Na Fazenda Santa Maria, em Campo Florido, no Triângulo Mineiro, as perdas na lavoura vão além da área queimada -  (crédito: Thiago Rocha Xavier/Arquivo pessoal)

Na Fazenda Santa Maria, em Campo Florido, no Triângulo Mineiro, as perdas na lavoura vão além da área queimada

crédito: Thiago Rocha Xavier/Arquivo pessoal

O Corpo de Bombeiros registrou 24.475 ocorrências de incêndio em Minas Gerais de janeiro a 18 de setembro. Somente os quantitativos em julho e agosto, com 4.539 e 6.102 registros, respectivamente, representam 43,47% do total.

 

No mês passado, na Região Central e no Sul do estado, além da Zona da Mata, ocorrências pontuais foram registradas – ao contrário do Triângulo Mineiro, que concentrou a maior parte dos focos de incêndio. Nessa toada, os produtores de cana dessa região devem amargar ao menos R$ 180 milhões em prejuízos decorrentes, também, da longa estiagem.

 

 

Levantamento da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater–MG) contabilizou 84.483 hectares queimados em áreas rurais – somente no mês passado – distribuídos da seguinte forma: pastagens (34,1%), matas nativas (29,3%), cana-de-açúcar (27,9%), florestas plantadas (4%), plantas forrageiras perenes (0,8%), agro extrativismo (0,7%) e outras culturas (2,7%). Em relação à cana, pouco mais de 23,5 mil hectares foram consumidos pelo fogo, o equivalente a 2,76% da área plantada com a cultura no estado. Questionada em relação ao impacto nas culturas do agronegócio de produtores atendidos pela empresa, a assessoria da Emater disse que o levantamento ainda está em produção em 32 regionais.

 

 

Segundo a Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig), aproximadamente 45 mil hectares de plantações de cana já pegaram fogo, entre a segunda quinzena de julho e a primeira semana de setembro, apenas na região do Triângulo Mineiro, responsável por 78% da produção de cana-de-açúcar em Minas, que é o segundo maior estado produtor dessa cultura no país. Do quantitativo informado, 30 mil hectares eram de cana a ser colhida.

 

 

O setor estima prejuízo inicial de R$ 180 milhões no segmento de bioenergia. “É muito provável que esse número seja muito maior. Isso porque em muitas dessas áreas onde ocorreram os incêndios vamos ter que fazer o replantio, que custa algo entre R$ 13 mil e R$ 14 mil por hectare. Nós já tínhamos feito aplicações de herbicidas e fertilizantes nas áreas onde as palhadas foram queimadas. Então, perdemos todo esse investimento e vamos ter que repetir o processo”, explica o presidente da Siamig bioenergia, Mário Campos, ponderando que ainda não é possível quantificar os prejuízos para o consumidor.

 

 

“A perspectiva para a próxima safra é de redução na produção no estado, o que leva à diminuição da produção de açúcar e etanol. Em relação ao preço, ainda não é possível fazer uma projeção. Temos que esperar para ver como o mercado vai reagir”, conclui.

 

Perda no solo

Proprietário da Fazenda Santa Maria em Campo Florido, no Triângulo Mineiro, o produtor Thiago Rocha Xavier é uma das vítimas e amarga prejuízos decorrentes do boom nos incêndios. “O fogo nos últimos dias atingiu aproximadamente 180 hectares de palhada e 80 hectares de canavial em pé na minha propriedade. Então, após mais de 150 dias sem chuva, os canaviais de fim de safra não vão atingir a produtividade esperada, com redução entre 10% e 15%”, conta Thiago, que emprega 38 colaboradores em sua fazenda e escoa a produção para uma usina de beneficiamento na própria cidade. A propriedade dele conta com 1.048 hectares destinados à cana-de-açúcar e outros 240 hectares para cereais.

 

“No entanto, há outros prejuízos, que, por enquanto, não consigo estimar, como a perda da proteção do solo, junto com a matéria orgânica e outros microrganismos, benéficos para essa cultura, deixados pelas palhas. Além disso, entre outros pontos, há a eliminação de insetos fundamentais para o controle natural de pragas, sem falar dos impactos ao meio ambiente”, completa.

 

A Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg) apontou na última sexta-feira uma provável queda de 23% na safra de café do tipo arábica em 2024 no estado depois de realizar uma pesquisa com 1.706 produtores assistidos por um programa de assistência do órgão. No entanto, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) disse na quinta-feira (19/9) que Minas Gerais será responsável pela colheita de 27,69 milhões de sacas desta espécie, conferindo redução de 3,4% em comparação ao total colhido na safra anterior. “Esta redução se deve às estiagens, acompanhadas por altas temperaturas durante o ciclo reprodutivo das lavouras e agravadas a partir de abril, quando as chuvas praticamente cessaram em todo o estado”, afirma a Conab.

 

As lavouras de café foram afetadas pela elevação da temperatura, com queda na produção em Minas Gerais

As lavouras de café foram afetadas pela elevação da temperatura, com queda na produção em Minas Gerais

Montesanto Tavares/Divulgação – 22/7/20

 

Ao todo, com 96% da área do café já colhida no fim de agosto, a safra brasileira em 2024 do grão está estimada em 54,79 milhões de sacas beneficiadas, o que representa queda de 0,5% se comparada com a produção obtida em 2023. A Conab aponta que “as condições climáticas adversas, como estiagens, chuvas esparsas e mal distribuídas, junto com altas temperaturas durante as fases de desenvolvimento dos frutos, reduziram a produtividade”.

 

Líder mundial na produção e exportação de café, o país destina, em média, 60% do total a cada ano para outros países, segundo estimativa da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). Minas Gerais é responsável, em média, por metade da produção nacional.

 

Reflexos no agronegócio

Sob a influência do fenômeno El Niño, o Brasil deverá enfrentar picos de calor extremo. O fenômeno associado ao aumento das temperaturas médias globais provoca efeitos climáticos adversos, como a intensificação dessas ondas e a redução severa das chuvas em algumas regiões. Com isso, segundo previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a temperatura média em muitas cidades pode aumentar em até 1,5°C acima do normal no decorrer do último trimestre deste ano.

 

O engenheiro agrônomo Renato Menezes explica que as altas temperaturas podem levar ao superaquecimento do tecido vegetal das plantas. “Isso pode acontecer mesmo quando elas recebem a quantidade ideal de água durante o ciclo produtivo. Esse estresse térmico impacta no crescimento, desenvolvimento e na capacidade produtiva, prejudicando tanto a qualidade, quanto a produtividade das culturas”, afirma.

 

Caso as mudanças climáticas avancem no ritmo atual, o Brasil poderá perder até 11% de sua produção agrícola até 2050, revela o especialista. “O estresse térmico provoca danos às membranas celulares das plantas e reduz seu potencial fotossintético, afetando diretamente a capacidade de produção delas. Na cana-de-açúcar, por exemplo, isso se traduz em menor acúmulo de açúcares no colmo e, por consequência, gera uma redução no rendimento durante o pós-processamento”, acrescenta Menezes, enfatizando que, em relação aos grãos, como a soja e o milho, o calor em excesso interfere na fecundação das flores e na formação dos grãos.

 

Os impactos recaem também sobre as frutas. Segundo dados da Associação Brasileira de Produtores de Frutas (Abrafrutas), as perdas na produção de uvas e maçãs no Sul do Brasil por causa das temperaturas extremas foram de cerca de 20% em 2023. “Nas frutíferas, o cenário é igualmente preocupante. O calor elevado reduz a produtividade, prejudica a resistência ao transporte, encurta o tempo de prateleira e altera o sabor dos frutos, não atendendo às exigências do mercado consumidor”, finaliza Menezes.

 

Linha de crédito

No último dia 12, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, anunciou o acesso ao crédito do Plano Safra 2024/2025, por meio do Programa de Financiamento de Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis (RenovAgro). A medida basicamente é voltada para produtores atingidos pelas queimadas em vários estados, com destaque para as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Norte do país. Basicamente, o RenovAgro financia investimentos da agricultura de baixo carbono.

 

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil registrou quase 70 mil focos de queimadas somente em agosto. Para esta safra, foram disponibilizados R$ 7,6 bilhões, dos quais R$ 1,2 bilhão já foi contratado e liberado aos produtores rurais. O Governo Federal autorizou que os R$ 6,5 bilhões restantes sejam utilizados por aqueles afetados pelas queimadas.

 

Para Aline Veloso, assessora técnica do Sistema Faemg Senar, o crédito rural anunciado pelo governo pode acabar trazendo dificuldades financeiras aos produtores no futuro. “Embora a medida possa ser uma alternativa, a grande questão é que a taxa de juros não é factível com a situação tão delicada enfrentada pelos produtores”, avalia.

 

O RenovAgro compreende três linhas no Plano Safra: recuperação de áreas degradadas (RenovAgro Recuperação), restauração florestal (RenovAgro Ambiental) e demais práticas, como agricultura regenerativa. No Plano Safra, cada beneficiário poderá solicitar até R$ 5 milhões. A carência máxima é de oito anos. Os juros dos intitulados RenovAgro Recuperação e RenovAgro Ambiental são de 7% ao ano. Para o RenovAgro, o percentual é de 8,5%. A dívida deverá ser paga em até 12 anos.