Jornal Estado de Minas

Isolamento me faz reviver as lembranças do passado

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O tempo passa e a pandemia continua nos prendendo em casa, com pouco ou nenhum contato com a realidade além do terrível coronavírus, que continua sendo uma praga mundial. Com isso, resta-nos muito tempo para relembrar o passado, o que pouco fazemos normalmente, porque a aflição do dia a dia nunca, ou quase nunca, permite que percamos tempo com memórias. Por causa disso, tenho me lembrado de meus tempos de menina, furadeira de todas as casas da família em Santa Luzia. E também dos tempos em que nos mudamos para BH, mas gostava sempre de voltar para lá em minhas férias escolares. Escolhia sempre a casa da minha tia do lado paterno Aramita Vianna, Mita para todos, que era responsável pelo correio da cidade. A loja para receber a correspondência era aberta para a rua, do lado ficava a porta da casa onde ela morava. E, no corredor, o quarto que eu adorava ocupar, porque era repleto de livros.



Por presente de meus primos ricos que moravam no Rio, seus sobrinhos também por causa da irmã, estantes abrigavam coleções de livros de aventura, que eu lia dia e noite, adorava. Todas aquelas aventuras acompanhavam minha meninice e minha imaginação, cresci com essa mania de ler tudo o que podia. Minha tia tinha uma característica da família Vianna – não levava desaforo para casa e brigava uma vez só. Brigou com outra prima porque esta, de pirraça, pregou na porta do correio dois cartazes da eleição de Getúlio Vargas para presidente. Minha família Vianna tinha um velho desafeto com os Vargas, que mataram meu tio Benjamim, em São Borja, depois de ele ter salvo um Vargas de ser preso por assassinar um colega em Ouro Preto. Meu lado da família paterna guardou essa revolta por todo o sempre, e Mita era a campeã dessa resistência. Brigou com minha outra prima, do lado Almeida, por causa dos cartazes presos na porta de sua casa.

Esses meus tempos de leitura ainda no que, na época, se chamava grupo escolar, me deixaram uma impressão que, confio em Deus, pode ser preconceituosa e falsa: a meninada de hoje não vai ter nada do que se lembrar quando crescer, porque o vírus da tecnologia só mostra o que está no celular, computador, internet. Fora isso, adeus. Algumas escolas ainda insistem em transformar livros e leituras em disciplina, mas tenho visto que o que é sugerido como leitura em casa ou na classe não leva ninguém a nada. Tomara que esteja errada, estou acompanhando escolares com quase 80 anos de diferença – não é que posso estar errada?

De qualquer forma, de vez em quando acompanho os deveres de casa de meu sobrinho-neto, que nessa altura está recebendo as aulas em casa e tem que estudar para cumprir a programação do ano letivo.  Esta semana, tive uma grata surpresa. Um de seus deveres era compor uma música elogiando Belo Horizonte, e ele brilhou, principalmente porque conseguiu captar algumas características legais da cidade. O texto que criou é mais ou menos assim: “Belo Horizonte é uma cidade boa para morar/ Belo Horizonte cresceu/ e a população aumentou/ antigamente era bonde/ hoje tem ônibus e metrô/ muitos carros pelas ruas/ a mobilidade é precária, é preciso melhorar/ mesmo grande, essa cidade/ tem cara de interior/ muitas casas eram vistas/ hoje tem prédios no lugar/ mas muita gente continua/ sem ter onde morar”.

Lance curioso é este, que ele não conhece nem de longe: “Belo Horizonte é de buteco/ comida de muitos sabores/ feijão-tropeiro, pururuca/ vale a pena aproveitar”. A descrição da cidade continua – e achei a maior graça, pois para quem não tira os olhos de tudo o que aparece virtualmente, avaliar a cidade em que mora com um forte toque de realidade é um bom começo.