O cultivo de arroz está em destaque na agricultura de Minas Gerais. Cerca de 78 mil toneladas do grão foram produzidas em terras mineiras na safra 2023/2024 – o número representa um aumento de mais de 600% em relação à colheita anterior, que atingiu 10 mil toneladas. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a área de cultivo também cresceu e ultrapassou os 3 mil hectares registrados em 2022, alcançando 17 mil hectares. O crescimento pode se transformar em alternativa para a descentralização produção no país, que é dependente do Rio Grande do Sul – a calamidade pública que o estado enfrenta com as enchentes exigiu ações para evitar o desabastecimento.
As razões para o fortalecimento do interesse dos produtores no cultivo de um dos grãos mais tradicionais no prato do brasileiro são diversas, entre elas, o aumento do preço internacional. Uma saca de 50kg custa em média R$ 105.
O pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Alcido Wander, ressalta a contribuição do arroz de sequeiro ou de terras altas, feita em Minas, para que a concentração dos cultivares não esteja restrita ao Rio Grande do Sul, responsável por 70% da produção nacional.
“A diferença entre o arroz irrigado e o arroz de terras altas está na forma e local de cultivo. No primeiro caso, comum no Sul do país, o grão é produzido em áreas planas e baixas, onde a irrigação é feita pela inundação da lavoura. O sistema do arroz de terras altas é encontrado em Minas, Goiás, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins e é cultivado sem irrigação. Por isso costuma ter um custo menor”, explica. A irrigação é com a água da chuva e, em alguns casos, usa sistema suplementar por aspersão.
Na década de 1970, Minas cultivou 635 toneladas de arroz e chegou a ficar entre os cinco maiores produtores do país. Atualmente, apesar do crescimento, registra cerca de 0,75% da produção nacional e ocupa a 12ª posição. “O arroz perdeu a importância em Minas ao longo do tempo. Os produtores começaram a investir em outros grãos mais vantajosos à época, como soja e milho”, esclarece Alcido.
Além do baixo custo de produção e compatibilidade com o relevo e clima do estado, o sistema de cultivo do arroz de terras altas permite que o grão seja implementado com outras culturas. “Na região tropical do Brasil, o arroz entra como uma segunda cultura, já no Sul, as plantações são de cultura única”, diferencia o pesquisador.
O arroz como segunda cultura, ou cultura consorciada, é apontado como uma técnica assertiva de melhoramento do solo. A pesquisadora e coordenadora do Programa Melhor Arroz da Universidade Federal de Lavras (UFLA), no Sul de Minas, professora Flávia Botelho, destaca que o arroz de sequeiro foi levado ao Cerrado na década de 1970, durante a expansão da fronteira agrícola, para corrigir solos.
“O arroz tem uma alta relação carbono-hidrogênio e deixa a matéria no solo para a outra cultura se beneficiar. Além disso, o grão atinge áreas profundas, garantindo aeração do solo, ou seja, o solo fica mais poroso. Isso contribui para o desenvolvimento das outras culturas e garante um sistema particular mais profundo”, diz a professora.
Para cultivar o arroz de terras altas com a irrigação da chuva e suplementar, de forma que pudesse ser consumido, foram necessários anos de pesquisa em melhoramento genético. Em Minas, a UFLA promove o estudo de mais de 5 mil tipos e busca hibridizar as melhores plantações de acordo com as características de cada região do estado. A qualidade, adaptação e resistência à doença são fatores levados em consideração durante dois anos antes que as sementes sejam entregues aos produtores parceiros do Programa Melhor Arroz.
PROTETOR DO CAFÉ
Nas plantações de café, o cultivo do arroz atua como um protetor. O extensionista da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), Geraldo José Rodrigues, afirma que o grão faz parte do que os produtores chamam de planta de cobertura. O arroz ainda atua no combate a parasitas e outros tipos de plantas que possam crescer no local. “O principal objetivo é não deixar o solo exposto. Por causa do clima tropical, precisamos trabalhar sempre pensando em cobrir o solo, ainda mais porque na cafeicultura o uso de máquinas é muito intenso e essas plantas vêm para diminuir o índice de compactação. A gramínea reestrutura o solo”, completa.
No Sul de Minas, a Emater-MG, a UFLA e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), financiadas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), implementaram unidades demonstrativas de arroz de sequeiro em consórcio com o café. Na Fazenda Pimenteiras, em São Sebastião do Paraíso, foi plantado cerca de 1km em linha de arroz, com mil plantas de café. O administrador da propriedade, João Eduardo Vieira, relata que a produção é destinada ao consumo local. “Como foi um teste, a primeira vez que plantamos, é para o consumo mesmo aqui da fazenda. Mas já estou com um projeto para o ano que vem e vamos ampliar a área”, conta.
O agricultor Elton Silva, de Guaxupé, também aderiu ao arroz na produção de café. Para ele, o crescimento da produção em Minas veio para ficar. “Na minha visão para o futuro, daqui um tempo muita gente vai começar a cultivar arroz, porque nós temos uma crise chegando com essa tragédia no Rio Grande do Sul”, aponta.
Diante dos estragos no Rio Grande do Sul e do comprometimento de parte dos cultivares, a Conab foi autorizada a importar até um milhão de toneladas de arroz por meio de leilões públicos, ao longo deste ano. Com a portaria assinada pelos ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), da Agricultura e Pecuária (Mapa) e da Fazenda, a primeira aquisição, de até 104 mil toneladas, está agendada para terça-feira (21/5). O estado produziu, na última safra, 7,27 milhões de toneladas de arroz em casca.
Em Minas, atualmente 280 municípios produzem arroz, em sua maioria cultivado por pequenos agricultores que fornecem alimentos ao Programa Nacional de Alimentação Escolar.