As análises das bebidas começam em setembro, quando os laboratórios estarão em plena operação, com equipamentos de ponta -  (crédito: Maria das Graças Cardoso/Divulgação)

As análises das bebidas começam em setembro, quando os laboratórios estarão em plena operação, com equipamentos de ponta

crédito: Maria das Graças Cardoso/Divulgação

Maior produtor da cachaça de alambique no país e referência nacional do produto, Minas Gerais conta agora com o intitulado Centro de Referência em Análise de Qualidade de Cachaça (CRAQC) — o primeiro desse segmento no estado. O empreendimento está localizado na Universidade Federal de Lavras (Ufla), no Sul de Minas, e recebeu pouco mais de R$ 3,7 milhões do governo mineiro, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), para sua estruturação. Embora o estado lidere em número de estabelecimentos legalizados, a quantidade ainda está muito aquém do ideal, pois a informalidade ultrapassa os 87%.

 

O complexo de 290 metros quadrados foi inaugurado em 30 abril e conta com três laboratórios para análises físicas e químicas, além de avaliações cromatográficas — técnica que, em linhas gerais, visa à identificação e quantificação de substâncias presentes na cachaça. “O espaço tem, ainda, um auditório com capacidade para 33 pessoas, uma sala para técnicos, uma copa, um almoxarifado e um espaço (vitrine) destinado à exposição de cachaças. As análises das bebidas começam em setembro, quando os laboratórios estarão em plena operação após a chegada de equipamentos de grande porte que contam com tecnologia de ponta”, explica a pesquisadora e idealizadora do CRAQC, Maria das Graças Cardoso.

 

“O próximo passo vai ser a realização de um treinamento para o devido manuseio dos aparelhos. As análises das bebidas são minuciosas e realizadas por profissionais altamente qualificados da própria universidade e em triplicata — ou seja, por meio de três checagens da mesma amostra”, diz a pesquisadora, que também é titular do Departamento de Química do Instituto de Ciências Naturais da Ufla e estuda a cachaça desde janeiro de 1998 na universidade.

 

 

O centro de referência terá capacidade para emitir laudo considerando os 20 Parâmetros de Identidade e Qualidade (PIQs) adotados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para registrar uma cachaça. O regulamento do governo determina, por exemplo, que a cachaça de alambique deve ser produzida exclusivamente em estruturas de cobre e obtida a partir da destilação do mosto fermentado do caldo da cana-de-açúcar crua.

 

“Caso seja identificado algo fora do padrão, nós vamos entrar em contato com o produtor e passar as orientações para os devidos ajustes”, completa a professora, acrescentando que o prazo para emissão de um laudo será de aproximadamente dez dias. Segundo conta, o ideal é que o produtor solicite nova análise a cada safra. A emissão do laudo vai custar ao produtor R$ 400. As eventuais orientações àqueles que não tiveram a bebida aprovada não têm custo.


A expectativa, segundo Marcelo Speziali, diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fapemig, é que o complexo recém-inaugurado amplie os atendimentos. “As pesquisas sobre cachaça já acontecem na Ufla há mais de 20 anos, e o centro de referência reúne toda essa expertise, apoiando os produtores que buscam pela regularização e aprimoramento de seus produtos. Então, a intenção é atender um número ainda maior de produtores do estado e do país, especialmente aqueles que ainda estão na informalidade”, afirma.

 

 

A chegada do centro ao município é bem vista pelos produtores. Um deles, segundo Débora Torres, é o marido, que toca o negócio da família – a Cachaça J. Fonseca – em um sítio em Lavras com a ajuda do avô dele. A cachaçaria surgiu em 1995 e produz a bebida em alambique em quatro diferentes safras e madeiras de armazenamento. “A intenção é expandir nossa atuação no mercado, pois hoje só vendemos na cidade. As análises no centro vão ajudar a manter a qualidade da bebida, além de dar mais segurança no processo produtivo”, avalia.


Epitácio Oliveira Cardoso e o filho dele, Pedro Henrique Cardoso, são proprietários da marca Rainha da Cana, em Abreus, município do Alto Rio Doce, na Zona da Mata, e também concordam que as análises são fundamentais. “Novas tecnologias e qualidade se buscam em universidades e centros de pesquisa, e os pesquisadores da Ufla têm ajudado a manter a qualidade do nosso produto. Além disso, eles têm nos apoiado bastante no desenvolvimento das bebidas alcoólicas mistas”, comenta Epitácio.

 

Brasil possui capacidade de produção de aproximadamente 1,2 bilhão de litros anuais

Brasil possui capacidade de produção de aproximadamente 1,2 bilhão de litros anuais

Grupo Salinas/Divulgação


Informalidade superior a 87% em Minas

 

 

Segundo a Fapemig, a taxa de informalidade dos produtores de cachaça em Minas Gerais é superior a 87%, “o que favorece condutas baseadas no empirismo primário, com más práticas de fabricação, liberando produtos de baixa qualidade no mercado”, crava a instituição.

 


Para produção e comercialização de cachaça no Brasil, o produtor deve se registrar junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). De acordo com as últimas informações disponibilizadas pelo órgão, no anuário de 2022, referente a 2021, Minas possui 353 estabelecimentos registrados. No restante do país há outros 598.

 


Já no anuário anterior, de 2021 referente a 2020, o estado contava com 397 estabelecimentos. Apesar da queda no quantitativo registrada no último balanço, o número deve passar de 500 no próximo anuário a ser divulgado ainda este ano com dados de 2023, segundo previsão da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa).

 


“Pode-se dizer que Minas tem algo entre quatro e cinco mil alambiques. Com isso, dá para ter uma ideia da dimensão dessa informalidade”, diz a pesquisadora da Ufla. Mesmo assim, o estado lidera em número de estabelecimentos registrados, tendo mais que o dobro do estado de São Paulo, segundo colocado com 143 cachaçarias regulares, ainda de acordo com os últimos dados do Mapa.


Estratégias para ampliar legalização

 

Para fomentar a regularização dos produtores, o governo oferece a Câmara Técnica Setorial da Cachaça de Alambique. Trata-se de um órgão consultivo do Mapa para a identificação de oportunidades de desenvolvimento das cadeias produtivas e definição de ações prioritárias. O objetivo é assegurar a participação dos agentes de produção e da sociedade civil nas decisões governamentais, bem como a realização de campanhas e palestras para conscientizar a população contra a clandestinidade, além de divulgar a importância do consumo seguro de produtos de qualidade, registrados, que atendam à legislação vigente.


Em ação contínua, o Mapa possui o Programa Nacional de Prevenção e Combate à Fraude e Clandestinidade em Produtos de Origem Vegetal. Durante inspeções, auditores fiscais federais agropecuários detectam irregularidades na fabricação de produtos como bebidas, entre elas a cachaça.

 

"Pode-se dizer que Minas tem algo entre quatro e cinco mil alambiques. Com isso, dá para ter uma ideia da dimensão da informalidade", Maria das Graças Cardoso Pesquisadora da Ufla

'Pode-se dizer que Minas tem algo entre quatro e cinco mil alambiques. Com isso, dá para ter uma ideia da dimensão da informalidade', diz Maria das Graças Cardoso, pesquisadora da Ufla

Acervo Pessoal


A cachaça em números

 

O Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC) estima que o Brasil possui capacidade instalada de produção de aproximadamente 1,2 bilhão de litros anuais, porém se produz menos de 800 milhões a cada ano. Uma pequena fatia da produção, vale dizer, é destinada ao mercado externo.


Em 2022, 9,31 milhões de litros de cachaça foram exportados para 76 países, por mais de 50 empresas, gerando receita de US$ 20,80 milhões. Esses números representam um crescimento de 52,38% em valor e de 29,03% em volume em comparação a 2021. Na primeira colocação estão os Estados Unidos (25,78%). Na sequência vêm Alemanha (12,02%), Portugal (9,43%), França (8,22%) e Itália (7,94%). São Paulo (47,86%), Minas Gerais (11,27%), Pernambuco (11,01%), Rio de Janeiro (10,06%) e Paraná (7,22%) compreendem os estados que mais exportaram a bebida.


Em Minas, a receita do comércio internacional com a cachaça somou US$ 2,3 milhões em 2022, com o volume superior a 400 mil litros embarcados, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). Os números representam alta de 110% e 71%, respectivamente, em comparação a 2021. O produto foi enviado a 17 países, principalmente, EUA, Uruguai e Itália. Dados sobre produção no país em 2023, bem como exportação, ainda serão divulgados pelo governo este ano.