A Constituição afirma, no seu primeiro artigo, que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente. Repetindo: o povo exerce seu poder diretamente, ou por aqueles que ele elege, no Executivo e no Legislativo. É assim que temos vivido, ou o poder do povo, direto ou indireto, tem sido limitado por quem não foi eleito? O Poder Judiciário tem se mostrado acima dos poderes eleitos. Na História, o autoritarismo tem sido praticado pelo chefe do Executivo, acima o Legislativo e o Judiciário, com o pretexto de representar o povo.
Aqui, hoje, o chefe do Executivo federal, que teve quase 58 milhões de votos para representar a nação, tem-se curvado ante imposições do Supremo. O mesmo tem acontecido com o Senado e a Câmara, obedientes a determinações, muitas vezes, de um único juiz do Supremo Tribunal Federal. Em nome da ordem, ninguém se recusa a cumprir determinações do Supremo, à exceção do presidente do Senado, Renan Calheiros, em 6 de dezembro de 2016, quando recusou-se a deixar o cargo, como ordenava ministro Marco Aurélio.
Essa introdução remete à queixa crônica de insegurança jurídica, como um dos maiores fatores do custo Brasil. Uma das causas é a excessiva judicialização de temas que deveriam ser resolvidos internamente no Legislativo e no Executivo, como se queixou o presidente do Supremo, Luis Fux, em seu discurso de posse. Virou moda a minoria apelar para o tapetão do Supremo. Em outros tempos, o relator devolvia ou jogava o recurso no arquivo, por ser assunto para o próprio Parlamento resolver. Eram tempos em que o presidente não era Bolsonaro. Aí entra o segundo fator, identificado por juristas como Ives Gandra e Modesto Carvalhosa: o ativismo judicial, ou a militância política.
Quando há algum vácuo na Constituição, o Supremo, em vez de exigir que o Congresso, que tem poderes constituintes, decida a questão, costuma ele próprio, que não teve um voto sequer para isso, se transformar em poder constituinte. Então, temos que o Supremo, sem estar relacionado no primeiro artigo da Constituição como representante do povo, já que não é eleito, tem poder constituinte e poder de interferir nos outros poderes, eleitos para representar o povo. É, portanto, de fato, o mais poderoso dos poderes. Quando um jornalista pede asilo político no exterior, ninguém imagina que ele esteja sendo procurado pelo Judiciário e não pelo chefe do Executivo.
Como sabemos, o Supremo não obedeceu o devido processo legal por ser, a um só tempo, vítima, investigador, acusador, juiz e executor, algo que só se via no absolutismo. Sob o pretexto de saúde pública, vimos o Supremo passar por cima de direitos fundamentais, até de deixar em segundo plano poderes do chefe da nação priorizando governadores e prefeitos. O Supremo já mudou a Constituição na área de costumes e agora tem nas mãos uma gigantesca questão fundiária que pode derrubar o mais precioso trunfo do Brasil: a vocação de alimentar o mundo. Nesses dias, alguns atos e ameaças no TSE, fariam corar um Sobral Pinto.
O senador Girão já reclamou da passividade do Senado. Diante disso, o senador Amin disse há dias que isso pode não acabar bem. Quando há exceção para o devido processo legal, há insegurança incompatível com as liberdades básicas, principalmente quando a liberdade de opinião é atingida. O poder que é do povo é para opinar, divergindo e criticando. Para concordar, não é preciso ter poder. Com insegurança na Justiça, não há estado de justiça.