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Quais as novidades da Ciência sobre a interação obesidade e câncer?

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Vários estudos epidemiológicos correlacionam a obesidade ao aparecimento de câncer. Um estudo mais recente da União Internacional de Controle do Câncer comprovou a relação entre obesidade e câncer. Ele estima que 30% dos casos da doença, nos países ocidentais, estejam relacionados ao sedentarismo e ao excesso de peso. Este é o segundo fator de risco para o desenvolvimento de câncer, ficando atrás apenas do tabagismo, de acordo a Organização Mundial de Saúde (OMS).





A população mundial está continuamente mais pesada, o que torna a obesidade um problema de saúde pública. No Brasil, mais de 80 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 60% da população, estão com excesso de peso, enquanto 15 milhões são consideradas como obesas. Os números avançam rapidamente entre todas as idades e classes sociais. O número de obesos entre crianças e adolescentes cresceu nos últimos dez anos de 3,7% para quase 13%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), uma criança obesa tem um risco 30% maior de tornar-se um adulto obeso. Entre os adultos com excesso de peso as maiores incidências de tumores estão relacionadas ao rim, vesícula, pâncreas, intestinos, próstata, endométrio (a camada interna do útero) e mama. Nestes casos, a obesidade é considerada como uma causa em comum, embora haja também outros fatores envolvidos, como genéticos.

Em contrapartida, há vários tumores em que a correlação com a obesidade não pode ser demonstrada até o momento como, por exemplo, o câncer de pulmão.





É importante ressaltar que as hipóteses para se justificar a associação de câncer e obesidade se sustentam em quatro pilares — causas hormonais, processo inflamatório crônico, erro alimentar e causas diretas. Nas causas hormonais, o excesso de tecido gorduroso leva a um aumento da quantidade de estrógeno circulante, que por sua vez está ligado ao aumento de incidência de tumores, como os de mama, útero e intestino.

As pesquisas também sinalizam nos obesos um aumento da quantidade de uma substância denominada de IGF (fator insulina-símile), responsável pelo crescimento e multiplicação celulares. Por outro lado, o excesso de gordura nos adipócitos (células gordurosas do corpo) provoca um processo inflamatório crônico, que por sua vez libera continuamente substâncias tóxicas e indutoras de inflamação e cânceres nas células normais.

Na última década, a obesidade tem sido associada a um aumento do risco e da agressividade de vários tipos de câncer. Muitas atividades biológicas no tecido adiposo mudam com a obesidade e podem contribuir para a carcinogênese e o início do câncer. Estudos recentes sobre o efeito biológico do tecido adiposo no desenvolvimento do câncer têm nos auxiliado no entendimento desta relação.





Tecido Adiposo e Carcinogênese


Estudos baseados na análise de amostras clínicas e modelos de camundongos analisam o papel das células do tecido adiposo no envelhecimento e no aparecimento de doenças em pessoas saudáveis. Descobriu-se o fenômeno da mobilização e tráfico de células adiposas para tumores e o efeito estimulador das células estromais (células que compõem tecidos de sustentação) adiposas na progressão do câncer. O corpo humano tem essencialmente dois tipos de tecido adiposo: branco e marrom. Nascemos com principalmente adipócitos marrons, cheios de mitocôndrias, que queimam energia e produzem calor que nos defende contra hipotermia, obesidade e diabetes.

À medida que envelhecemos e ganhamos peso, começamos a perder nossas células adiposas marrons e aumentamos o número de células adiposas brancas armazenadoras de lipídios. Se você ingere excesso de calorias, os adipócitos brancos aumentam seus estoques lipídicos e aumentam em número. Com isso, há também um aumento no risco de várias doenças, sendo uma delas o câncer.

Como o estresse genotóxico evolui e qual seu papel na carcinogênese


O câncer se desenvolve como resultado de danos celulares por serem bombardeados por estressores, alguns dos quais ambientais e outros internos, como inflamação. Essas várias exposições a estressores podem produzir radicais livres que prejudicam moléculas em nossas células - proteínas, lipídios e ácidos nucléicos.





Além disso, os radicais livres gerados pelas mitocôndrias, ou de outros locais dentro ou fora da célula, causam danos aos componentes celulares e contribuem para o estresse oxidativo. Gerar radicais livres é vital para a função celular normal; no entanto, a existência de muitos radicais livres cria o problema de danos oxidativos às organelas da célula. O dano genotóxico é um tipo específico de dano oxidativo no DNA cromossômico que pode levar ao início do câncer.

Uma nova perspectiva para o tratamento da obesidade


O tecido adiposo depende de vasos sanguíneos, como os tumores. Uma vez que você priva os tumores de seu suprimento sanguíneo, diminuindo os vasos sanguíneos, os tumores morrem. Por isso, postula-se que os mesmos mecanismos poderiam ser empregados para destruir os vasos sanguíneos que sustentam o acúmulo de gordura, fazendo com que o tecido adiposo se quebre rapidamente e desapareça.

Recentemente um grupo de pesquisadores desenvolveu um composto experimental que permite observar a interação tecido tumor-gordura em modelos animais. Quando se injeta esse agente em camundongos, ele avança e promove a morte dos vasos sanguíneos associados ao tecido adiposo branco, que é então reabsorvido e metabolizado.





Descobriu-se, então, que um mês de tratamento em camundongos gravemente obesos foi suficiente para restaurar o peso corporal normal do animal. Nenhum dos camundongos usados %u200B%u200Bno experimento foi geneticamente alterado ou propenso à obesidade antes do tratamento; eles ganharam peso porque comiam uma dieta rica em gordura. Ressalta-se também o fato de o tratamento reverter a obesidade sem nenhum dos possíveis efeitos colaterais associados à rápida perda de peso.

Interação entre células tumorais e gordura


Tem havido um interesse crescente na “diafonia” entre o tecido adiposo e as células tumorais, promovendo o crescimento. Obviamente, livrar-se de gordura extra é uma boa ideia, porque, entre outras razões, reduz o risco de câncer. Há iniciação do câncer, que é carcinogênese, e depois há progressão do câncer, que é o crescimento do tumor levando ao estágio metastático.

A obesidade induz inflamação, que é cancerígena, e também promove claramente a progressão de muitos cânceres. Estudos recentes identificaram um “crosstalk” (interação) entre os tecidos adiposos e os tumores de células epiteliais denominados carcinomas. Esses cânceres de órgãos reprodutivos e digestivos (mama, próstata e cólon) são cercados por tecido adiposo. Durante essa interação entre o carcinoma e o tecido adiposo, existem muitos mecanismos de aceleração do câncer em ação.





Descobriu-se, então, que as células do estroma no tecido adiposo se mobilizam, migram para o microambiente do tumor e se tornam uma subpopulação de fibroblastos que promovem a progressão do câncer e a resistência à quimioterapia. As células estromais e imunes dos carcinomas infiltrantes de tecido adiposo secretam localmente fatores parácrinos no microambiente tumoral.

Além disso, adipócitos maduros fornecem adipocinas e lipídios para as células cancerígenas. Podemos identificar pelo menos três mecanismos envolvidos na interferência entre o tumor e o tecido adiposo durante a progressão do câncer, mas ainda não está claro se a obesidade tem um impacto direto no comportamento metastático ou se é um fator ambiental adicional.

Qual é o futuro das pesquisas sobre obesidade e câncer?


Existem várias novas direções interessantes de novas pesquisas que despontam nesse momento. Há um paradoxo da obesidade, no qual alguns estudos indicaram que um índice de massa corporal mais alto diminuiu o risco de mortalidade em pacientes com câncer e ajudou a responder melhor a certas terapias, como a imunoterapia.





Existem evidências crescentes de que, quando um paciente com câncer desenvolve caquexia, o excesso de tecido adiposo branco pode estar, sim, atrasando a mortalidade. No entanto, considera-se o outro lado da moeda, pois o excesso de tecido adiposo promove a agressividade do tumor. Uma vez que entendamos melhor os aspectos protetores do tecido adiposo em determinadas situações, ele poderá nos fornecer informações que podem se traduzir no domínio terapêutico.

Outro fenômeno fascinante em estudo é a senescência celular, ou seja, células danificadas benignas que não podem se dividir, também são resistentes aos mecanismos de morte celular. Essas células se acumulam no tecido adiposo e começam a secretar citocinas tóxicas, que contribuem para a iniciação e progressão do câncer. Portanto, alguns estudos têm analisado certas abordagens para livrar o tecido adiposo das células senescentes, impedindo um processo inflamatório que é potencialmente indutor de câncer.

Se você tem dúvidas ou sugestão de tema, envie para andremurad@personaloncologia.com.br

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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