Maria Assis, agricultora e sindicalista em Rio Pardo de Minas: "O saber é tudo na vida de uma mulher. Se a mulher tem conhecim/ento, ela é capaz de chegar no além" -  (crédito: Arquivo pessoal)

Maria Assis, agricultora e sindicalista em Rio Pardo de Minas: "O saber é tudo na vida de uma mulher. Se a mulher tem conhecim/ento, ela é capaz de chegar no além"

crédito: Arquivo pessoal

Historicamente, as mulheres ocupam um papel fundamental nas práticas agropecuárias. No entanto, a participação feminina na área rural muita das vezes é limitada e resumida a um papel secundário e pouco valorizado, como atividades de cuidado e manutenção. Para as mulheres ligadas aos setores da agropecuária ouvidas pelo Estado de Minas, o maior objetivo a ser alcançado atualmente é justamente o reconhecimento e o protagonismo feminino na área rural.

 

Myrian Sousa, analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Sul de Minas, diz que é diante dessa secundarização das mulheres no agro que uma das ações da entidade é atuar para capacitá-las e apoiá-las como protagonistas. “Nosso papel é dar respaldo para que elas consigam desenvolver as suas atividades da melhor maneira possível. Levando gestão para elas, levando o trabalho de precificação, de controle financeiro, de como trabalhar marketing e a gestão de pessoas no agronegócio. E também trabalhando o resgate dessas mulheres e o empoderamento feminino para que elas consigam se enxergar enquanto empreendedoras e gerar valor tanto para si quanto para o território”, explica a analista.

 

 

Para Myrian, além do apoio e capacitação, há alguns fatores que impulsionam a liderança feminina, entre eles, a cooperação entre mulheres de diversas atuações no setor. Além disso, ela destaca a disseminação de informações sobre o agro nas instituições de educação a fim de mostrar que as possibilidades de atuação são diversas e estão mais modernas e inovadoras a cada dia.

 

Presença no campo

O último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) quanto à atuação de homens e mulheres no setor agro é do Censo Agropecuário de 2017. Na época, o aumento da liderança de mulheres no setor em Minas Gerais foi destaque. Em 2006, o número de estabelecimentos agropecuários liderados por mulheres em Minas era 59,3 mil, já em 2017, o total chegava a 86,7 mil. Apesar desse crescimento, a diferença entre os gêneros era expressiva. Em 2017, o número de estabelecimentos agropecuários liderados por homens chegou a 518.582.

 

 

Apesar de não haver dados recentes, alguns fatores refletem que o aumento do público feminino segue acontecendo desde 2017. Entre eles, o aumento no público do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA), que terá sua 9ª edição este ano. Em 2016, foram registradas 600 congressistas, em 2019, 1.500, e, no ano passado, 3.300.

 

 

Marcha das Margaridas em 2023: em Minas, quase 90 mil estabelecimentos agropecuários eram liderados por mulheres em 2017, data do último censo no setor

Marcha das Margaridas em 2023: em Minas, quase 90 mil estabelecimentos agropecuários eram liderados por mulheres em 2017, data do último censo no setor

Joédson Alves/Agência Brasil

 

O aumento de mulheres em cargos de protagonismo no agro também é notado unanimemente por todas as entrevistadas, entre elas, a presidente da Comissão Nacional das Mulheres do Agro da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Stéphanie Ferreira, e Alaíde Lúcia Bagetto, coordenadora da Comissão Estadual de Mulheres Trabalhadoras Rurais (CEMTR) da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais (Fetaemg).

 

Entidades e medidas

“Mesmo com a evolução da atuação feminina no setor, muito trabalho existe pela frente, buscando a valorização, respeito, equidade e quebrando barreiras para a plena participação da mulher em posições de tomada de decisão e liderança, seja dentro da porteira ou junto a entidades de classe”, atesta a Comissão Nacional das Mulheres do Agro da CNA, criada em fevereiro do ano passado. A presidente e engenheira agrônoma Stéphanie diz que o objetivo da iniciativa é justamente “ampliar o protagonismo das mulheres dentro do sistema, sindical, rural, patronal, e também desenvolver a liderança nelas”. A comissão atua em todos os estados brasileiros e conta com 54 representantes estaduais.

 

Para Stéphanie, assim como para Alaíde Lúcia, a participação feminina na atuação sindical está diretamente relacionada ao aumento feminino em cargos de liderança no agro. “Da mesma forma que a mulher se enxergava como coadjuvante na fazenda e percebeu que o negócio também era dela, ela também passa a enxergar que esses movimentos de representação junto às entidades, seja cooperativa, seja associação, seja sindicato, também precisam dela”, diz a presidente da Comissão Nacional das Mulheres do Agro, que defende que a participação feminina é fundamental para defender os direitos da classe.

 

 

Alaíde Lúcia Bagetto diz que uma das estratégias da Comissão Estadual de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Fetaemg para que o trabalho feminino ligado à agricultura familiar, grupo que compõe a representação, tenha maior visibilidade é a luta por políticas públicas. Como por exemplo, o acesso a crédito para aumento da produção e a busca pela comercialização dos excedentes para que as mulheres tenham garantia de uma renda fixa.

 

Entre políticas públicas que existem e que fortalecem o trabalho feminino rural, Alaíde destaca o programa Quintais Produtivos das Mulheres Rurais, lançado pelo governo federal em setembro do ano passado. A ação foi anunciada em resposta à Marcha das Margaridas, movimento formado por “mulheres dos campos, das florestas e das águas”, coordenado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), federações e sindicatos filiados e 16 organizações parceiras. Além da luta por políticas públicas voltadas às mulheres, estão entre os objetivos da marcha a reafirmação do protagonismo das mulheres na contribuição econômica, política e social e o protesto contra todas as formas de violência, exploração e discriminação de gênero.

 

 

Stéphanie Ferreira, presidente da Comissão Nacional das Mulheres do Agro da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

Stéphanie Ferreira, presidente da Comissão Nacional das Mulheres do Agro da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

Arquivo pessoal

 

A realização de cursos, oficinas e encontros de formação na área rural está entre ações que estimulam e possibilitam mulheres a assumirem cargos de empreendedoras no setor, acredita Maria Assis, agricultora familiar e diretora de Agricultura e Reforma Agrária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo de Minas, município no Norte do estado. Para ela, muitas mulheres ainda não descobriram a capacidade que têm. “O saber é tudo na vida de uma mulher. Se a mulher tem conhecimento, ela é capaz de chegar no além”, diz a também coordenadora regional de mulheres do Norte de Minas pela Fetaemg, que reforça que o conhecimento não se limita a aquilo que é aprendido em formações técnicas, mas também abrange o saber cultural e ancestral.

 

Inovação

 

 

É na busca por inovações nas práticas agropecuárias que Renata Camargo, responsável pelo desenvolvimento do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA), vê uma forte ligação com a liderança feminina no setor. Ela destaca que mulheres estão mais dispostas a realizar mudanças e a investir em tecnologias, o que comumente resulta no aumento da produção e na elevação do lucro.

 

Renata associa essa característica “menos tradicionalista” do público feminino aos casos frequentes de mulheres que precisam assumir a responsabilidade em negócios rurais repentinamente por motivos como a morte do proprietário, que tende a ser o pai ou marido. No entanto, ela enfatiza como isso não é exclusivo de casos desse modelo, uma vez que a presença de jovens no congresso é notável. “São meninas com sede de conhecimento para manter o legado”, descreve.

 

“A representatividade feminina nos fortalece, traz aquela sensação de ‘se ela fez, eu também posso’”

Renata Camargo, responsável pelo Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA)

 

O Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, que será nos dias 23 e 24 de outubro deste ano, é um evento ideal para fortalecer, promover o relacionamento entre mulheres do agro e discutir demandas do setor, argumenta Renata. “O CNMA tem capacidade de mudar vidas porque a pessoa se sente representada e empoderada. A representatividade feminina nos fortalece, traz aquela sensação de ‘se ela fez, eu também posso’. Você acaba encorajando outras mulheres a darem o próximo passo”, diz. Renata reforça que o congresso é para todas as mulheres do agro, independente do setor e da dimensão do negócio.

 

Renata Camargo, responsável pelo Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA)

Renata Camargo, responsável pelo Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio (CNMA)

Arquivo pessoal

Entre os temas que serão debatidos este ano no CNMA, que faz parte do Transamerica Expo Center – cujo espaço, localizado na capital paulista, será a sede do evento –, estão ‘vozes que ecoam: mulheres inspiradoras no agro’; ‘de geração em geração: planejamento sucessório em empresas rurais familiares’ e ‘comissão semeadoras do agro: a importância da representatividade feminina e da força da mulher do campo’.

 

Questões técnicas do setor também serão discutidas, como o mercado de carbono e gestão digital e sucessão. Como novidade para este ano, o congresso terá a “casa da mulher agro”, que busca trazer um ‘outro lado da mulher’ “Independente de onde eu esteja atuando, independente do segmento do meu cargo, a mulher não precisa perder a vaidade, a autoestima. Será um espaço para falar sobre beleza, moda e bem-estar”, explica Renata.

*Estagiária sob supervisão