As chuvas de janeiro fizeram rebrotar a esperança entre produtores rurais do Norte de Minas, que têm a expectativa de se recuperar dos prejuízos com seca impiedosa que castigou a região por quase 11 meses em 2023. Como mostrou o Estado de Minas, eles cuidam dos cultivos e torcem para que a estação chuvosa continue até abril. Mas, agora, enfrentam um novo desafio: a dificuldade para a recuperação do pasto, que está verde, porém, sem crescimento suficiente para garantir a alimentação do gado durante o próximo período de estiagem no semiárido mineiro, que, historicamente, vai de abril a outubro.
Como a chuva não chegou nos meses de novembro e dezembro, cerca de 50% das pastagens da região se perderam. Agora, pecuaristas precisam retirar o rebanho – todo ou em parte – de suas terras, para “descansar” o pasto e permitir que o capim possa crescer novamente. Para isso, é preciso vender o gado. No entanto, eles vêm enfrentando barreiras para a comercialização, seja pela falta de comprador ou devido ao baixo preço da arroba do boi. Um problema que tem maior impacto, principalmente, sobre os pequenos produtores.
O coordenador regional da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG) em Montes Claros, José Arcanjo Marques Pereira, salienta que, como a estiagem de 2023 no Norte do estado avançou para os meses de novembro e dezembro, o capim só rebrotou com o retorno das chuvas no primeiro mês de 2024. Agora, se faz necessário a retirada total do gado, ou pelo menos a redução da quantidade de reses nas pastagens.
“Agora, mesmo que o preço da arroba de boi esteja baixo, é melhor o produtor deixar de segurar o gado e vender as criações para recuperar a pastagem. Senão, daqui a pouco, os animais vão acabar morrendo por falta de alimentação”, alerta Arcanjo.
Ele salienta que a recomendação é que os agricultores, quando não conseguirem vender os bovinos, tentem alternativas para aliviar as pastagens, como o envio dos animais a outras propriedades – inclusive fora do Norte de Minas – seja por meio do aluguel de pasto ou pelo sistema de parceria (criação “à meia”, com partilha de lucros).
O técnico da Emater-MG Charles Ramos Xavier explica por que, embora o entrave da necessidade de descanso das pastagens afete toda a classe criadora, os principais atingidos são os pequenos agricultores. “Os grandes produtores são mais estruturados e, quando não vendem as reses para outros criadores, vendem para frigoríficos, para os quais enviam carretas de bois. Já os pequenos não conseguem vender para os frigoríficos, pois têm poucos animais.” Também não conseguem uma engorda permanente do gado, para garantir o fornecimento constante para as empresas.
Preço da arroba é mais uma barreira
Charles Xavier lembra ainda que outra dificuldade é a redução do preço da arroba de boi na região, que já chegou a até R$ 310 e agora tem sido comercializada na faixa de
R$ 220. “A situação está complicando a renda familiar dos agricultores, que estão enfrentando dificuldades para pagar suas despesas”, relata Charles Xavier.
O quadro é um tormento para pequenos agricultores como Karleile dos Reis Silva, da localidade de Mocambo Firme, no município de Montes Claros. Ele tem 30 reses, em uma criação extensiva de 35 hectares, se dedicando à produção leiteira, e afirma que, como houve muitas perdas durante a longa estiagem de 2023, com a volta da chuva precisou retirar metade do rebanho da propriedade, para recuperar a pastagem e conseguir manter a atividade durante a seca deste ano.
“Mas não estou conseguindo vender o gado de maneira alguma. O preço já está muito baixo, e tem queda para até R$ 180 a arroba. Mesmo assim, a gente não acha que quem compra”, reclama. Kerleile disse ainda que, até o início do ano passado, comprava e vendia gado na região. “Mas, depois da seca, as coisas pioraram muito e tive que parar com o negócio”, lamenta.
Aluguel e renegociação
Ainda no município de Montes Claros, o pequeno produtor Carlos André Gomes, presidente da Associação Comunitária de Lavaginha da Onça, informa que a maioria dos pequenos criadores da região enfrentam um verdadeiro drama diante da necessidade de esvaziar seus terrenos para recuperar o capim, mas sem ter como fazer isso.
Carlos André disse que, com a oferta em alta, a procura em baixa e o preço despencando, uma alternativa para o pequeno produtor é alugar pasto em terreno de outro produtor. “O problema é que o aluguel de pasto na região está saindo por R$ 120 a cabeça, por mês. É um valor muito alto para os pequenos e torna inviável o negócio, por causa do preço baixo do gado”, observa.
O líder comunitário ressalta que os criadores precisam se preocupar com a formação de capineiras e silagem para manter o rebanho durante a próxima estiagem prolongada, de maio a outubro, o que também implica aumento de custos. “No meu caso, eu tinha dois hectares de capineira. Plantei mais um hectare e espero que continue chovendo nos próximos meses, para que a parte nova da capineira venha a dar corte para a próxima seca”, explica.
Carlos André disse ainda que a renegociação do prazo de pagamento de dívidas dos empréstimos agrícolas junto aos bancos para os atingidos pela seca também é complicada. “A proposta de prorrogação de pagamento dos débitos acaba não valendo muito para o pequeno agricultor, que prefere vender até a última vaca que tem do que ficar inadimplente e ter o nome 'sujo' no banco”, explica o líder comunitário.
'Grandes' também sofrem com preço
Janaúba, segunda maior cidade do Norte do estado, tem uma pecuária forte, com grandes criadores, principalmente da raça nelore. Embora tenham maior margem de manobra, eles também foram duramente afetados pela seca que castigou a região em 2023, e estão enfrentando sérias dificuldades para vender animais e recuperar as pastagens.
O prefeito de Janaúba, José Aparecido Mendes, que também é pecuarista e ex-presidente do Sindicato Rural do município, onde se fortaleceu como liderança regional, explica a dificuldade. “A situação dos produtores rurais é pior do que em anos anteriores, pois não há como vender o gado. Eles perdem cerca de 20% a 30% da capacidade de manter os animais em suas propriedades, devido à falta de pastagens. Não têm como colocar o gado no pasto existente, pois o gado acaba com todo capim em um mês e vai ficar o resto do ano sem nada. A situação é lastimável”, afirma Mendes, lembrando que, durante a pico da estiagem prolongada, no ano passado, houve produtores do Norte de Minas que perderam em torno de 30% a 40% de seus rebanhos.
Ele afirma que os pecuaristas não têm como alugar pasto, e que na região não há reservas de silagem. “Os plantios de milho e sorgo feitos em novembro e dezembro se perderam pela falta de chuva”, detalha. Nesse cenário, o prefeito salienta que, ainda que as chuvas de janeiro tenham reanimado os agricultores, o campo continua sofrendo com os efeitos da “seca verde”.
José Aparecido cobra “medidas estruturantes” por parte dos órgãos governamentais para o enfrentamento da carência de chuvas que, historicamente, castiga o semiárido mineiro. “A gente só vê por parte dos governos ações menores, como distribuição de cestas básicas para quilombolas. Essa política antiga não resolve nada. São necessárias medidas estruturantes, como barramentos e investimentos na proteção de solo para a recuperação das pastagens”, sugere o líder ruralista.
Equilíbrio difícil de gado e alimento
O presidente da Sociedade Rural de Montes Claros, José Henrique de Carvalho Veloso, diz que a orientação da entidade aos criadores é ter cautela e administrar bem a quantidade de reses em suas propriedades. “Os pecuaristas do Norte de Minas antigamente diziam que na fazenda você tem que escolher ter boi ou ter capim. Isso era a forma de dizer que é preciso equilibrar a quantidade de gado com a quantidade de pasto, o que por sua vez, depende do volume de chuvas, que é muito variável e muitas vezes severo”, afirma Veloso.
“O segredo é conhecer bem a região e comprar e vender na hora certa. Aumentar e diminuir a lotação do gado nas pastagens, o que na teoria é simples, mas, na prática, difícil de ser implantado, pois depende de variáveis de mercado e do clima, que estão fora do controle do pecuarista”, observa o dirigente classista.
Já o vice-presidente da Sociedade Rural de Montes Claros, José Moacyr Basso, acredita que a dificuldade dos produtores para vender animais está sendo superada. “Essa situação já está mudando. Já tem muita gente de fora comprando gado aqui. Os produtores mais organizados também já estão comprando, porque conseguiram engordar seus bois e vender para os frigoríficos”, relata Moacyr.
Recuperação fora do tempo certo
Os pecuaristas norte-mineiros esperam que as chuvas que voltaram à região em janeiro possam continuar em março, fevereiro e abril para a recuperação das pastagens. No entanto, o crescimento do capim nesta época do ano é mais difícil, por causa da quantidade de horas de luz solar no período. A observação é de Carlos Juliano Brant Albuquerque, professor-adjunto da área de grandes culturas do câmpus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em Montes Claros.
Ele salienta que a luz solar influencia diretamente no crescimento do capim, assim como de todas as plantas. Mas, nos meses de novembro e dezembro, quando os dias são mais longos, as chuvas faltaram na região e o capim não cresceu. A expectativa dos produtores com o retorno das chuvas é que as pastagens se recuperem agora. Porém, esse crescimento não vai ocorrer na proporção esperada, porque os próximos meses terão dias menores, explica o especialista, referindo-se à menor exposição solar.
“As gramíneas e forrageiras são extremamente sensíveis às condições de solo e clima. Isso quer dizer que, quando a gente tem menor quantidade de luz solar, as plantas ficam verdes, mas não crescem como nos meses de novembro e dezembro, quando os dias são mais longos”, detalha o professor.