Ao chegar ao seu cinquentenário, completado neste ano, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) enfrenta um desafio global em sua missão de desenvolver tecnologias para potencializar os resultados do trabalho no campo: o enfrentamento às mudanças climáticas. Para encará-lo, a instituição precisa superar obstáculos, como o quadro reduzido de funcionários, mas conta agora com nova legislação que garante fonte fixa de financiamento para desenvolver seus trabalhos e inovações, como a que vem permitindo que Minas se torne conhecida também por produtos como vinhos finos.

 

Para garantir esse trabalho, a presidente da Epamig, Nilda Soares, explica que um dos principais focos de pesquisa atuais e nos próximos anos estão relacionados a formas de lidar com as mudanças do clima, determinantes para a agricultura. Ela explica que a investigação científica é essencial para prevenir, mitigar e lidar com o cenário. “É preciso que a gente pesquise e contribua para que a mudança climática, em especial, seja a menor possível, uma mudança com a qual a gente possa viver. O mundo carece dessas informações”, afirma.

 


“A agricultura é aquela área da economia que é feita a céu aberto, nós não temos um telhado para a proteção do Sol ou para nos proteger da chuva de granizo. Então, os desafios da agricultura, da pecuária são muito grandes”, destaca Nilda Soares. “Precisamos estar cada vez mais preparados para esses desafios que ocorrem todos os dias na vida de um agricultor e uma agricultora.”
Para ajudar o agro a lidar com desafios do tipo, a instituição mantém linhas de pesquisa estruturadas em 10 programas: agroecologia; bovinocultura; cafeicultura; flores, hortaliças e plantas medicinais; fruticultura; grãos; leite e derivados; olivicultura; recursos hídricos, ambientais e piscicultura; e vitivinicultura. Além disso, conta com um Programa Especial em Biotecnologia.

 


Entre a lavoura e as pesquisas

 

Para realizar experimentos e desenvolver pesquisas, a Epamig conta com uma estrutura de cinco unidades descentralizadas e 22 campos experimentais. Além disso, mantém dois institutos de ensino superior: o Instituto de Laticínios Cândido Tostes (Epamig-ILCT), localizado em Juiz de Fora, na Zona da Mata, e o Instituto Tecnológico de Agropecuária de Pitangui (Epamig Itap), na Região Centro-Oeste de Minas.

 


Mais antigo que a própria Epamig, o instituto de Juiz de Fora completa 90 anos em 2025. O Itap em Pitangui se destaca por oferecer um curso superior pioneiro no país em Tecnologia de Agropecuária de Precisão. A presidente da Epamig, Nilda Soares, ressalta que o diferencial para os alunos dos dois institutos é a experiência prática na pesquisa agropecuária.

 


“O instituto de Pitangui é uma unidade experimental, uma fazenda, onde os alunos têm a possibilidade de ter contato com todas as áreas da agricultura e da pecuária, e o de Juiz de Fora é também uma área grande, com várias edificações dentro da cidade e com um braço em Leopoldina, onde os nossos alunos têm aulas práticas, na parte de produção do leite”, detalha a dirigente.

 


“Isso é muito bom, porque o aluno tem oportunidade de aprender fazendo, mas, ao mesmo tempo, também tem a ideia de como é a parte da pesquisa. São vários laboratórios dentro dos dois locais, nas suas respectivas áreas, e o aluno tem a oportunidade de fazer uma iniciação científica, de poder ter contato com a pesquisa, na bancada e no campo”, acrescenta.


Mudança do café para o vinho

 

Entre todas as pesquisas desenvolvidas pela Epamig ao longo dos 50 anos de história, a dupla poda da uva é tida como a mais revolucionária. A alternativa para a produção de uvas e vinhos finos em Minas Gerais já era uma demanda, principalmente, do Sul o estado. Mas as questões climáticas dificultavam a produção. Diante desse cenário, o pesquisador Murilo Albuquerque, da Epamig, desenvolveu, em 2002, a técnica com apoio de um produtor de Três Corações que estava interessado em produzir na própria fazenda uma alternativa ao café.

 


Após mais de 20 anos, a técnica ganhou adeptos em Minas, São Paulo, Rio de Janeiro e Goiás. Somente em Minas, a Epamig estima que existam mais de 80 produtores de uvas finas.
A coordenadora do Programa Estadual de Pesquisa em Vitivinicultura da Epamig, Renata Vieira da Mota, explica que o tempo normal de colheita da uva, entre dezembro e janeiro, é característico por ter muitas chuvas e temperaturas altas em grande parte da Região Sudeste. “Entre dezembro e janeiro chove muito e as temperaturas ficam muito altas. Com isso, as uvas finas ficam muito suscetíveis a doenças”, detalha. Segundo ela, o resultado era que a fruta não completava a maturação e apodrecia.
Renata Vieira da Mota ressalta que a oportunidade de testar alternativas para viabilizar a produção da uva fina na região cafeeira de Minas surgiu em uma palestra em que o pesquisador Murilo Albuquerque participou. Lá, teve contato com um produtor de Três Corações, no Sul do estado, que queria testar a produção de uva como uma alternativa ao café. A conversa avançou para uma parceria público-privada que viabilizou a busca de alternativas na propriedade.


“Foi nessa parceria que a produção de uva fina deu certo. Foi feito um projeto de pesquisa para instalar um vinhedo experimental na área dele. O produtor ficou encarregado de cuidar das plantas, na questão de limpeza diária, até mão de obra, e a gente ia lá fazer as avaliações. Assim, conseguimos a primeira colheita no período de inverno. Comparando o resultado de verão com o resultado de inverno, vimos que, realmente, nessa colheita de fim de julho e começo de agosto, a planta era muito mais saudável, os frutos mais sadios, avançava a maturação. Vimos que dava certo”, salienta a coordenadora.


Esforços e premiação


O vinhedo em Três Corações foi instalado em 2002 e a primeira colheita ocorreu em 2005. A técnica desenvolvida pela Epamig consiste na realização de duas podas ao longo do ano para colher uma vez. Como as tentativas deram resultados positivos, a empresa começou a modernizar a vinícola e a melhorar os equipamentos. “A gente teve que desenvolver todo o sistema de frio para o processo de vinificação desses vinhos finos e avançar na tecnologia de vinificação. Com isso, os vinhos foram ficando cada vez melhores e cada vez mais os produtores começaram a buscar informação para ter a própria vinícola”, destaca a coordenadora.


Dezenove anos depois da primeira colheita com a dupla poda em Minas Gerais, novos produtores continuam se interessando pela técnica. Neste ano, a Vinícola Quinta Do Carcará, em Capitólio, no Sul de Minas, se prepara para anunciar a sua segunda safra de vinho para novembro. O engenheiro agrônomo José Magid Waquil, de 75 anos, sócio da vinícola, conta que a ideia de produzir vinhos finos veio em uma reunião de negócios. Na ocasião, o engenheiro teve contato com o rótulo “Maria Maria”, produzido na mesma região de sua fazenda e com uma qualidade que ele considerou excelente.


A primeira safra, lançada ano passado pela vinícola, ganhou medalha de bronze no concurso nacional de vinhos e espumantes da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). “Eu considero essa conquista da Epamig um ícone de sucesso na pesquisa agropecuária, eu diria não só para Minas Gerais, mas para o Brasil como um todo. Nessa região praticamente se produzia vinho de mesa – são vinhos que têm uma aceitação e um mercado forte, mas Minas nunca foi considerada uma região produtora de vinhos finos”, destaca José Magid.


Segundo ele, os produtores estão muito otimistas com relação ao potencial dos vinhos da safra de inverno na região. “Temos a visão de que nessa região de Minas, o Sul de Minas, pegando aqui e indo até Goiás, é que vai se formar um cinturão do vinho, uma região de muita visitação para as pessoas degustarem os vinhos produzidos aqui”, ressalta.

 

CoordenadorA de Pesquisa em Vitivinicultura, Renata Vieira da Mota detalha parceria que plantou parreiras como alternativa ao café

Epamig/Divulgação


Azeite de abacate? Tem, sim senhor


Assim como no caso das uvas finas, muitas das pesquisas desenvolvidas pela Epamig contam com parceria entre agricultores e a empresa. A relação de apoio é mútua, já que muitos produtores contam com a tecnologia e conhecimento da Epamig para desenvolver novas culturas em suas propriedades. Foi o que o correu com o engenheiro agrônomo Carlos Alberto, de 54 anos, dono de sete fazendas na região de São Sebastião do Paraíso, no Sudoeste de Minas, onde produz café e abacate. A princípio, o carro-chefe das fazendas era o grão, mas o fruto e seus derivados passaram a ser a produção principal, com o incremento do azeite de abacate.


A fazenda já produzia o fruto quando decidiu construir uma agroindústria para processá-lo e produzir o azeite, para o qual ainda não havia na propriedade as máquinas ideais. “Eu e meu pai sabíamos que a Epamig, em Maria da Fé, tinha um lagar (estrutura de extração) pequeno para azeite e de oliva. Meu pai, em contato com o pesquisador chamado Adelso, falou que tinha vontade de montar uma indústria de azeite e de abacate. E o Adelso falou que eles também queriam desenvolver essa tecnologia”, relata Carlos Alberto.


“Pegamos uma caminhonete, colhemos abacate, levamos até a unidade e conseguimos extrair o azeite com o equipamento que eles tinham para o azeite e de oliva. E a partir daí, a gente se animou e deu início ao nosso projeto de lagar. Foi um projeto desenvolvido a quatro mãos. A Epamig ajudou bastante, porque eles tinham os equipamentos, tinham o conhecimento, e nós também tínhamos conhecimento e tínhamos a matéria-prima”, detalha.


A construção do lagar começou em 2014 e terminou em 2017. Mas o espaço recebeu autorização da Anvisa para produzir apenas em 2019. De acordo com Carlos Alberto, a pandemia atrapalhou um pouco os primeiros faturamentos anuais da indústria de azeite de abacate. “A gente começou faturando pouco, depois foi aumentando, a gente veio sempre dobrando. Hoje, nosso faturamento está na casa de R$ 2 milhões”, revela o produtor.


Olhar para o futuro


Com meio século de existência, a Epamig se prepara para os desafios dos próximos anos. Hoje, ao menos 150 pesquisadores trabalham no campo e em laboratórios. Ao todo, a empresa possui cerca de 761 colaboradores, o que inclui tratoristas, aprendizes e terceirizados. Para a presidente da Empresa, Nilda Soares, aumentar o quadro de funcionários é um dos principais desafios. “Tivemos um programa de demissão voluntária, e várias pessoas se aposentaram. Então, é natural que o quadro de pessoal tenha diminuído muito. Precisamos de um concurso público, porque não adianta termos os melhores prédios, recursos financeiros, se não tivermos pessoas para executar, para comandar, para pensar o estado em termos de sistema agropecuário”, avalia.


Com orçamento de R$ 166 milhões até agosto deste ano, a Epamig comemora também a aprovação da Lei 24.821, na Assembleia Legislativa, que em junho definiu que 8% dos recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) devem ir para a empresa de pesquisa agropecuária.


Antes, a Epamig se mantinha apenas com lucros próprios. Nilda Soares, destaca que essa mudança é muito positiva para a empresa, já que a Fapemig recebe, por lei, 1% dos recursos estaduais. “Desde 1970, a Epamig é referência no estado nas políticas públicas de agropecuária, mas passou por fases muito difíceis, em que o número de pessoal era muito baixo, os salários não ajudavam e a importância da pesquisa agropecuária não era tão reconhecida”, relata.


A presidente da instituição diz que a situação vem mudando. “A Epamig, por muitos anos, tinha que gerar o próprio investimento. Então, nas unidades experimentais, nas fazendas, tinha que haver a parte de produção forte, para que pudesse gerar o custeio. É importante, sim, que uma empresa tenha geração de recurso próprio, mas a pesquisa, a ciência e a inovação precisam de um suporte de Estado para que possam se manter e não ter baixas”, conclui Nilda Soares.


*Estagiária sob supervisão do editor Roney Garcia


Plantando história

Vinculada à Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), a Epamig foi criada em 1974, a partir do Programa Integrado de Pesquisa Agropecuária do Estado de Minas Gerais (Pipaemg). Foi constituída como empresa pública em maio daquele ano, mas apenas em agosto recebeu a atribuição e o desafio de coordenar a pesquisa agropecuária no âmbito do estado de Minas Gerais.

compartilhe