O que merecia um simples registro ganhou manchetes e páginas sem fim, porque o episódio no aeroporto de Roma acontecera apenas dois dias depois da participação de um ministro do Supremo no Congresso da UNE. No dia 12, quarta-feira, o ministro Barroso afirmou, na UNE, que “nós derrotamos o bolsonarismo”. Para a sorte dele, antes que a semana terminasse, na sexta-feira, 14, seu colega Alexandre de Moraes foi xingado no Aeroporto de Roma (Fiumicino). A fala de Barroso complementa a de Nova Iorque “Perdeu, mané, não amola”. O vitorioso que se gabava em Brasília já havia tripudiado de um derrotado em Nova Iorque. Presença inédita de um juiz do Supremo em congresso da UNE em que emoções expuseram aquele que foi presidente da Justiça Eleitoral num período de preparo para a eleição presidencial de 2018, época de debate sobre segurança das urnas e comprovante impresso do voto.
Aí, sobreveio um fato quase rotineiro, de apupos em outro continente. Foi a oportunidade para desviar a atenção da opinião pública, saturando-a com o incidente de Fiumicino. Até então esse tipo de xingamento a autoridades não merecia mais que um registro discreto nos jornais do dia seguinte, para não estimular esse tipo de manifestação. Em geral, só aparecia nas redes sociais o vídeo colhido por algum circunstante. Igualmente as redes registravam os aplausos, como os que recebia o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo em tempos do mensalão, o os vivas ao juiz Sergio Moro, condutor do inquérito da Lava-Jato.
Ironicamente, o alvo em Roma foi justamente o ministro que, em junho de 2018 sentenciou em voto: “Quem não quer ser criticado, satirizado, fica em casa”. Com tanta exposição do incidente, o Poder Executivo tratou de anular o estímulo para novas manifestações contra autoridades, e anunciou uma proposta de lei para dissuadir os descontentes com a atuação de servidores do público. Penas
gigantescas de prisão para ataques a autoridades, ultrapassando até as penas de crimes gravíssimos. O próprio presidente da República se encarregou de qualificar os supostos agressores de animais selvagens que deveriam ser extirpados - surpreendente para um país que não tem pena de morte.
Também surpreendente que o próprio tribunal que abriga o ministro em questão tenha assumido o caso, embora os supostos agressores não tenham foro no Supremo. Num caso de Justiça Federal de primeira instância, foi a última instância que reagiu, já negando a possibilidade de recursos. Foi a presidente do STF quem autorizou busca e apreensão no domicílio das pessoas investigadas. A Polícia Federal entrou na residência do casal Mantovani e levou documentos, celulares, computadores - ação inédita para um aparente caso de vias de fato, que é contravenção, e desacato no exterior, sem pena que justifique inquérito de extraterritorialidade.
O PDS de Gilberto Kassab também se contaminou com a caça aos “animais selvagens”, e sumariamente expulsou Roberto Mantovani do partido, mesmo sem apurações conclusivas do episódio. O presidente da República, discursando no Sindicato dos Metalúrgicos, aprovou a expulsão sumária e lembrou que o expulso fora candidato a prefeito. Não mencionou que a candidatura, em 2004, tinha o apoio de Lula e o vice do PT. Depois, recomendou que mesmo não gostando de alguém, não se deve xingar. Em seguida, qualificou Mantovani de canalha. E não se constrangeu em revelar para uma plateia de metalúrgicos que havia avisado o chefe de governo alemão de que o suposto agressor de Moraes se diz representante de uma empresa alemã.
Além disso, anunciou-se com estardalhaço a já sabido no caso Marielle. Para corroborar com a ação, prendeu-se o Suel, que já cumpria prisão domiciliar. O Capitão Renault, de Casablanca, foi o modelo: “Prendam os suspeitos de sempre”. Produz-se muito barulho para não se ouvir o discurso de Barroso na UNE.