Junia Oliveira
Especial para o EM
Paris – Na capital francesa, onde desde meados do mês passado brasileiros batalham por medalhas e reconhecimento nos Jogos Olímpicos, um outro representante do país desembarcou mineiramente um pouco antes, para também participar de uma prova de fogo. Nesse caso, no campo da gastronomia, no qual a França sempre foi craque. Bem conhecido nas Gerais e agora em busca de consagração também internacional, ele está na mesa de todo mineiro. E, quem, ao visitar um parente ou amigo longe das montanhas mineiras, nunca recebeu a encomenda para levar um queijo Minas na bagagem?
Pois essa joia da gastronomia de Minas já se encaminha para ir bem mais longe. Depois de as regulamentações sanitárias darem sinal verde para venda do produto tradicional em outros estados brasileiros, o queijo Minas artesanal está de malas prontas para o mercado internacional. E isso no momento em que a iguaria está a um passo do reconhecimento como patrimônio pela Unesco.
Com alguns países já no radar, o desafio agora é treinar os produtores para negociar com estrangeiros. Uma das etapas dessa maratona ocorreu em Paris, onde cerca de um mês antes do evento mais badalado do ano, a Olimpíada, três fazendeiros mostraram a convidados de várias partes do mundo não apenas um produto, mas a cultura e a identidade de um povo.
Pronto para novos voos
“Nosso queijo é um produto pronto para exportação”, afirmou o vice-governador mineiro, Mateus Simões, ao Estado de Minas, durante a Ação Cultural Minas em Paris, na Embaixada do Brasil na França. “Hoje temos uma regra sanitária que nos permite exportar o queijo Minas artesanal. Editamos, recentemente, uma norma sobre o queijo Minas de casca florida, que é o mofado, um produto de valor agregado muito maior – pelo menos 40% acima do comum”, explicou Simões. “Estamos prontos para internacionalizar o queijo Minas, com esses controles sanitários que são mais rigorosos que os de quase qualquer outro país. Com um queijo que tem a nossa cara”, acrescentou.
O vice-governador destacou que outro ponto forte para o mercado estrangeiro é o fato de os queijos mineiros não terem semelhança entre si, o que expande o leque de oferta no quesito sabor. “O nosso queijo é o nosso queijo, ele tem a cara do nosso território. A gente pega o Serro mais antigo, o Canastra mais jovem, eles não têm semelhança”, disse. “Fizemos o dever de casa dentro do estado, então, hoje, não temos problema sanitário, problema tributário, superamos o problema logístico de conservação do queijo. Estamos prontos pra pôr a mala debaixo do braço e começar a mostrar o queijo”, garantiu.
O evento na França, pátria do queijo, foi mais uma etapa dessa largada. Coube a produtores de três regiões do estado – Serro, Canastra e Cerrado – com suporte do governo de Minas, apresentar o queijo artesanal mineiro não apenas como um produto. Eles ressaltaram também a importância econômica e cultural da iguaria, com objetivo de fortalecer a candidatura que poderá inscrever os modos de fazer o queijo Minas artesanal como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
“Temos levado o queijo em todas as feiras internacionais de que a gente participa, sejam de desenvolvimento econômico, sejam de turismo. O que a gente tinha de fazer para preparar o produto para exportação foi feito. Agora temos que apresentá-lo ao mercado. Já somos um produto de nicho em alguns mercados, temos que conseguir estar mais presentes”, ressaltou Mateus Simões.
“O gorgonzola italiano, o gruyere suíço e o camembert francês se internacionalizaram numa velocidade fantástica nos últimos 50 anos. Eu quero antes disso, não quero esperar 50 anos. E este ano temos um evento importante para consolidar essa oportunidade, que é o fato de a candidatura do modo de produção do queijo Minas estar sendo analisada pela Unesco para reconhecimento como patrimônio da humanidade.”
Da sociologia para a fazenda
Presidente da Associação dos Produtores de Queijo do Cerrado (Aprocer), Cida Machado largou o trabalho de 25 anos como socióloga para, há oito, fazer renascer a fazenda dos pais. Na embaixada do Brasil na França, ela e os colegas souberam colocar o queijo artesanal mineiro em evidência, não só na mesa de degustação, mas também nas conversas.
Para ela, levar o queijo de Minas para fora do Brasil é mais um passo na busca pela valorização, resgate cultural e continuidade de uma tradição. “É mais uma força para reafirmar a consciência de que se trata de mais do que um produto. Tem a ver com o nosso jeito de ser mineiro, a culinária, as relações familiares e com o vínculo local do qual ele faz parte”, afirmou.
Foi em inglês que o gerente-executivo da Associação dos Produtores de Queijo da Canastra (Aprocan), Higor Freitas, jogou luz sobre essa tradição mineira. “Neste evento, queremos apresentar a qualidade do queijo mineiro para o mundo, mostrar que o Brasil tem produtos especiais que competem com queijos franceses e suíços e dar mais um passo para conquistar esse reconhecimento tão importante para nós”, destacou.
Para Higor Freitas, a possibilidade de os modos de fazer o queijo Minas artesanal se tornarem patrimônio imaterial da humanidade é uma forma de incentivo aos produtores e de valorizar a cultura e a gastronomia. A expectativa é de que esse reconhecimento fortaleça ainda mais o trabalho nas regiões, para que as famílias se mantenham no campo e os negócios passem de geração em geração.
Após a largada, uma maratona
A largada foi dada, mas no caminho alguns detalhes ainda precisam ser acertados. Para a exportação, além de passar por todas as etapas sanitárias, o produtor tem que ser vinculado ao Ministério da Agricultura. Organização financeira e detalhes alfandegários também fazem parte do pacote, como explica o superintendente de Abastecimento Alimentar e Cooperativismo da Secretaria de Agricultura e Pecuária, Gilson Sales.
Ele acrescenta que a comercialização depende ainda da legislação do país estrangeiro. “O país tem que estar aberto ao mercado de lácteos, não se trata só do queijo. Já fizemos algumas missões e uma efetiva no Peru, que tem abertura de lácteos ao mercado brasileiro.”
E o reforço pode vir da Unesco
Em dezembro, o Comitê Intergovernamental da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial se reúne em Assunção, no Paraguai, para avaliar e deliberar sobre as indicações de diversos países para entrar na lista do Patrimônio Cultural da Humanidade.
E, se o queijo Minas está em campanha, para conseguir votos nada melhor do que a palavra de quem produz para falar com conhecimento de causa. Nessa maratona, os produtores das variedades do Serro, Canastra e Cerrado mostraram a 50 convidados, entre eles conselheiros da Unesco, o peso dessa tradição, durante a Ação Cultural Minas em Paris, na Embaixada do Brasil na França.
O secretário de estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, ressaltou que a inscrição como patrimônio da humanidade é a consolidação de um processo identitário do qual Minas Gerais faz parte. “Essa ação em Paris tem por objetivo mostrar a importância e a preservação por séculos de um modo de vida muito nosso”, salientou. “O modo de fazer o queijo é elemento de coesão da nossa cultura e, para o turismo, um reconhecimento em nível mundial é a possibilidade de o mundo querer compreender esse modo só nosso.”
A candidatura junto à Unesco contempla 10 regiões que têm modo semelhante de produção do queijo: Araxá, Canastra, Cerrado, Campo das Vertentes, Diamantina, Entre Serras do Caraça à Piedade, Serras do Ibitipoca, Serra do Salitre, Serro e Triângulo Mineiro. Os modos de fazer dizem respeito a uma tradição secular: são mais de 300 anos fazendo queijo com leite de vaca cru, pingo (soro do queijo do dia anterior usado no dia seguinte) e sal. Nessa receita tem ainda o tempo de maturação, que traz sabor especial e valor agregado.
Orgulho de família que ganha o mundo
Da quarta geração produzindo desse modo tradicional, Lindomar Santana dos Santos, da Associação de Produtores de Queijo do Serro (Apacs), faz questão desse detalhe. Com o registro recente do selo de Indicação Geográfica Protegida e o queijo de casca florida (com fungos) autorizado, ele espera servir aos paladares estrangeiros a tradição mineira. “São mais de 300 anos com a mesma receita. Os produtores ficam muito satisfeitos de saber que o queijo deles está sendo valorizado na fazenda, na cidade, em Minas Gerais e mundialmente.”
Se em terra mineiras o orgulho é grande, em terras francesas a missão dos fazendeiros foi aprovada. O conselheiro da Unesco no setor de Cultura, Bruno Miranda Zétola, disse que a ação conseguiu chamar atenção para o fundamental: o modo de fazer o queijo. “O componente mais importante de toda a ação foi ter trazido os detentores culturais do saber imaterial a Paris, para que eles entendam melhor o processo de patrimonialização e que para a comunidade da Unesco possa se assegurar que o foco da candidatura não é um produto, mas sim um conhecimento tradicional, em grande parte um distintivo cultural dessa comunidade.”
O produtor é a estrela
O vice-governador mineiro Mateus Simões afirma que o desafio no momento é habituar produtores de queijo Minas Artesanal ao comércio internacional. “Já temos espaço em que poderíamos estar com o nosso queijo mais presente, mas eles têm que se sentir seguros, pois obviamente o mercado internacional é muito diferente. Por isso, a gente nunca vem trazendo os queijos, mas trazendo os produtores. Eles trazem os queijos da região, porque têm de sentir confortáveis, pois esse é um processo que eles vão conduzir.
Para aumentar a lista de medalhas
O secretário de estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, lembrou que, no Brasil, Minas concentra o maior número de bens tombados como patrimônios culturais da humanidade ela Unesco. São eles: a cidade histórica de Ouro Preto; o Santuário Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas; o Centro Histórico de Diamantina; e mais recentemente o Conjunto Arquitetônico Moderno da Pampulha, em Belo Horizonte. A tradição do queijo Minas artesanal pode aumentar essa lista.