Com período de colheita em torno de três meses, o marmelo tem a menor área plantada entre as culturas contabilizadas no país -  (crédito: Anísio Gomes/Divulgação)

Com período de colheita em torno de três meses, o marmelo tem a menor área plantada entre as culturas contabilizadas no país

crédito: Anísio Gomes/Divulgação

Tradicional doce de origem portuguesa, a marmelada tem produção familiar em Minas Gerais e é responsável pela manutenção da história no Norte do estado. No entanto, a produção do marmelo enfrenta uma inimiga potencial: a produção e industrialização da goiaba.

 


Em todo o território brasileiro, a cultura marmeleira situa-se em um total de 65 hectares de área, com um rendimento médio de 7.400kg por hectare (ha) ao ano, segundo último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2023. Naquele ano, a arrecadação com a produção foi de R$ 2,165 milhões.

 


Mais da metade dessa área está localizada em São João do Paraíso, no Norte de Minas, localizada a 796 quilômetros de Belo Horizonte e considerada a capital nacional do marmelo. A colheita do fruto rendeu à cidade R$ 972 mil em 2023, segundo a pesquisa.

 

Variação do dólar afeta o orçamento familiar dos brasileiros


A área de marmelocultura é a menor entre as safras contabilizadas no país, seguida da pera, que tem 109 ha de área destinada à colheita; do figo, com 213 ha; e da pimenta-do-reino, que tem 341 ha de área colhida.


Apesar de pouca em quantidade, a produção de marmelo mantém e garante o sustento de muitas famílias. É o caso de Anísio Gomes, de 54 anos, que produz o doce há 15 anos no sítio da família. “Isso veio dos meus pais, dos meus avós, dos meus bisavós. É tradição familiar”, diz.

 

Planejamento financeiro pode aliviar gastos do início do ano


Segundo ele, a plantação ocupa 3 ha de sua propriedade, mas não é a única fonte de sustento dele e dos familiares. A maior parte do terreno, de 50 ha, é usado para criar gado.


“No pique da produção, entre os meses de dezembro e janeiro, fazemos, em média, 2 toneladas de doce por semana. Mas não é o ano todo”, conta o produtor.

 

Desemprego recua a 6,1% e é o menor da histórica no Brasil


Ainda de acordo com levantamento do IBGE, a cidade norte-mineira é responsável por 216 toneladas por ano, produzidas em uma área total de 27 ha de área cultivada, enquanto todo o estado mineiro produz 369 toneladas em 45 hectares.

Coroa passada ao novo
rei da marmelada

De acordo com Anísio, grandes compradores de seus produtos in natura são pequenos produtores do Sul de Minas, principalmente da região de Marmelópolis, na Serra da Mantiqueira. Como diz o nome, o município já foi referência nacional na produção do marmelo, mas deixou o trono de “rei da marmelada” para São João do Paraíso.


Isso aconteceu em razão do baixo investimento ocasionado pela competitividade no mercado com a indústria de outro famoso doce: a goiabada. Enquanto a produção do marmelo se manteve em 369 toneladas em 2023, foram produzidas 17.530 toneladas de goiaba, conforme o IBGE. Nesse período, o fruto do marmeleiro obteve um valor de produção de R$ 1,73 milhões, a do fruto da goiabeira chegou a R$ 48,58 milhões em Minas Gerais.


De acordo com o professor de Fruticultura de Clima Temperado do Departamento de Agricultura da Escola de Ciências Agrárias (Esal), da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Rafael Pio, o problema se dá quando a produção do fruto, independentemente da qualidade, tem um mesmo fim.


Segundo ele, o marmelo tem a peculiaridade de ter maior demanda quando o produto vai no “mesmo bolo”, isto é, quando toda a produção, independentemente da qualidade, é destinada à indústria de processamento. “Além da exclusividade para o processamento, a colheita tem o mesmo fim, fazer doce.”


Segundo Pio, o mercado se prejudica em relação à cultura de outras frutas. “Quando você tem uma fruta que ela tem dupla finalidade, os frutos de melhor qualidade vão para o mercado de fruta fresca porque o preço pago é maior. Aquela fruta que não deu classificação, que tem algum defeito, ela vai para a indústria processadora”, afirma o professor.


Com a UFLA, ele coordenou uma pesquisa de campo no Sul de Minas, englobando os municípios de Marmelópolis, Delfim Moreira, Maria da Fé e Cristina, em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG). De acordo com ele, no caso do marmelo cultivado para produção de doce, tudo que se produz vai para a indústria, o que ocasiona menor remuneração.


“Vão para o processamento frutas bonitas, grandes, com defeito, pequenas, machucadas. Tudo o que se colhe vai para um bolo só”, explica. “À medida que a remuneração é baixa, obviamente o investimento no cultivo também é baixo, o que ocasiona menor produção”, declara o pesquisador.


Apesar disso, é possível a comercialização do marmelo in natura, assim como Anísio faz ao Sul do estado. “Existem poucos produtores que produzem fruta fresca, inclusive um parceiro da Universidade, mas é um mercado bem restrito”, conta Pio.


Industrialização no processo

Outra questão do processo da indústria que afeta a marmelocultura é o armazenamento. Segundo o pesquisador, como o processo de colheita é curto, o produtor que não fabrica o próprio doce vende à indústria o marmelo todo “de uma vez”, geralmente na época de colheita, que dura no máximo três meses.


De acordo com Rafael Pio, é adotada a técnica de armazenamento da polpa no pré-processamento para a produção do “purê de marmelo”. Essa massa é armazenada em latas, com capacidade de 20 litros cada, que podem ser abertas ao longo do ano para a produção do doce.


“Nos anos de alta produção, em que há muito fruto, a indústria processa e utiliza esse estoque de forma gradual, até a safra seguinte. No entanto, se a indústria tem muitas latas armazenadas, acaba comprando menos fruto do produtor, que, por sua vez, passa a enfrentar dificuldades para vender a nova produção”, explica o professor.


A situação é conhecida pelos produtores, que tentam diversificar os meios de sustento. “É uma fruta perene, então é normal que um ano dê bastante, em outro haja uma queda”, contou o produtor de São José do Paraíso.


Já para o pesquisador, a alta competitividade provoca um desânimo nos produtores do Sul de Minas. “A situação em Delfim Moreira é muito delicada. A gente já fez várias imersões lá, vários cursos. Mas não sei, parece que existe um desânimo muito grande para alavancar novamente a produção de marmelada. É o que eu sinto”, afirma.


Problemas na produção

No entanto, a competitividade não é a única razão da queda na produção. Segundo Pio, outra questão que aflige a região é a pouca pesquisa e extensão no desenvolvimento de soluções para uma doença que afeta a plantação: a entomosporiose. A doença é causada por um fungo e provoca a desfolha, o que impede o crescimento do fruto, provocando, mais uma vez, a queda na produção.


O cuidado também é alvo de atenção de Anísio, mas por outra razão. Para ele, uma das maiores dificuldades da produção é o manejo. “O marmelo é uma fruta que precisa da poda para produzir. Tudo é feito de forma manual, é muito trabalhoso. E é difícil conseguir mão de obra”, diz.


Ele também argumenta que a maior parte do processo da produção do doce é artesanal. “Nós colhemos o fruto, cozinhamos por uma hora ou uma hora e meia e passamos pela despolpadeira, misturamos com açúcar e mexemos o doce na panela por mais uma hora”, explica o produtor.
Segundo Anísio, depois deste processo inicial, que só não é manual na despolpa, a massa descansa por 24 horas e, na sequência, é separada nas formas. Então é necessário esperar mais um dia inteiro, para só então embalar para comercialização.


Apoio

Ele ressalta que os produtores da região de São João do Paraíso recebem apoio direto da Emater, que “está sempre orientando sobre a produção do fruto”. Ao Estado de Minas, a Unidade Operacional de Salinas da empresa contou que deu início a um projeto pioneiro na propriedade de Anísio em 2021, com a implantação da primeira Unidade Demonstrativa de Marmelo.


“Este foi um marco na agricultura da região, com a introdução de novas tecnologias que mudaram a forma de cultivo. A correção do solo, o espaçamento adequado entre as plantas, a adubação e a utilização de mudas de saquinho – em vez das tradicionais estacas plantadas diretamente no solo – foram algumas das práticas inovadoras adotadas. Além disso, a adubação de cobertura, as podas de formação e a poda de frutificação passaram a fazer parte do processo, garantindo o sucesso das lavouras”, afirmou a empresa, em nota.


Segundo a diretoria, a Unidade Demonstrativa na propriedade de Anísio se tornou uma referência para os demais produtores de marmelo da região. Além disso, afirmou que esteve presente com o produtor ao longo de toda a produção no sítio. “Desde a implantação e condução da lavoura até o acesso ao crédito rural, o agricultor nunca esteve sozinho”, afirmou. 

R$ 972 mil

Rendeu a safra do marmelo em 2023 ao município de
são joão do paraíso