Meu médico há mais de 30 anos Walter Caixeta Braga é absolutamente enfático quando define minha conversa de que preciso me aposentar: “Não faça isso, você não vai aguentar ficar sem trabalhar”. Mais uma vez, ele provou que não entende só de minha diabete. Entende e muito da minha cabeça também. Resolvi tirar férias no mês passado por estar muito cansada. A desculpa foi ter que confirmar o estado de minha saúde, principalmente depois do câncer no intestino. Fiz o exame no dia 10, como sempre no Hospital Mater Dei, e é claro que passei com nota 10: a cabeça pode não estar boa, mas o intestino está ótimo. Desde que perdi minha companhia de viagem, depois que meu marido morreu – este mês completam-se cinco anos da perda da minha felicidade –, não gosto mais de sair do país. Fico por aqui mesmo, remexendo na casa e nas memórias.
Só que o isolamento foi total, porque a OI me deixou sem telefone por 15 dias, por mais que reclamasse. E como não tenho mais celular, fiquei ilhada em casa, socorrida vez e outra por minhas empregadas, cada uma delas tem dois celulares. Se não fosse Valdir Vasconcelos me acudir, depois que esgotei todos os meios normais para que o telefone voltasse, acho que estaria até hoje sem telefone. O que representa mesmo uma perda preocupante. Estão falando que o telefone fixo vai acabar, que a comunicação só será possível via celular e fico na maior preocupação. Isso porque sou do tempo em que fazer um interurbano de Santa Luzia para Belo Horizonte demandava várias horas de espera, o posto da cidade era usado por todos os moradores. E a chegada do telefone doméstico foi a abertura de uma porta para o mundo.
Para complicar ainda mais as férias, o dilúvio não deu trégua. Lembrei-me do Monte Ararat, que visitei quando fui em Israel, onde falam que ele fica, mas que geograficamente fica na Turquia e onde, conta a história, Noé parou sua arca depois do dilúvio de 40 dias e 40 noites. Menos do que passamos por aqui nessas últimas semanas. E só quem mora em casa, e não em apartamento, sabe como é complicado enfrentar essa chuvarada constante. É preciso cuidar de pontos inesperados, água é incontrolável, não respeita telhados, não respeita alicerces, não respeita ligações elétricas, não respeita nem portas nem janelas. Não sei quantas e quantas vezes tive que me levantar à noite para verificar onde é que a chuva estava fazendo seu estrago.
Combati como pude à tentação de ver TV o dia inteiro, primeiro porque a programação é quase sempre um apelo à ruindade e à ignorância, está sempre nos empurrando para outra direção. Com isso, aproveitei para ler e ler. Dei conta de vários livros, inclusive do Escravidão, primeiro da série que está sendo escrita por Laurentino Gomes, de cujo texto sou mais do que admiradora desde que li 1808 e também alguns outros, quase sempre sobre a perseguição aos judeus, um tema que sempre me interessou e continua interessando – como A bailarina de Auschwitz, de Edith Eger, e O arquiteto de Paris, de Charles Belfouré. Mas como também sou da geração de Hemingway, Capote, Salinger, Faulkner e outros, pouca coisa que se escreve hoje me interessa muito. Quem vez e outra me sustenta com novidades boas é o médico José Salvador, um leitor inveterado.
Estou, portanto, de volta, trazendo na programação dos últimos dias um passeio dominical pelo BH Shopping. Entupido de gente, mas com a maioria das lojas praticamente vazias. Trazendo comigo uma tristeza, do meu sobrinho-neto que queria porque queria passar um tempo naquele pula-pula que montaram para a meninada se distrair e os pais sofrerem nas enormes filas que não entusiasmam ninguém.
Como dizia antigamente, já não sei mais quem, alô Belô, eis-me de volta.