No monte de besteiras que chegam pelo e-mail, vez por outra costuma vir uma novidade, que ignoramos por completo. Como esta:
“Guilherme Pauleto, de 15 anos, ficou míope no começo da adolescência. Para a alegria dele, se livrou dos óculos há quatro meses, quando começou a usar uma lente de contato que tem nome estranho – ortoceratológica. 'Foi o melhor acontecimento da minha vida. Usar óculos estava me irritando', conta. 'Agora coloco a lente à noite antes de ir dormir e tiro de manhã sem miopia, enxergando tudo', afirma. 'E tem mais. Todo ano eu trocava de óculos porque o grau aumentava. Este ano, o grau continua o mesmo', comemora.”
De acordo com o oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, do Instituto Penido Burnier de Campinas, o segredo da lente é a remodelagem da córnea, que tem uma camada externa bastante elástica. No míope, explica, a córnea é mais curva. Esta lente é rígida gás-permeável (RGP). Faz pressão positiva na porção central e negativa na periferia. Resultado: pela manhã, quando é retirada, a córnea está mais plana e a miopia desaparece temporariamente. Por isso, deve ser usada todas as noites para oferecer mais liberdade na prática de esportes, melhorar o rendimento escolar e a produtividade entre adultos.
Queiroz Neto afirma que a terapia teve grande evolução desde que surgiu. O modelo usado por Guilherme só chegou ao Brasil no final do ano passado. O especialista diz que a principal diferença em relação às gerações anteriores é a maior transmissão de oxigênio à córnea, que torna o uso mais confortável. Guilherme conta que só teve algum desconforto no início, mas agora nem sente a lente no olho.
“Isso é bastante importante, porque este ano a miopia atinge, no Brasil, a prevalência de 27,7%, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O maior desafio é conter sua progressão, que pode levar a doenças oculares graves. Um estudo realizado no Japão com 80 crianças míopes mostra que o tratamento com colírio de Atropina a 0,01 associado ao uso de lente ortoceratológica diminuiu em 38% a progressão dos graus baixos e moderados de miopia”, detalha o médico.
O oftalmologista afirma que a adaptação da lente noturna é feita após exame oftalmológico completo e topografia da córnea, que determina como deve ser a lente para corrigir a miopia. Conforme a córnea altera seu formato, explica, são feitas alterações na lente para obter melhor correção visual. É, portanto, um tratamento que requer acompanhamento médico.
Queiroz Neto afirma que as complicações do tratamento com lente ortoceratológica são idênticas às das lentes de contato comuns. Quem se submete ao tratamento deve sempre lavar as mãos com água e sabão antes de manusear as lentes; a limpeza e o enxágue do estojo e lentes só podem ser feitos com solução higienizadora; o uso de soro fisiológico ou água para higienizar a lente e o estojo deve ser evitado; o rosto só deve ser lavado após retirar as lentes; a substituição do estojo é recomendada a cada quatro meses; ambiente limpo e seco é o local ideal para guardar o estojo; antes de colocar a lente é necessário instilar uma gota de colírio lubrificante; e a qualquer desconforto é recomendado interromper o uso e consultar, sem falta, um oftalmologista.
O especialista explica que no olho míope as imagens se formam na frente da retina, deixando as imagens distantes desfocadas. A causa pode ser genética ou ambiental. A maior causa ambiental é o excesso de esforço visual no celular ou computador que provoca miopia acomodativa. Significa que os olhos perdem a capacidade de focalizar à distância, conforme ficou demostrado em estudo realizado por Queiroz Neto com 360 crianças de 6 a 9 anos de idade.
O médico ensina que os principais sinais da miopia infantil são a queda no rendimento escolar, apertar os olhos para enxergar à distância, aproximar o rosto da TV, celular, livro ou caderno e evitar participar de atividades esportivas coletivas. Qualquer um desses sinais indica necessidade de consultar um oftalmologista. A dificuldade de enxergar interfere no desenvolvimento cognitivo da criança. Quanto antes a miopia aparece, maior é a chance de alta miopia, que pode causar glaucoma e doenças na retina, importantes causas de perda irreparável da visão.