É coisa nossa. Em busca do "DNA" do Queijo Minas Artesanal
Liderada pela UFLA e pela UFMG, pesquisa tenta identificar aspetos fundamentais da produção da iguaria na microrregião do Serro, na Região Central mineira
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Siga noO Queijo Minas Artesanal (QMA) da região do Serro tem mais um capítulo de sua história sendo escrito. Em uma pesquisa inédita, a Universidade Federal de Lavras (UFLA) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), produtores e técnicos, se uniram para investigar, ao longo de seis meses, aspectos fundamentais da produção da iguaria, reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. O estudo busca entender como a microbiota – o conjunto de microrganismos presentes no produto – evolui ao longo da maturação e determina o “DNA” do queijo do Serro.
A professora do Departamento de Medicina Veterinária da UFLA, Elaine Maria Seles Dornelas, diz que o projeto surgiu da fama do Queijo Minas. “Ele tem uma importância muito grande para o estado, seja do ponto de vista econômico, já que está ligado a agricultura familiar, à inserção das pessoas no campo e agregação de valor para o pequeno produtor – o qual possui mais chance de renda produzindo queijo do que apenas entregando o leite”, afirma a também especialista em epidemiologia e saúde pública, e subcoordenadora da Rede de Pesquisa LeiteInova, à frente do estudo.
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O queijo artesanal também possui um valor social para a região do Serro, que é produtora há mais de 300 anos. “É um conhecimento passado de pai para filho, tem uma sucessão, é uma questão histórica. Isso tem um valor para a identidade e a cultura de um povo”, complementa a professora. Dada a importância, a pesquisa surge para auxiliar esse produtor por meio de ferramentas para produzir um queijo com mais qualidade, e consequentemente, conquistar novos mercados.
A investigação ainda pretende fornecer à Emater – empresa que faz em Minas a extensão rural que auxilia o agricultor – informações para nortear a melhora na produção. “Ou seja, ensinamos como o produtor pode produzir mais, com maior qualidade e sem oferecer riscos ao consumidor”, explica Dornelas.
A iniciativa, liderada pelas universidades, conta com apoio da Emater, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e da Herculano Mineração, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). O investimento ultrapassa R$ 700 mil.
A pesquisa envolve 32 pesquisadores, 20 técnicos da Emater e 30 produtores locais, que atuarão em 12 municípios da microrregião do Serro. Durante um semestre, serão feitas coletas em propriedades, analisando amostras de leite, pingo (fermento natural do queijo), queijo, sangue, soro, saúde do gado e até carrapatos, para entender o impacto desses fatores na qualidade do queijo.
Rastreando
Um dos principais objetivos da pesquisa, é também seu diferencial: pela primeira vez, será avaliada a evolução da microbiota do QMA ao longo da maturação, permitindo entender como as bactérias do queijo do Serro mudam com o tempo, conferindo ao produto suas características únicas.

“O núcleo desse projeto é desvendar quais são os microrganismos presentes que são característicos daquela região. Existe um conjunto que me permite falar: ‘é uma assinatura desses microrganismos’. É como uma digital que identifica se o queijo é de Araxá, do Serro ou da Serra da Canastra”, descreve Elaine. Para isso, seis peças de queijo de cada produtor serão analisadas em diferentes estágios, especificamente nos dias 1, 7, 14, 28, 42 e 63 de maturação.
A investigação começa com técnicas tradicionais de microbiologia. “Isso já é convencional na rotina de produção. Procuramos identificar as bactérias e cultivá-las no laboratório. Também envolve a análise física ou química para descobrir percentual de gordura, proteína, lactose, umidade e teor de sal daquele queijo ao longo da maturação”, explica a especialista.
Depois é traçado o sequenciamento do DNA de todos os microrganismos presentes ao longo do processo de amadurecimento. É uma ferramenta fundamental para a pesquisa biológica e genética. “A partir disso, vamos conhecer a totalidade de bactérias que estão naquele queijo e como isso muda ao longo da maturação. Uma equipe também vai avaliar o perfil lipídico, uma vez que temos várias gorduras diferentes – ômegas e ácidos graxos”, esclarece Elaine Dornelas.
Saúde animal
A qualidade do Queijo Minas Artesanal começa no campo – mais precisamente, na saúde dos rebanhos. Por isso, a pesquisa também investiga o bem-estar dos animais das propriedades participantes. “Queremos saber o quão saudáveis eles estão para a produção de leite, que vai dar origem ao queijo. Estamos avaliando uma série de mais de 15 doenças que podem estar no gado, dentre as que podem ser transmitidas ao ser humano e outras que afetam a qualidade do leite”, esclarece Elaine.

Esse trabalho dará aos produtores um relatório detalhado sobre a situação de suas propriedades, com orientações sobre como melhorar a produção sem comprometer a segurança do consumidor. A partir do diagnóstico, os produtores vão poder corrigir problemas sanitários, prevenir doenças e tratar o rebanho.
Juntando todas as informações (sequenciamento, microbiologia, composição do queijo, componentes lipídicos e perfil dos animais), a pesquisa pretende traçar o “DNA” do queijo. “Traz o marco e a visibilidade de falar o que só existe nos queijos da região do Serro. Isso ajuda a identificar a denominação de origem. Há um padrão de identidade”, conclui a especialista.
Produtores
Para os produtores locais, a pesquisa é vista como uma oportunidade de valorizar a tradição. O presidente da Associação dos Produtores do Serro e da Associação Mineira dos Queijos Artesanais (Amiqueijo), José Ricardo Ozólio destaca a importância histórica e prática do estudo.
“Teremos uma história a mais sobre nosso queijo para contar. Quando falamos de identidade, falamos também de história, algo que já convive conosco há séculos. A microbiologia que será identificada e estudada já faz parte do nosso dia a dia, e reconhecer isso, além de saber como tirar proveito para melhorar a qualidade do queijo, é fundamental”, destaca Ozólio.
Municípios participantes da pesquisa
- Serro
- Dom Joaquim
- Conceição do Mato Dentro
- Alvorada de Minas
- Serra Azul
- Santo Antônio do Itambé
- Guanhães
- Sabinópolis
- São João Evangelista
- Paulistas
- Materlândia
- Rio Vermelho
A produtora de queijo artesanal no Serro, Flávia Barroso, também vê na investigação uma chance de reafirmar o terroir – conjunto de fatores naturais e humanos que influenciam a qualidade de um produto – da região e valorizar a iguaria. “Cada local tem um paladar específico do queijo, influenciado pela pastagem, pelo clima e pelo tipo de bactérias presentes. É muito interessante ver como o Queijo Minas Artesanal, feito com leite cru e métodos tradicionais, carrega essas nuances regionais”, comenta ela.
José Ricardo ressalta a característica marcante que diferencia o queijo do Serro de outras regiões produtoras: “Nosso queijo tem uma ligeira picância pelo fato de não ser prensado. Isso faz com que haja maior convivência entre a microbiologia e o soro, o que dá uma sobrevida ao sabor”, alega. Flávia acrescenta que esse terroir faz com que, quando curado, o queijo desenvolva uma casquinha amarela firme e uma textura cremosa por dentro.
A produtora ainda acredita que o estudo ajuda a reforçar a importância do queijo do Serro, que por muito tempo foi referência em qualidade, mas acabou perdendo espaço para outras regiões. “Houve um tempo em que o queijo do Serro era considerado o suprassumo dos queijos mineiros. Mas isso foi se perdendo e hoje muitos associam o melhor queijo ao Canastra. O que vemos é que há uma retomada da valorização dessa microrregião e do nosso terroir, que as pessoas precisam começar a identificar e valorizar”, conclui.
Patrimônio da humanidade
- Em dezembro de 2024, os Modos de Fazer o Queijo Minas Artesanal foram reconhecidos pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Culturalmente, o reconhecimento internacional enaltece saberes e práticas que integram o cotidiano rural e urbano, colocando Minas Gerais como referência global em sustentabilidade e criatividade. O título, inédito para a cultura alimentar no Brasil, valoriza não apenas o produto, mas toda uma cadeia de tradições, histórias e modos de vida que definem o estado, ressaltando que a produção artesanal do queijo é parte fundamental da diversidade cultural brasileira.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Paulo Galvão