho que vai dar para colher uns 30% da plantação”, projeta o esperançoso produtor. “As pastagens também estão se recuperando, e espero que a chuva possa continuar até abril”, afirma.
Ilusão da seca verde
O vice-presidente da Sociedade Rural de Montes Claros, José Moacyr Basso, lembra que no princípio de novembro de 2023 caíram algumas poucas chuvas no Norte de Minas. Porém, o tempo seco voltou ainda na segunda quinzena de novembro e prosseguiu em dezembro. A instabilidade no clima contribuiu para aumentar os prejuízos e as perdas de bovinos, ocasionando o fenômeno da “seca verde”.
“O capim estava seco, servindo para ajudar a manter o gado no período de estiagem, como sempre aconteceu na região. Choveu em novembro. Mas, como as chuvas não continuaram, o capim e outras proteínas apodreceram e os produtores ficaram sem poder alimentar os animais, enfrentando a 'seca verde'”, argumenta Basso. Segundo ele, houve pecuaristas no Norte de Minas que perderam centenas de cabeças de gado no pico da estiagem do ano passado.
Moacyr Basso disse que os volumes pluviométricos no mês passado variaram na região. “Teve lugar em que choveu 200 milímetros. Em outro, caíram até 400 milímetros de chuva. Não será possível mais reaver os prejuízos, mas as pastagens estão sendo recuperadas”, avalia o líder classista.
Barragem do Bico da Pedra
As chuvas deste início de ano contribuíram não só para elevar o astral dos produtores rurais, mas também o volume da barragem do Bico da Pedra, construída no Rio Gorutuba, que garante o fornecimento de água para o projeto de irrigação do Gorutuba, entre os municípios de Janaúba e Porteirinha, tendo como destaque a produção de banana. Em 31 de janeiro, o volume do reservatório atingiu 62,99% de sua capacidade, de acordo com o Distrito de Irrigação do Gorutuba (DIG).
O perímetro irrigado do Gorutuba abrange 4,734 mil hectares. A área conta com 439 irrigantes, que geram 2,8 mil empregos diretos e outros 4.271 postos de trabalho. O gerente-executivo do DIG, Adalberto Santos, ressalta que a água da barragem é essencial para a produção na área do projeto, de onde saem toneladas de banana e de outras frutas enviadas para Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), durante o mês passado foram registrados em Janaúba 278,2 milímetros de chuva, e o acumulado no município de outubro até 31 de janeiro é de 454,4 milímetros. O volume é bem menor que a quantidade de chuvas do período de outubro de 2022 a janeiro de 2023, que foi de 660,6 milímetros.
O gerente do Distrito de Irrigação do Gorutuba ressalta que depois da crise hídrica enfrentada entre 2012 e 2020, foram realizadas ações na região da barragem do Bico da Pedra para mitigar os efeitos da seca e otimizar o uso da água do reservatório. Nesse sentido, foi estabelecido um marco regulatório pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), que define os “estados hidrológicos” segundo o nível de água da barragem, nas cores verde (satisfatório), amarelo (situação de atenção) e vermelho (escassez hídrica).