Jornal Estado de Minas

Reclusão na quarentena também tem momentos de raras alegrias

Conteúdo para Assinantes

Continue lendo o conteúdo para assinantes do Estado de Minas Digital no seu computador e smartphone.

Estado de Minas Digital

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Utilizamos tecnologia e segurança do Google para fazer a assinatura.

Experimente 15 dias grátis


Aprendo a cada dia o que significa a vida de pessoas que não fazem parte da parafernália moderna de comunicação. Quando informo a um e outro que não possuo celular, vejo na cara de quem pergunta a dúvida: será que é verdade ou ela está mentindo?. Ninguém acredita que no mundo virtual alguém pode sobreviver sem ter nas mãos a maquininha da vida, que quase sempre é de faz de conta. E que retirou de boa parte da humanidade o prazer de jogar conversa fora, de se comunicar com alegria, amor, indiferença ou até raiva e desprezo.



Por causa disso, uma das raras alegrias desse tempo de desespero e reclusão é quando recebo telefonemas de amigos ou conhecidos, que acreditam que continuo existindo sem ter celular. É claro que quando trabalho na redação do Estado de Minas o telefone complementa os mais de 300 e-mails que recebo diariamente, a maioria deles sem ter o que falar. Poucos são os que têm realmente alguma coisa interessante e aproveitável, mas o telefonema muitas vezes serve, realmente, para cumprir seu papel histórico de comunicador.

Em casa, recebo alguns telefonemas aflitos, de amigos que acreditam que estou brincando com a maldição dos dias atuais, que tenho que me cuidar, lavar as mãos o tempo todo, não sair de casa para nada, usar delivery para tudo. Tomo meus cuidados para evitar trazer coronavírus para as poucas pessoas que estão convivendo comigo. Mas medo de morrer não tenho nenhum, graças a Deus. Quem já escapou de dois cânceres pode ficar apavorada com mais alguma coisa? Acho que não, e, por causa disso, o que me agride mais nesta temporada de reclusão obrigatória é medo de tudo, de viver – ou melhor dizendo, de perder a vida por uma síndrome que ninguém, na realidade, conhece mesmo.

De vez em quando recebo um alento, como nesta semana. Comentei aqui sobre o livro À mesa com Eça de Queiroz, da escritora portuguesa Maria Antônia Goes, e entre as receitas curiosas, encontradas nos textos do grande escritor português, achei novidade em uma citação de um rebuçado de avenca, citado no livro O primo Basílio. Não conseguia saber como é que uma folhagem tão decorativa quanto a avenca poder ser usada para fazer rebuçado.



Sorte minha é que tenho leitores fiéis e cultos e um deles, Lomelino Couto, que conheço de longa data, ligou para me falar sobre o assunto. Só que ele achava que a citação era de um tempero muito comum na cozinha nacional, escarola, e me contou como era e para que servia. Quando alertei a ele que o nome do tal tempero desconhecido era avenca, ele percebeu logo que tinha errado as marchas. E que ia procurar se informar e logo me daria uma informação correta sobre o assunto.

Estava bem interessado. Foi à sua biblioteca e logo achou, no livro citado, a citação da avenca. E me contou que, pelo livro, a avença nasce com frequência em cisternas. E que o frescor da água faz com que seja farta e útil em terras portuguesas. A folhagem é realmente usada por suas qualidades curativas, em processos de produção de rebuçados para curar dores de garganta. Já pensaram quando é que íamos descobrir isso?

Lomelino me contou também que tinha o livro – mas que, como sempre, tinha emprestado a um amigo e nunca o recebeu de volta. E me contou que o melhor caminho para encontrar livros sumidos é na biblioteca de amigos. Não é que tem razão?