Na ordenha manual, a higienização deve ser feita com rigor para evitar contaminação -  (crédito: Euler Junior/EM/D.A Press)

Na ordenha manual, a higienização deve ser feita com rigor para evitar contaminação

crédito: Euler Junior/EM/D.A Press

 

Na produção do leite, diversos fatores propiciam um volume leiteiro maior e mais saudável, incluindo as condições de saúde das vacas. Uma das preocupações que ocupam a mente (e os bolsos) dos produtores é a incidência da mastite, uma inflamação da glândula mamária que reduz drasticamente o quantitativo da produção leiteira, tendo em vista que Minas Gerais é o estado que mais produz leite no Brasil.


De acordo com o agrônomo e analista da JPA Inteligência, Marcelo Teixeira, Minas tem a tendência histórica de se manter no posto. Isso porque, explica Marcelo, “em 2023, [Minas] produziu quase cinco bilhões de frente em relação ao segundo colocado, que é o Paraná”. Além disso, ele ressalta que a produção mineira continua crescente, uma vez que, no primeiro trimestre de 2024, a produção aumentou 8% em relação ao mesmo período do ano passado.


Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Minas Gerais produziu, em 2023, 9,36 bilhões de litros de leite, contando apenas a produção inspecionada, enquanto a segunda colocação é ocupada pelo Paraná, que produziu 4,47 bilhões de litros, e Rio Grande do Sul, em terceiro, com produção de 4,07 bilhões de litros.

 


No entanto, a produção mineira, mesmo que crescente, se prejudica com a incidência da mastite nas vacas leiteiras, como explica a doutora em Ciência Animal e professora da UNIBH, Prhiscylla Pires: “A mastite, que é uma inflamação que afeta tanto animais quanto humanos, pode ser causada pela união de diversos agentes e pode até mesmo ser contagiosa”. Dentre as causas, ela explica que estão as infecções por microrganismos, sendo as bactérias o mais comum; práticas de manejo inadequadas, em especial na rotina de ordenha; e condições ambientais propícias para o desenvolvimento da inflamação, como baixa higiene.


É caso de preocupação para Emilson Martins de Assis, produtor de leite há 25 anos no município de Santa Maria de Itabira. Ele descreve que, quando as vacas têm mastite, o prejuízo para a produção é enorme, o que inclui o tratamento da infecção e o custo do descarte de leite comprometido. “Quando a vaca está com mastite, temos o custo com medicamento e também perdemos dinheiro”, diz.

 

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O produtor narra que, enquanto a vaca está em tratamento, todo o leite produzido precisa ser descartado. “A CCS, que é a contagem de células somáticas, sobe, e todo o leite fica comprometido com a infecção”. A informação é confirmada por Prhyscilla, que explica que a estatística elevada dessas células indica uma resposta inflamatória, além de que o leite pode conter resíduos dos antibióticos usados no tratamento.


“Por isso, este leite é considerado impróprio para consumo humano e, em muitos casos, deve ser descartado, aumentando as perdas econômicas. Nem mesmo os bezerros devem ser alimentados com esse leite”, afirma a doutora em Ciência Animal.


Ela também explica que enquanto o leite produzido por uma vaca saudável tem a coloração branca ou levemente amarelada, com uma textura homogênea e fluida, o leite produzido com uma vaca com a inflamação da mastite pode apresentar cor opaca, tonalidades rosadas ou avermelhadas, com uma textura turva ou com grumos (grãos minúsculos), devido à presença de pus e células inflamatórias, o que torna o consumo inseguro para o ser humano.


De acordo com a experiência do produtor Emilson, a duração mínima da infecção é de 30 dias, com a máxima de 60, o que significa um tratamento durante todo o período e descarte diário de todo o leite produzido enquanto a vaca tem o diagnóstico de mastite. “Quando o leite está assim, a gente não pode passar pra frente, então não podemos enviar para o laticínio, nem para a cooperativa de distribuição”, conta.


Até chegar ao consumidor final, o leite é submetido a rigorosos processos de inspeção e controle. Dessa forma, pessoas que consomem leite inspecionado não correm risco de beber leite inadequado para o consumo humano.


No entanto, segundo levantamento de fevereiro de 2024 do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), Minas Gerais está no limite dos parâmetros de contagem de células somáticas. Enquanto a recomendação é de, no máximo, 500.000 células/mL, a média geométrica do leite mineiro varia entre 469.000 cels/mL a 554.000 cels/mL.

 

Prejuízo econômico

 

Cada litro de leite é vendido pelo produtor de Santa Maria de Itabira pelo valor de R$ 2,80. Considerando que cada uma de suas vacas produz, em média, 22 litros por dia, caso uma esteja com uma infecção de mastite por 30 dias, ela causa um prejuízo de R$ 1.848,00 no mês. No entanto, caso ela sofra da infecção por 60 dias, o prejuízo total é de R$ 3.696,00. “Isso por cada vaca com mastite, sem contar com os medicamentos”, relembra o produtor. Pela experiência de Emilson, cada tratamento da doença custa na faixa de R$ 800,00 a R$ 1.000,00, o que também pesa no bolso ao fim do mês. O tratamento pode chegar à necessidade de cauterização de um dos tetos, prejudicando a produção leiteira.


Além desses fatores, o pecuarista também pode se ver diante de outro prejuízo. De acordo com Emilson Martins, caso a vaca apresente uma infecção muito grave, a saída é outra: “Infelizmente, às vezes precisamos mandar para o abate. O tratamento ‘não dá conta’”, afirma. Para a professora da UNIBH Prhyscilla Pires, a eutanasia é necessária em alguns casos devido “à refratariedade e condições debilitantes do animal”. Neste caso, é preciso que o animal seja reposto para a continuidade da produção.


Fausto Pereira de Faria, produtor de leite do município de São Domingos do Prata, conta que o preço médio de uma vaca que produz mais que a faixa de 22 litros por dia é de R$ 7.000,00 a R$ 8.000,00, com o preço podendo variar de acordo com a idade e o potencial de produção leiteira. “No caso da mastite, quando a vaca está com a doença, não podemos nem mandar a carne para frigoríficos, perdendo inclusive o potencial de venda da carne”, afirma.

 

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Ainda segundo o agrônomo Marcelo Teixeira, a indústria de laticínios é uma das mais importantes no agronegócio do estado. Entretanto, é bastante elástica. “Na previsão macroeconômica, as estimativas mostram que o PIB deve crescer e a taxa Selic deve permanecer estável. No entanto, as dúvidas sobre as finanças e o aumento da dívida pública geram uma expectativa de desaceleração econômica em 2025.”


Marcelo explica que esse cenário “levanta preocupações no setor de laticínios, dado que os produtos lácteos têm alta elasticidade de renda, com demanda diretamente ligada ao crescimento econômico”. Dessa forma, em um contexto incerto, o cuidado com a produção se faz primordial.


Em uma ótica macro, para a consultora do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados no Estado de Minas Gerais (Silemg) e professora emérita da Escola de Veterinária da UFMG, Mônica Maria Oliveira Pinho Cerqueira, a mastite causa danos enormes, a depender se é clínica ou subclínica. Para ela, as perdas econômicas relacionadas à condição clínica, com sintomas aparentes, representam de 20 a 30% dos prejuízos, por gastos com antibióticos, enquanto a subclínica, que não tem sintomas aparentes, representa 70 a 80% dos prejuízos, principalmente em decorrência da redução da produção de leite.


A professora emérita explica que a mastite também provoca impactos no processo tecnológico do leite difíceis de mensurar. “Essas perdas ocorrem por alteração nos componentes e na qualidade do leite, com menor rendimento industrial e riscos de ocorrência de defeitos tecnológicos na matéria-prima e em seus derivados”, explica.


Assim, segundo conclusão de estudo da organização não governamental estadunidense Conselho Nacional de Mastite, quanto mais células de infecção estiverem presentes no tanque de leite, maior é o percentual de quartos mamários infectados e, por consequência, há maiores perdas na produção.


Risco de contágio


Tendo em vista todas as possibilidades de perda financeira, o produtor precisa se atentar a manter as possibilidades de manutenção e crescimento dos negócios. Por isso, é imprescindível que ele tenha um cuidado extra em relação à higienização dos equipamentos e das mãos dos ordenhadores, principalmente considerando o caráter contagioso da inflamação.


De acordo com Prhyscilla Pires, a mastite pode envolver microrganismos como Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Streptococcus spp, Enterobacter spp e Mycoplasma spp, que têm capacidade de transmitir a doença de uma vaca para outra ou por via ambiental, quando os animais se infectam com os patógenos dispersos no ambiente da ordenha.


Segundo o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), o estado de Minas Gerais não tem um programa específico contra a mastite, uma vez que o instituto age conforme as demandas repassadas pelo Ministério da Agricultura e Meio Ambiente (MMA). Ainda, o IMA explica que, por ser uma questão de cuidado local do produtor, “é muito difícil a regulamentação de um programa de prevenção”.


A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater) explica que é responsável por passar diretrizes aos produtores. “A gente os orienta a fazerem o pré-dipping, o pós-dipping e ter toda a higiene na hora da ordenha”, explica Nauto Martins, técnico de bovinocultura da Emater. Para ele, a empresa conduz os seus profissionais a realizarem o teste nos animais antes da ordenha, de modo que, caso o leite do teste apresente anomalias, ele não faça a ordenha no animal doente. “Se colocar a ordenhadeira nesta vaca e depois colocar nas outras, vai contaminá-las”, explica Nauto. Outro procedimento é a higienização do animal antes e depois da ordenha, com uma solução antisséptica à base de iodo, que evita a contaminação cruzada.

 

*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Rocha