o número de abelhas na natureza diminuiu muito. OS habitats naturais foram substituídos por prédios e casas no meio urbano -  (crédito: Alessandro Oliveira/Divulgação)

o número de abelhas na natureza diminuiu muito. OS habitats naturais foram substituídos por prédios e casas no meio urbano

crédito: Alessandro Oliveira/Divulgação


Com mais de 150 dias sem chuvas, parte do estado de Minas Gerais tem enfrentado uma série de queimadas que têm causado estragos significativos ao meio ambiente. Além dos riscos à saúde humana com a queda da qualidade do ar, animais nativos também enfrentam riscos, como as abelhas sem ferrão.


É o que aponta Alessandro Oliveira, engenheiro ambiental e meliponicultor em Nova Lima, Região Metropolitana de Belo Horizonte. “As abelhas nativas, que costumam viver em árvores ou ocos de muros, acabam sendo muito prejudicadas por essas queimadas. Quando o fogo atinge áreas onde esses enxames estão localizados, muitos deles acabam morrendo, e o impacto é severo”, conta.


Segundo ele, o papel dos criadores de abelhas nativas se destaca não apenas como produtores, mas como conservacionistas. “Hoje, o número de abelhas na natureza diminuiu muito. Os habitats naturais foram substituídos por prédios e casas”, continua Alessandro. “Então, quem cria essas abelhas em casa ou em sítios desempenha um papel crucial na conservação dessas espécies. Esses criadores mantêm a presença das abelhas e ajudam a preservar a biodiversidade ” .A crescente popularidade da meliponicultura, a prática de criar abelhas nativas sem ferrão, reflete essa necessidade. Recentemente, o aumento da visibilidade das práticas de meliponicultura tem sido impulsionado por celebridades e influenciadores. Um exemplo é a cantora Ivete Sangalo e seu marido, que mostraram seu meliponário via vídeo na internet, incentivando muitos a começar a criar abelhas nativas. “Essas ações ajudam a popularizar e legitimar a modalidade”, explica Alessandro. “E é fundamental que mais pessoas conheçam e se engajem nessa prática”.


Economicamente, o mel de abelhas nativas tem se tornado cada vez mais valorizado. OA matéria prima originada sem ferrão pode ser vendida por valores que variam de R$ 100 a R$ 150 por quilograma, enquanto o mel produzido por abelhas africanas, mais comum, custa cerca de R$ 40 por quilograma.

 

Facilidade no manejo


A criação de abelhas nativas pode parecer uma tarefa complexa para quem não está familiarizado com o processo, mas Alessandro, meliponicultor por hobby, revela que o manejo dessas abelhas pode ser mais acessível e gratificante do que se imagina.


Para ele, uma vantagem da criação dessas espécies é a facilidade de interação e manejo: “Elas vivem no mundo delas, extremamente organizadas,” afirma. “Eu realmente sinto que elas já conhecem o meu cheiro. Cada ser humano tem um cheiro, e eu acho que elas se acostumaram ao meu”.

 

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Ele observa que suas abelhas são muito tranquilas com ele, o que facilita o manejo diário. “Eu só faço o bem para elas, e elas reagem de forma muito calma,” explica Alessandro. Em seu meliponário, que começou com dois enxames em 2017 e neste ano conta com 45, o engenheiro cria abelhas das espécies Mandaçaias, Guaraipos Bicolor, Uruçus Amarelas, Manduris, Irais, Jatais, Plebeias, Mirins e Mandaguaris.


Alexandre Ferreira Righi, biólogo do Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais, explica que a roupa é mais indicada para espécies mais defensivas: “Apesar de não proporcionarem algum perigo, elas podem morder, o que pode ser bastante incômodo no manejo dos ninhos. Adicionalmente, o número de indivíduos em cada colmeia é bem menor do que nas colméias das abelhas africanizadas”.


“Na prática, elas podem ter mais dificuldade de produzir mel, que é a reserva energética delas e, devido a isso, pode ser necessário fornecer a elas um solução açucarada. Essa ajuda é especialmente importante em ambiente urbano, nos meses com menos disponibilidade de flores e também quando o mel é extraído para consumo humano”, explica o biólogo.


Uma das grandes vantagens da meliponicultura, segundo Alessandro, é a simplicidade do manejo. “Algumas espécies que eu já tive precisavam apenas de uma tela no rosto, porque o incômodo de abelhas pequenas entrando no nariz e no cabelo era grande,” diz ele. “Essas abelhas perturbavam um pouco quando você estava andando no jardim.”


No entanto, ele menciona que atualmente cuida de uma espécie muito tranquila que permite um manejo ainda mais simples. “Com essas abelhas, eu abro a caixa sem luvas e sem nenhum aparato de proteção. Elas são muito calmas e não causam nenhum problema,” afirma Alessandro. Dessa maneira, a condução é mais direta e menos exigente em termos de equipamentos de proteção.

 

No meliponário, que começou com dois enxames em 2017 e já tem 45, alessandro cria abelhas variadas, como essas Mandaçaias

No meliponário, que começou com dois enxames em 2017 e já tem 45, alessandro cria abelhas variadas, como essas Mandaçaias

Alessandro Oliveira/Divulgação

 

Encantamento ‘raiz’

 

O trabalho das abelhas nativas é admirável para Alessandro. “Elas são extremamente trabalhadoras. Saem cedo, às 6 horas da manhã, para procurar flores e realizar a polinização,” observa. Ele ressalta a importância das abelhas na produção de alimentos, mencionando que “sem as abelhas, não teríamos muitos dos alimentos que consumimos hoje”. Ele explica que a natureza é perfeitamente adaptada para garantir a polinização eficiente de diferentes tipos de flores e frutos. “Cada tipo de flor tem seu polinizador específico, e as abelhas desempenham um papel fundamental nesse processo,” afirma.

 

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Alessandro também destaca a simplicidade do manejo das abelhas nativas. “Cada colmeia tem seu comportamento único. Algumas abelhas são mais rápidas, outras mais lentas. Algumas se escondem, enquanto outras saem para defender o território,” ele descreve. Esse comportamento diversificado é um aspecto que ele acha particularmente fascinante e divertido.


Além disso, Alessandro menciona que a criação de abelhas nativas não exige necessariamente uma área extensa de mata. “Eu moro em Nova Lima, em um condomínio próximo a uma mata, o que facilita muito a criação,” diz ele. “Mas conheço criadores que mantêm caixas de abelha no centro de Belo Horizonte e até em apartamentos no Rio de Janeiro. Não é preciso ter um grande espaço verde para começar a criar abelhas nativas”.


Ele também compartilha que seu ambiente urbano é enriquecido com flores e frutíferas para apoiar suas abelhas. “Planto muitas flores e frutíferas em casa para ajudar na alimentação das minhas colmeias. Isso também incentiva os vizinhos a fazerem o mesmo,” afirma Alessandro. Ele demonstra que, com um pouco de dedicação e adaptação, qualquer pessoa pode se envolver na meliponicultura e contribuir para a conservação das abelhas.

 

CRIAÇÃO DE ABELHAS NATIVAS

CRIAÇÃO DE ABELHAS NATIVAS

Alessandro Oliveira/Divulgação


Jurisdição em Minas Gerais


No entanto, Alessandro também enfrenta desafios relacionados à regulamentação da meliponicultura em Minas Gerais. O cultivo da espécie sem ferrão ainda carece de uma regulamentação estadual específica. Para o deputado estadual Charles Santos (Republicanos), a situação pode ser entendida como uma carência: “O cultivo destas abelhas carece de regulamentação no estado. Atualmente, não há uma legislação específica para a criação, transporte e comercialização”. Ele acrescenta que, embora a comercialização desse tipo de mel tenha um valor agregado significativo, “os apicultores estão preocupados com a falta de regulamentação que garanta a eles suporte e segurança jurídica.”


O deputado é autor de proposição relacionada à regularização do transporte e comercialização de abelhas nativas em Minas Gerais, anexada ao Projeto de Lei (PL) 2477/2021, de autoria do deputado Antonio Carlos Arantes (PSB). Atualmente, o PL se encontra em apreciação na Comissão de Agropecuária e Agroindústria, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).


Ao Estado de Minas, o deputado menciona que, em uma reunião com produtores do norte de Minas, foi identificada a necessidade de uma legislação mais robusta para o setor. “Estive em Bocaiúva e conheci produtores que me apresentaram suas demandas. Provei o mel da abelha sem ferrão e percebi a necessidade de uma regulamentação adequada” relata. “A falta de conhecimento e a falta de uma lei específica geram insegurança para os produtores”.


Atualmente, há um PL (Projeto de Lei) em tramitação que visa regulamentar o transporte e a criação de abelhas sem ferrão dentro do estado. “Esse projeto prevê a regulamentação para o transporte e a criação de colônias de abelhas sem ferrão, respeitando a legislação vigente,” explica o deputado. “A proposta visa fomentar a produção e melhorar as condições para os produtores”.

 


Charles também destaca a importância econômica do mel de abelha sem ferrão: “O investimento nesse setor pode beneficiar a economia do estado, pois garante que os produtores possam comercializar seus produtos com a segurança de uma regulamentação. Isso traz tranquilidade para a produção, transporte e comercialização”.


Apoio Institucional e Expansão


A Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa) desempenha o papel de dar suporte à meliponicultura. A Seapa promove políticas públicas e oferece orientação aos produtores sobre o cadastro em órgãos competentes, como o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e o Ibama. Além disso, a Seapa, por meio da Emater-MG, distribui kits de apicultura para fortalecer a cadeia produtiva de mel. Entre 2019 e 2023, foram fornecidas 2.785 colmeias completas, ajudando a melhorar a oferta de produtos apícolas e promovendo o desenvolvimento econômico local.


Minas Gerais tem visto um aumento no número de meliponários, com 446 cadastros atualmente, segundo o IMA. Os municípios com maior número de cadastros são Sem-Peixe e Aimorés, e as maiores concentrações estão na Região Central, Sul de Minas e Zona da Mata.


O Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais também contribui para a promoção da meliponicultura com seu meliponário, criado em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte. Alexandre Ferreira Righi, biólogo do Museu, explica que o meliponário faz parte do projeto Poliniza BH e conta com 13 colmeias de seis espécies diferentes, além de outras nove em uma trilha e mais espaços do Museu. “O projeto ainda está em desenvolvimento, com planos para expandir, oferecer oficinas e realizar pesquisas”, explica Alexandre.

 

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Com o apoio institucional e o crescente interesse por produtos apícolas nativos, a meliponicultura está se tornando cada vez mais relevante. Além de promover práticas sustentáveis, a criação de abelhas nativas contribui para a economia local e a conservação da biodiversidade em Minas Gerais.


*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Oliveira