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Estado de Minas ALEXANDRE GARCIA

Proposta no Senado é na prática o AI-5 reeditado e abole a democracia

Pelo projeto é crime xingar políticos e autoridades, como se já não existisse, no Código Penal, punições para a injúria, a calúnia e a difamação


07/12/2022 04:00 - atualizado 07/12/2022 07:37

Renan Calheiros apresentou proposta de emenda à Constituição que legaliza ''o inquérito do fim do mundo''
Renan Calheiros apresentou proposta de emenda à Constituição que legaliza ''o inquérito do fim do mundo'' (foto: Marcos Oliveira/Agência Senado - 20/2/18)

A proposta de emenda à Constituição do senador Renan Calheiros legaliza “o inquérito do fim do mundo”, derroga a cláusula pétrea da livre manifestação do pensamento, cassa direitos civis e políticos e transforma o Supremo em tribunal para crimes políticos e de opinião. Ganhou o apoio de 33 senadores e o presidente do Senado enaltece a iniciativa. O relator vai ser o senador Davi Alcolumbre. Apresentada como uma lei geral contra a intolerância política, a proposta contém intolerância à crítica, às liberdades, ao direito de protestar, amordaçando o cidadão, que é origem do poder, a quem os políticos, as autoridades, as instituições de Estado devem servir e escutar. Em suma, a proposta é uma abolição final da democracia, tão ferida nesses últimos anos quanto a própria Constituição.

A proposta confere ao Supremo, que deveria ser um tribunal constitucional, a atribuição de julgar “infrações contra o estado democrático de direito”. Parece ironia, pois o Supremo criou um inquérito sem Ministério Público, em que julga pessoas sem foro privilegiado, e em que é vítima, delegado, promotor e juiz ao mesmo tempo – o que é exatamente o abandono do devido processo legal, caraterística do estado de direito. Pelo projeto, é crime xingar políticos e autoridades, como se já não existisse, no Código Penal, punições para a injúria, a calúnia e a difamação. Outra ironia é que tanto o autor da proposta quanto 15 de seus apoiadores são investigados ou processados por crimes contra os pagadores de impostos.

Tem cinco propostas o “pacote de defesa da democracia”, que trata de proteger os políticos contra mandados de busca e apreensão perto de eleições, zelando por suas reeleições. Uma dessas propostas tira o poder do presidente da República de escolher livremente seu ministério, proibindo que o ministro da Defesa seja militar da ativa ou da reserva. Quer dizer, presume que um militar na Defesa seja um risco para a democracia. Essas propostas absorvem a legislação já criada pelo TSE e pelo Supremo – que não são órgãos legislativos – punindo aquilo que, no ponto de vista do interessado, seja falso nas redes sociais, cortando a remuneração de trabalhadores do mundo digital e bloqueando suas contas nas plataformas. Tribunais da verdade, como em ficção orwelliana. Deputados e senadores, na Constituição invioláveis por quaisquer palavras, já perderam suas prerrogativas, sem que isso cause escândalo no parlamento e na mídia.

Parte dessa “opinião pública” está satisfeita com a censura, porque ela atinge sua concorrente rede social. E não defende a Constituição, que é a âncora do estado de direito. Usa de bom grado a mordaça e ainda quer impô-la aos livres. O cerco começou há quatro anos e vai se fechando. O Brasil vai ficando parecido com outros países latino-americanos, subjugados pela restrição às liberdades básicas. A cidadania não percebeu como o totalitarismo avançou, pois boa parte foi desinformada. Muitos ficaram hipnotizados por suas fontes de notícias e só acordaram nas eleições, mas já era tarde. Só agora descobrem que a Constituição foi esfarrapada. Ironicamente, um deputado foi preso porque supostamente pedia a volta do AI-5. E aí está ele, camuflado de defesa da democracia, tática dos tiranos.

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