“A divagação é o domingo do pensamento”, disse o filósofo Henri-Frédéric Amiel. Quando deixamos de prestar atenção em algo e nos permitimos divagar (mind wandering, divagação ou devaneio da mente), algumas áreas cerebrais especificas são ativadas, constituindo a chamada “rede de modo padrão” (default mode network). Seria algo como o ponto morto no câmbio do carro. O motor está ligado, mas o carro está parado.
“É impossível não pensar em nada, mas existe, sim, a possibilidade de os pensamentos fluírem sem uma direção especifica”, afirma Vera Garcia, psiquiatra de adultos e da infância pelo Instituto de Psiquiatria da UFRJ, com MBA de gestão em saúde pela FGV e observership no Jackson Mental Health Hospital, da Universidade de Miami.
Segundo ela, dentro de certos limites, o cérebro humano tem capacidade de fazer os sistemas ligados à atenção e à rede de modo padrão funcionar em paralelo. “Eles não são mutuamente excludentes. Muitas vezes, estamos concentrados em algo e, ao mesmo tempo, nossa mente está divagando, seja de forma consciente ou não. Por exemplo: estou trabalhando e, ao mesmo tempo, pensando no que preciso comprar no supermercado”, comenta.
Na realidade, o cérebro é programado para funcionar por um certo período de tempo, durante o qual estamos acordados. O descanso principal do cérebro ocorre quando dormimos. “Nesse período, ele se refaz, organiza e consolida memórias. Quando estamos em um momento de lazer, por exemplo, não costumamos nos concentrar em algo que demanda muito do cérebro. Com isso, a possibilidade de divagações passa a ser mais possível”, diz Vera Garcia.
Estudo feito por pesquisadores da Universidade da Califórnia e do Instituto Max Planck sugere que fazer tarefas simples, que estimulam a divagação, pode ajudar a encontrar novas soluções para problemas. “De fato, permitir que a mente flua aumenta a produtividade, principalmente durante as tarefas repetitivas. Quando divagamos, o cérebro ativa regiões relacionadas ao planejamento, possibilitando focar, com mais precisão, em objetivos e projetos futuros.”
No entanto, a divagação pode prejudicar o rendimento de algumas atividades, principalmente as intelectuais, como estudo ou trabalho. “A possibilidade de deixar o cérebro divagar durante o período de trabalho depende muito da atividade que a pessoa desempenha, mas há quem se distraia com qualquer coisa. Estes devem ficar mais atentos nos momentos em que a concentração é fundamental”, aconselha a psiquiatra. Além disso, neste momento de pandemia, a concentração também é crucial. “Não há espaço para distração quando estamos na rua. Temos que estar atentos o tempo todo com a máscara, a distância entre as pessoas, a higienização, em não levar as mãos à boca, ao nariz e aos olhos. É um estado de alerta constante e fundamental”, lembra.
Mas, de acordo com Vera, se você é daqueles que, quando necessário, consegue foco total no que está fazendo, não há nada de mal em tirar umas pausas para divagar um pouco, desde que consiga finalizar a tarefa a tempo.
“Na rotina caótica que estamos vivendo, fazer pausas ao longo do dia, nos momentos certos, é benéfico para mente e corpo. É como dar fôlego ao peso que a pandemia tem gerado nos últimos meses”, conclui a psiquiatra.