Maior produtor da cachaça de alambique no país e referência nacional do produto, Minas Gerais conta agora com o intitulado Centro de Referência em Análise de Qualidade de Cachaça (CRAQC) — o primeiro desse segmento no estado. O empreendimento está localizado na Universidade Federal de Lavras (Ufla), no Sul de Minas, e recebeu pouco mais de R$ 3,7 milhões do governo mineiro, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), para sua estruturação. Embora o estado lidere em número de estabelecimentos legalizados, a quantidade ainda está muito aquém do ideal, pois a informalidade ultrapassa os 87%.
O complexo de 290 metros quadrados foi inaugurado em 30 abril e conta com três laboratórios para análises físicas e químicas, além de avaliações cromatográficas — técnica que, em linhas gerais, visa à identificação e quantificação de substâncias presentes na cachaça. “O espaço tem, ainda, um auditório com capacidade para 33 pessoas, uma sala para técnicos, uma copa, um almoxarifado e um espaço (vitrine) destinado à exposição de cachaças. As análises das bebidas começam em setembro, quando os laboratórios estarão em plena operação após a chegada de equipamentos de grande porte que contam com tecnologia de ponta”, explica a pesquisadora e idealizadora do CRAQC, Maria das Graças Cardoso.
“O próximo passo vai ser a realização de um treinamento para o devido manuseio dos aparelhos. As análises das bebidas são minuciosas e realizadas por profissionais altamente qualificados da própria universidade e em triplicata — ou seja, por meio de três checagens da mesma amostra”, diz a pesquisadora, que também é titular do Departamento de Química do Instituto de Ciências Naturais da Ufla e estuda a cachaça desde janeiro de 1998 na universidade.
O centro de referência terá capacidade para emitir laudo considerando os 20 Parâmetros de Identidade e Qualidade (PIQs) adotados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para registrar uma cachaça. O regulamento do governo determina, por exemplo, que a cachaça de alambique deve ser produzida exclusivamente em estruturas de cobre e obtida a partir da destilação do mosto fermentado do caldo da cana-de-açúcar crua.
“Caso seja identificado algo fora do padrão, nós vamos entrar em contato com o produtor e passar as orientações para os devidos ajustes”, completa a professora, acrescentando que o prazo para emissão de um laudo será de aproximadamente dez dias. Segundo conta, o ideal é que o produtor solicite nova análise a cada safra. A emissão do laudo vai custar ao produtor R$ 400. As eventuais orientações àqueles que não tiveram a bebida aprovada não têm custo.
A expectativa, segundo Marcelo Speziali, diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fapemig, é que o complexo recém-inaugurado amplie os atendimentos. “As pesquisas sobre cachaça já acontecem na Ufla há mais de 20 anos, e o centro de referência reúne toda essa expertise, apoiando os produtores que buscam pela regularização e aprimoramento de seus produtos. Então, a intenção é atender um número ainda maior de produtores do estado e do país, especialmente aqueles que ainda estão na informalidade”, afirma.
A chegada do centro ao município é bem vista pelos produtores. Um deles, segundo Débora Torres, é o marido, que toca o negócio da família – a Cachaça J. Fonseca – em um sítio em Lavras com a ajuda do avô dele. A cachaçaria surgiu em 1995 e produz a bebida em alambique em quatro diferentes safras e madeiras de armazenamento. “A intenção é expandir nossa atuação no mercado, pois hoje só vendemos na cidade. As análises no centro vão ajudar a manter a qualidade da bebida, além de dar mais segurança no processo produtivo”, avalia.
Epitácio Oliveira Cardoso e o filho dele, Pedro Henrique Cardoso, são proprietários da marca Rainha da Cana, em Abreus, município do Alto Rio Doce, na Zona da Mata, e também concordam que as análises são fundamentais. “Novas tecnologias e qualidade se buscam em universidades e centros de pesquisa, e os pesquisadores da Ufla têm ajudado a manter a qualidade do nosso produto. Além disso, eles têm nos apoiado bastante no desenvolvimento das bebidas alcoólicas mistas”, comenta Epitácio.
Informalidade superior a 87% em Minas
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Segundo a Fapemig, a taxa de informalidade dos produtores de cachaça em Minas Gerais é superior a 87%, “o que favorece condutas baseadas no empirismo primário, com más práticas de fabricação, liberando produtos de baixa qualidade no mercado”, crava a instituição.
Para produção e comercialização de cachaça no Brasil, o produtor deve se registrar junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). De acordo com as últimas informações disponibilizadas pelo órgão, no anuário de 2022, referente a 2021, Minas possui 353 estabelecimentos registrados. No restante do país há outros 598.
Já no anuário anterior, de 2021 referente a 2020, o estado contava com 397 estabelecimentos. Apesar da queda no quantitativo registrada no último balanço, o número deve passar de 500 no próximo anuário a ser divulgado ainda este ano com dados de 2023, segundo previsão da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa).
“Pode-se dizer que Minas tem algo entre quatro e cinco mil alambiques. Com isso, dá para ter uma ideia da dimensão dessa informalidade”, diz a pesquisadora da Ufla. Mesmo assim, o estado lidera em número de estabelecimentos registrados, tendo mais que o dobro do estado de São Paulo, segundo colocado com 143 cachaçarias regulares, ainda de acordo com os últimos dados do Mapa.
Estratégias para ampliar legalização
Para fomentar a regularização dos produtores, o governo oferece a Câmara Técnica Setorial da Cachaça de Alambique. Trata-se de um órgão consultivo do Mapa para a identificação de oportunidades de desenvolvimento das cadeias produtivas e definição de ações prioritárias. O objetivo é assegurar a participação dos agentes de produção e da sociedade civil nas decisões governamentais, bem como a realização de campanhas e palestras para conscientizar a população contra a clandestinidade, além de divulgar a importância do consumo seguro de produtos de qualidade, registrados, que atendam à legislação vigente.
Em ação contínua, o Mapa possui o Programa Nacional de Prevenção e Combate à Fraude e Clandestinidade em Produtos de Origem Vegetal. Durante inspeções, auditores fiscais federais agropecuários detectam irregularidades na fabricação de produtos como bebidas, entre elas a cachaça.
A cachaça em números
O Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC) estima que o Brasil possui capacidade instalada de produção de aproximadamente 1,2 bilhão de litros anuais, porém se produz menos de 800 milhões a cada ano. Uma pequena fatia da produção, vale dizer, é destinada ao mercado externo.
Em 2022, 9,31 milhões de litros de cachaça foram exportados para 76 países, por mais de 50 empresas, gerando receita de US$ 20,80 milhões. Esses números representam um crescimento de 52,38% em valor e de 29,03% em volume em comparação a 2021. Na primeira colocação estão os Estados Unidos (25,78%). Na sequência vêm Alemanha (12,02%), Portugal (9,43%), França (8,22%) e Itália (7,94%). São Paulo (47,86%), Minas Gerais (11,27%), Pernambuco (11,01%), Rio de Janeiro (10,06%) e Paraná (7,22%) compreendem os estados que mais exportaram a bebida.
Em Minas, a receita do comércio internacional com a cachaça somou US$ 2,3 milhões em 2022, com o volume superior a 400 mil litros embarcados, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic). Os números representam alta de 110% e 71%, respectivamente, em comparação a 2021. O produto foi enviado a 17 países, principalmente, EUA, Uruguai e Itália. Dados sobre produção no país em 2023, bem como exportação, ainda serão divulgados pelo governo este ano.