A acusação os denunciara por dolo eventual com fogo, asfixia e torpeza. Depois, foram suprimidas essas qualificadoras e subsistiu homicídio simples. A defesa leu carta “psicografada” por um morto; o juiz proferiu uma sentença em linguagem dramática e estranha e o julgamento terminou deixando a impressão de que ficou faltando réu. Afinal, a boate estava forrada com material inflamável com potencial de fumaça tóxica; não havia extintor funcionando nem saída de emergência para evacuar sua capacidade de 2 mil pessoas. Mas a boate estava credenciada por alvará oficial, o que significa ter sido inspecionada pela autoridade competente. O estado, autor da ação penal, deve ter concorrido para a tragédia.
Também nesses 10 dias o processo do triplex de Guarujá prescreveu, e com ele a condenação de Lula na Vara de Curitiba, confirmada no tribunal revisor, mas anulada pelo Supremo por questão de jurisdição - a mesma razão que propiciou desconto de pena para Cabral. Lula já teve 26 anos de pena anulados; Eduardo Cunha, menos 38 anos.
Num desses 10 dias, o STJ mandou para o Tribunal Eleitoral 15 condenados, entre eles Palocci, João Vaccari, Marcelo Odebrecht, João Santana, porque concluiu que R$ 200 milhões de propinas da Odebrecht eram apenas caixa 2 de campanha. Segundo o Estadão, um total de 277 anos de penas já foi anulado - a maior parte relativa à Lava-Jato. A maciça maioria dos que foram presos já está em liberdade.
Tudo irônico e absurdo. Fica difícil justificar que quem desviou, em última análise, o dinheiro suado dos pagadores de impostos tenha da Justiça um tratamento complacente, enquanto sobra rigor para quem expressou pensamento e está preso sem condenação, enquanto condenados estão em liberdade pelo trânsito em julgado. A Justiça deveria ser veneradora de sua deusa Thêmis; não cenário de O Processo de Kafka.