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Estado de Minas

Saudades de um tempo que não volta mais, com pião e Monteiro Lobato

Enquanto a garotada consumista de hoje não desgruda do celular, a criançada de antigamente curtia a vida subindo em árvores, comendo fruta no pé e brincando ao ar livre


16/07/2019 04:00


Hoje, a coluna pertence à minha amiga Lúcia Helena Monteiro Machado, com quem concordo totalmente:

“Toda essa discussão atual em torno do trabalho infantil me deu uma nostalgia enorme da minha infância. Tudo porque uma amiga se manifestou plenamente a favor do trabalho infantil, alegando que criança que trabalha não está caindo nas drogas e outras coisas piores. Mandou até um vídeo de crianças japonesas executando trabalhos pesadíssimos, dizendo que elas serão adultos melhores. Não concordo. Passei uma noite nostálgica me lembrando da 'aurora da minha vida'. Me deu uma pena enorme dessas crianças de hoje, que nunca cantaram uma cantiga de roda, nunca brincaram de pegador, de pique, de maré. Nunca pularam corda nem brincaram de 'primeiro, seu lugar, sem rir, sem chorar, uma mão, a outra' – e por aí íamos treinando muito bem nosso desenvolvimento motor. Você tinha que calcular a distância e a força com a qual tinha que jogar a bola para dar tempo de dar 'uma volta, volta e meia, etc'.

Quis comprar uma corda de pular para os netos da minha empregada. Na loja de brinquedos nem sabiam do que se tratava. Só tinham brinquedos eletrônicos. Fui encontrar no nosso maravilhoso Mercado Central. Comprei corda individual, corda grande, pião, bilboquê, ioiô, bolinhas de gude, tudo o que queria.
Olho essas crianças de hoje e fico pensando na minha infância. Quando não estava brincando com as amigas, estava agarrada no Monteiro Lobato, na condessa de Ségur e, principalmente, no Tesouro da juventude. Guardo o meu até hoje. Lá aprendi muito sobre mitologia grega, histórias maravilhosas como a de Inês de Castro, que foi rainha depois de morta, sobre as aventuras de dom Quixote e Sancho Pança. Me emocionei muito quando conheci o túmulo de Inês, em Alcobaça. Hoje, as crianças conhecem apenas os super-heróis americanos: Batman, Super-Homem, Homem-Aranha, Mulher Maravilha, todos violentos, pobres em literatura e poesia.

Por falar em poesia, quem hoje conhece Castro Alves e seu maravilhoso Navio negreiro ('Estamos em pleno mar. Doido no espaço, brinca o luar') e Olavo Bilac ('Criança, não verás país nenhum como este')? Conhecem apenas os super-heróis violentos. Fico indignada quando vejo trailers desses filmes, som altíssimo, tudo explodindo, um horror! Vocês podem alegar que os contos dos Irmãos Grimm e de Pérrault tinham coisas terríveis. Para saber sobre o assunto, basta ler o livro do psicanalista Bruno Bettelheim, A psicanálise dos contos de fadas. Irão entender por que esses livros fizeram tanto sucesso durante tantos anos. Não é assunto para tratar aqui. Só vale dizer que são boa literatura e poéticos. Nada a ver com os terríveis super-heróis americanos que invadiram o mundo.

Outra coisa que me deu nostalgia foi me lembrar da beleza e do cheiro das jabuticabeiras em flor. Esperar que elas amadurecessem para comê-las, trepada no pé. Detesto jabuticaba colhida. Na minha idade, como não posso subir no pé para saboreá-las, prefiro nem comer. Uma amiga minha foi a Caeté chupar essas frutas na casa de uma conhecida. Subiu fagueira na árvore. A filha se espantou: 'Mamãe, como a senhora foi parar aí?'.

Nenhuma criança de hoje sabe subir em árvore. Nem pegar o pau de vassoura e colocar uma latinha em um dos lados para apanhar manga. Aliás, conheço pessoas que moram em sítios, em condomínios com muita área, mas nunca plantaram uma jabuticabeira. Alegam que elas só vão frutificar daí a 40 anos. E os netos, não merecem? As áreas são todas planejadas por paisagistas que se forem da linha de Burle Marx, não têm flor, só folhagens. Como era bom ter um quintal como eu tinha na infância, com jabuticabeiras, mangueiras, goiabeiras e até fruta-do-conde. Em pleno Centro de Belo Horizonte!

O que mais me assusta é ver crianças e adolescentes que não se interessam por nada. São consumistas, alienados e vivem com o celular na mão, do qual dependem para tudo! Sinto pena. Não sei que futuro terão sem cultura, querendo ter tudo que, para elas, significa a felicidade. Certamente, ficarão frustradas, pois não é ter que preenche nossas necessidades mais profundas. O consumismo é impressionante! Entrei no quarto da filha de uma amiga e fiquei chocada: mais de 20 bonecas, que só serviam para decoração. E ela, de apenas 8 anos, grudada no celular. Vejo que esse caminho não tem volta. O 'eletrônico' invadiu o mundo. Muito triste essa nossa época. Que saudades da aurora da minha vida!” 

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