Historicamente apegado ao café, Minas Gerais também busca ampliar o mercado de chás para além das fronteiras, mas encontra resistências. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em 2023, o estado ficou em 8º lugar no ranking do país entre os que mais exportaram, com US$ 7 milhões e volume de 2 mil toneladas. Na liderança está o Espírito Santo (US$ 211 milhões), seguido do Rio Grande do Sul (US$ 71 milhões), Pará (US$ 61 milhões), Bahia (US$ 32 milhões) e São Paulo (US$ 20 milhões).
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Essa disparidade na exportação de chás e especiarias para o mercado internacional pode ser atribuída às complexidades burocráticas envolvidas no processo. Produtores que buscam expandir seus horizontes, esbarram em obstáculos como questões regulatórias. Marcos Guião, por exemplo, administra a Ervanaria que leva seu próprio nome, localizada na cidade do Serro, na Região Central do estado, e conta que já tentou exportar suas ervas medicinais duas vezes, para a França e Portugal.
“Na primeira vez, um conhecido meu desejava abrir uma loja de produtos naturais em Paris, e me fez o pedido. Quando tentei enviar, as ervas retornaram. Os Correios devolveram e me informaram que eu não poderia mandar aquela mercadoria.” Já na segunda vez, Marcos tentou exportar para Portugal, mas desistiu ao se deparar com um emaranhado de trâmites exigidos para exportar seus produtos.
Processos de certificação, conformidade regulatória e documentação alfandegária muitas vezes consomem tempo e recursos preciosos, tornando o processo de exportação oneroso. Cláudia Peroba também produz chás orgânicos há mais de 15 anos, na Fazenda do Retiro, localizada no Sul de Minas, na cidade de Gonçalves, a 50 km de Campos de Jordão. Ela explica que o selo de certificação que utiliza no Brasil não pode ser o mesmo para exportar. “Fui convidada para participar de um projeto de chás na Itália em novembro deste ano, e a organizadora já me alertou desde os primeiros meses a respeito da burocracia.”
O cenário no Brasil
Um olhar mais atento para o início de 2024 revela uma tendência promissora. Ainda de acordo com o MDIC, de janeiro a março deste ano, as exportações brasileiras de chás, mate e especiarias atingiram aproximadamente US$ 101 milhões, o que representa cerca de 34 mil toneladas. Esse valor é 11% maior do que o exportado no mesmo período do ano passado, que foi de US$ 90 milhões. Esse salto demonstra que, embora não seja tão consumido como o café, o chá tende a continuar ganhando espaço no mercado.
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“O segmento de ervas em geral começou a aumentar na pandemia, porque as pessoas estavam em casa e precisavam beber outras coisas, não podiam tomar café o dia inteiro. Então, começaram a tomar infusões de ervas. Por isso, Minas Gerais tem feito um ótimo trabalho com plantações de camomila, erva cidreira, hortelã, lavanda e outras”, afirma a vice-presidente da Associação Brasileira de Chás (ABChá), Carla Saueressig. Da mesma forma, Cláudia Peroba observa essa tendência. “O nosso maior concorrente ainda é o café, mas começo a ver uma mudança, as pessoas estão olhando para os chás de forma diferente, como uma nova opção.”
Entre os principais destinos desses produtos brasileiros, destacam-se o Uruguai (US$ 54 milhões), Vietnã (US$ 50 milhões), Países Baixos (US$ 50 milhões), Alemanha (US$ 24 milhões) e Marrocos (US$ 23 milhões).
Foco na saúde é motivação
O imaginário da avó preparando o famoso chá de boldo, capaz de curar doenças como nenhum outro remédio, é uma ideia que atravessa gerações. Essa “tradição” continua a motivar produtores mineiros a cultivar as ervas e alimentar o mercado.
“Comecei a me interessar pela área da saúde de um modo geral, e depois de um tempo ingressei no segmento das plantas medicinais. Atuar com essas ervas é muito prazeroso, porque você trabalha levando saúde para as pessoas”, conta Marcos Guião, que trabalha há sete anos como produtor em sua Ervanaria. Atualmente com foco de vendas no varejo, sua linha de chás é composta por espécies medicinais indicadas para promover a saúde. Todas as ervas são produzidas e coletadas em seu terreno de aproximadamente 4 mil m², na região de São Gonçalo do Rio das Pedras, próximo ao Serro.
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As plantas são desidratadas quase que integralmente utilizando “secagem solar” a partir de tecnologia simples, a fim de otimizar a conservação das propriedades medicinais. O produtor afirma que tem, hoje, cerca de 170 espécies plantadas. A Ervanaria Marcos Guião possui uma loja on-line, onde é possível adquirir além das ervas, uma variedade de kits de chás orgânicos, para as mais diversas finalidades, como calmantes, diuréticos, respiratórios e imunizantes.
De forma semelhante, a Fazenda do Retiro também se destaca na produção orgânica para oferecer saúde e bem-estar. O espaço de mais de 100 hectares na região da Serra da Mantiqueira, se divide entre áreas produtivas, de preservação e reflorestamento, com mais de 50 mil árvores replantadas. Cláudia explica que o local conta com nascentes, onde são feitas as captações de água mineral, utilizada para a irrigação dos cultivos.
“Produzimos os chás puros, como o de camomila, hibisco, pepper mint, menta, capim limão e gengibre, com funções relaxante, energética, digestiva, revigorante, e de imunidade.” Além disso, também há uma linha dedicada a acalmar e equilibrar o corpo da mulher. “A camomila e o hortelã apresentam propriedades ansiolíticas e analgésicas, reduzindo a ansiedade e a cólica; enquanto o gengibre traz o poder anti-inflamatório e analgésico; o hibisco reduz o colesterol e o estresse, por exemplo.” Para o cultivo, a produtora ainda explica que as ervas têm preferência pelo clima quente e com alta iluminação. “No frio, o perigo é ter geada e queimar as plantas. Esse é o cuidado que devemos ter.”
Chá ou infusão
Apesar de uma variedade de ervas ser considerada chá no Brasil, a bebida tradicional vem de uma única planta, a Camellia sinensis, não mais cultivada em Minas. As misturas e bebidas à base de ervas são popularmente chamadas de chás, como o chá de camomila ou de hortelã. Mas, tecnicamente, são infusões, pois o chá em si vem somente da Camellia.
A diferença entre chá e infusão é que o primeiro diz respeito apenas à bebida confeccionada a partir das folhas e brotos da planta originária da China. Já a bebida de imersão é preparada com as demais ervas, flores, frutas, cascas e raízes geram infusões, e não chás.
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O chá Camellia sinensis chegou ao Brasil quando Dom João VI instituiu o Governo Provisório no Rio de Janeiro, em 1808. “Os europeus já tinham esse costume de tomar chá, em virtude das colônias chinesas no território. Ele viu o potencial do país para plantar chá e trouxe algumas mudas”, relembra Carla Saueressig. Porém, a morte de Frei Leandro do Sacramento, maior cuidador das plantas, iniciou o declínio irreversível do plantio. Na época do Império, houve tentativas de fazê-la vingar em Minas, com cultivo na região de Ouro Preto, mas sem sucesso.
A História do chá
A bebida tradicional refere-se à planta Camellia sinensis, originária da China e descoberta ao acaso, por volta de 2750 a.C., pelo imperador chinês Shennong. Na época das Grandes Navegações, os portugueses, à procura de especiarias, tiveram o primeiro contato com a planta ao desembarcarem no país asiático. Ao se encantarem pela bebida feita a partir da infusão das folhas de chá, estabeleceram uma rota de comércio entre China e Portugal, pelo Porto de Macau.
Aproximadamente em 1810, chegaram no Brasil as primeiras mudas de Camellia sinensis, além de algumas sementes e mão de obra chinesa. Os estudos e testes de adaptação da planta foram realizados sob comando do diretor Frei Leandro do Sacramento. Em 1822, já se contabilizavam 6 mil pés de chá no país, possibilitando três colheitas por ano. Apesar do grande sucesso no cultivo, em 1829 o Frei faleceu, levando consigo toda a sua paixão e estudo.
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Em 1840, a planta chegou a Minas Gerais, na região de Ouro Preto. Entretanto, após a Abolição dos Escravos, em 1888, houve o declínio da teicultura (cultura do chá) no Brasil, em razão da falta de mão de obra especializada. Daí em diante, o foco passou a ser as plantações de café, o desenvolvimento da mineração e o crescimento das cidades.
Em 1908, com a Imigração Japonesa, Torazo Okamoto, um dos imigrantes, reiniciou o cultivo de chá em São Paulo. Houve um grande aumento no número de plantações na região, e graças a isso, surgiu o famoso “chá de saquinho”, que possibilitou a expansão no consumo até a década de 90, quando as exportações encareceram. Com isso, o chá brasileiro perdeu competitividade e a indústria viu a demanda minguar.
Só em 2014, as plantações voltaram a ganhar força e popularidade. De 2013 a 2018, o consumo de chá no Brasil aumentou 25%, quase o dobro da média mundial, de 13%. Por fim, em 2019, foi criada uma organização voluntária e totalmente dedicada à diversidade do mercado de chás em todo o Brasil – a Associação Brasileira do Chá (ABChá).
Estatística promissora
De acordo com dados do MDIC, o Brasil comercializou, em 2023, mais de US$ 435 milhões em chá, mate e especiarias no mercado internacional. A exportação para 132 países superou a marca de 158 mil toneladas desses produtos.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Oliveira