Com adornos largos e coloridos, do guppy ao espada, os peixes ornamentais ganham cada vez mais o gosto do público, fazendo com que a produção fique a todo o vapor em Minas Gerais. Essa criação tem se destacado como uma alternativa lucrativa e sustentável para centenas de famílias no estado, principalmente na região da Zona da Mata Mineira.
Embora pouco conhecida pelo grande público, a piscicultura ornamental movimenta cifras significativas e sustenta diversas famílias, principalmente pela característica de investimento inicial relativamente baixo e um manejo simplificado. No ano de 2021, o mercado de peixes ornamentais em Minas Gerais movimentou mais de R$ 10 milhões, segundo pesquisa do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (IF Sudeste MG), campus Muriaé, o que faz a região ser responsável por 70% da produção nacional.
Segundo o levantamento, a cifra foi atingida após o comércio de 7,7 milhões de peixes ornamentais, produzidos em 94,7 hectares de terra. A maior parte desta produção foi vendida para distribuidores na própria região. Na sequência produtiva, esses distribuidores comercializam os peixes para quase todos os estados do Brasil.
Cerca de 400 famílias dependem dessa renda. Elas ficam distribuídas pelo município de Muriaé e no entorno. Dentre eles, estão Patrocínio do Muriaé, Vieiras, Eugenópolis, Miradouro, Barão do Monte Alto, Rosário da Limeira e São Francisco do Glória.
A cultura de peixes ornamentais na região se iniciou em 1980. É consenso que o responsável pela introdução da prática na Zona da Mata tenha sido o engenheiro agrônomo e fazendeiro Paulo Bratz. Ele iniciou a criação como atividade produtiva na Fazenda da Vargem, localizada no Distrito de Santo Antônio da Glória, no município de Vieiras.
INÍCIO DESACREDITADO
A produção da região, que se baseava em café e leite, começou a se diversificar e tornou-se promissora, transformando a economia local. Hoje, as espécies que mais se destacam no comércio local são betta, molinésia, espada, platy, carpa colorida, guppy, paulistinha, cascudo abacaxi, acará bandeira, barbo ouro, labeo bicolor e kinguio japonês.
De acordo com levantamento do IF, o maior número de produtores de peixes ornamentais da região está concentrado na cidade de Patrocínio do Muriaé, com 32%, ou 53 produtores, seguido das cidades de Vieiras, que conta com 22% dos produtores, ou 35, e São Francisco do Glória, que tem 18%, ou 30 produtores. Do polo, a cidade com menos produtores é Muriaé, com 4%, ou 7 produtores. Além disso, o estudo aponta que, dos cultivos de peixes ornamentais analisados, 80% eram realizados em terrenos próprios ou com escrituras.
É o caso de Márcio Onibene, produtor de peixes ornamentais em São Francisco do Glória. Desde 1988 no mercado, ele conta que começou às cegas. “A gente gosta de falar que a piscicultura aqui no nosso município foi uma história que começou desacreditada. Começamos em 88, eu e meus dois irmãos, e, de lá para cá, buscamos uma nova forma de vida”, contextualiza.
O produtor conta que as dificuldades no início eram muitas: “Não tínhamos televisão e nem ninguém para nos instruir na época, muito menos investimento do governo. Tivemos muita dificuldade. Documentação antigamente também era uma luta”, relembra.
Vencer os desafios tem valido a pena, segundo Márcio. “Muita gente falava que a gente era doido, porque ninguém conhecia peixes ornamentais, mas Deus nos abençoou e nós chegamos aqui”. Hoje, a região conta com mais de 200 famílias produtoras, além de cinco distribuidoras no município, o que é motivo de orgulho para os irmãos Onibene. “Graças a Deus melhoramos a renda familiar de todos os vizinhos e do município. E hoje somos o maior polo de peixe ornamental do Brasil. E ainda mandamos para o exterior!”, celebra. A produção de peixes ornamentais exige menos espaço e esforço comparada a culturas tradicionais como o café ou a pecuária. Com apenas 1.000 m² é possível estabelecer uma criação viável de peixes, um contraste significativo com a área necessária para a produção de café, por exemplo. Além disso, o manejo dos peixes requer menos esforço do que a manutenção de um rebanho de bovinos de leite.
Ainda de acordo com o levantamento do IF Muriaé, a média geral de áreas de cultivo piscicultor é de 0,64 a 1,63 hectare, das quais as cidades de Vieiras e Eugenópolis apresentam os maiores tamanhos. Dentre as instalações necessárias para a criação, as mais utilizadas são estufa, tanque escavado e tanque revestido. No entanto, peixes como o betta – que levaram a Patrocínio do Muriaé o título de capital nacional do peixe betta, com 43% da produção local sendo da espécie – precisam ser criados em garrafas pet separadas para evitar conflitos entre os animais, uma vez que são conhecidos pela agressividade.
NEGÓCIOS EM FAMÍLIA
Hoje, com uma equipe de 10 pessoas, Márcio acredita que a empresa funciona por ser um grupo familiar de funcionários. “Com o passar do tempo, a nossa empresa se dividiu em três, quando os nossos filhos cresceram. Hoje temos três pisciculturas em uma, e todo mundo envolvido é praticamente família. Na minha, trabalham comigo meus filhos, minha esposa nas horas vagas, e juntando todo mundo dá 10 pessoas. A mesma coisa nas empresas dos meus irmãos”.
“Melhorou muito a vida da comunidade”, comemora Márcio. “Hoje, cada um já tem a sua morada, a sua própria televisão”. Ele conta que, um empreendimento que começou em três pessoas, agora tem mais de 200 famílias com as vidas transformadas graças à piscicultura ornamental.
Na região mineira, a produção de peixes é realizada, em sua maioria, por núcleos familiares. A pesquisa do IF Muriaé mostrou que cerca de 68% da mão de obra empregada no cultivo de peixes ornamentais é composta pelos próprios membros das famílias que começaram as produções.
Dentre eles, 14% são meeiros, ou seja, pessoas diretamente relacionadas na família, ao passo que 10% são funcionários externos, que não têm carteira assinada, e 8% também externos, porém com carteira com registro. De todos os envolvidos nas produções, apenas 4% possuem carteira de trabalho assinada.
DESAFIOS E GARGALOS
A produção de peixes ornamentais é transformadora nas comunidades, mas enfrenta dificuldades. Para Márcio, o investimento do governo é o que falta para melhorias: “Ainda continua difícil, porque você vai lá para tirar um dinheiro que são cobrados 10 avalistas, o que foge da alçada da gente”. Ele sugere que o Governo Federal incentive os produtores com investimentos com juros.
Em 2012, o produtor e um grupo de outros produtores de peixes ornamentais da região fundaram uma associação intermunicipal, que os ajudou a compreender melhor as leis e as obrigações do produtor rural. “Nós nem conseguíamos trabalhar, éramos multados pelo Ibama o tempo todo. Precisávamos de ajuda, e foi aí que o deputado Reginaldo Lopes entrou e conseguimos nos erguer”.
Esse movimento também alavancou a produção local de peixes ornamentais. “Na época, conseguimos um milhão, dividido para 100 pessoas, graças ao prefeito Waldinei Chicareli, que hoje é meu vice na associação”. Ele conta que o investimento possibilitou uma transformação na região, que trouxe atenção de autoridades para a produção e, com isso, a população pôde ter mais conhecimento acerca da piscicultura.
Segundo o produtor, autoridades do IMA, IBAMA e Ministério da Agricultura os visitaram recentemente. “Queremos encontrar uma forma que nos liberem mais recursos, para investimento, e para alavancarmos no Brasil todo”, conta. Ele diz que os equipamentos necessários são caros, além da infraestrutura necessária, que inclui tanques, tubulações, lonas e acessórios para escaneamento, o que se faz necessário com investimento governamental.
A Secretaria de estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa) e suas vinculadas (Emater-MG, Epamig e Instituto Mineiro de Agropecuária – IMA) têm programas de suporte técnico e capacitação para os piscicultores da região, além de apoiar eventos e promover projetos de pesquisa e inovação no campo da piscicultura. A comunidade de São Francisco da Glória aprova a iniciativa. “Agora, a gente já sabe o que é que pra gente fazer, e temos assistência técnica e facilidade com a documentação. Antigamente não tinha isso, era uma luta”, aponta Márcio Onibene.
Ainda, conquistas da aquicultura da região foram a promulgação da Lei 22111/2016, que regulamenta a produção e comercialização de peixes ornamentais, além da criação do Guia de Trânsito Animal (GTA) pelo IMA, que assegura o transporte seguro desses animais.
DOS CRIADOUROS PARA CASA
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (ABINPET), Minas Gerais conta com 2 milhões de peixes ornamentais como animais de estimação, sendo o quarto animal de estimação mais populoso, seguindo as aves canoras, que estão em 4,49 milhões; gatos, com uma população de 4,67 milhões, e a maior população entre os pets, que tem 7,96 milhões de cães, o que faz do estado lar de 18 milhões de pets – ou 11% da população total de animais de estimação do país.
O aquariófilo e especialista em aquários ornamentais Pedro Gabriel, do estabelecimento de comércio aquático Aquário Show, na capital mineira, explica que, para quem quer ser “pai de pet”, quanto maior o espaço destinado aos animais, melhor: “O maior aquário que couber no seu bolso é o melhor aquário que você pode ter, justamente porque é mais fácil de controlar os parâmetros necessários para manter a saúde dos animais na água e deixar um espaço respeitoso para os peixes”, ensina. Pedro também alerta: a limpeza do aquário é necessária, mas não se deve retirar o peixe ornamental da água completamente. “A gente não troca a água do aquário por completo. Geralmente é entre 30% e 50% de água do aquário que a gente troca por semana, utilizando a água da própria rede e produtos para condicionar essa água para os animais, para remover cloro, metais pesados e detritos orgânicos”, finaliza. n
*Estagiária sob supervisãodo subeditor Rafael Rocha