No país da boa mesa, quando uma mulher consegue ser bem classificada na bíblia dos melhores cozinheiros, o feito é destacado internacionalmente. Por aqui, uma ou outra cozinheira surge dirigindo restaurantes, mas são poucas e nunca estão nas primeiras posições. E é por causa disso que a chef francesa Hêlêne Darroze está ganhando fama. Para quem conseguir um dia – pós-pandemia – visitar Paris, uma boa é experimentar o cardápio de seu restaurante, Marsan.
“Apesar de um ano desastroso para o mundo da gastronomia, a chef francesa Hêlêne Darroze conseguiu um feito: passar de três para cinco estrelas Michelin, tornando-se a segunda mulher mais premiada pelo guia vermelho, graças a uma cozinha ‘mais emotiva do que técnica’.”
Conhecida do público por sua participação na versão francesa do programa de TV "Top chef", Hêlêne Darroze, de 53 anos, alcançou o auge da gastronomia mundial no início de janeiro ao obter uma terceira estrela para seu restaurante londrino Hêlêne Darroze at The Connaught e uma segunda para o Marsan, seu estabelecimento parisiense.
Um feito alcançado até agora apenas por outra mulher: sua compatriota Anne-Sophie Pic, oito estrelas. Outra mulher que se destacou este ano foi sua amiga britânica Clare Smyth, do restaurante Core, coroada com uma terceira estrela.
Um reconhecimento inédito na história do “Guia Michelin” e também um sinal de que o mundo da gastronomia, há muito associado aos homens, está mudando. A este sinal, Hêlêne Darroze acrescenta uma mensagem: "Continue a viver a sua paixão como mulher, não tente ser outra pessoa que não mulher", insiste durante entrevista concedida à AFP.
"Temos uma sensibilidade diferente, e isso se vê no prato", diz ela, que reivindica uma cozinha feminina, "mais emotiva do que técnica". "Quando um homem cozinha, ele quer primeiro mostrar que pode fazer isso ou aquilo, enquanto a mulher, tenho a impressão de que só quer agradar (...)", explica a chef, acrescentando que não procura criticar os homens, cujo trabalho "respeita".
Com Darroze, a cozinha é um assunto de família. Em 1895, o seu bisavô abriu o Le Relais, um restaurante familiar em Villeneuve-de-Marsan, onde ela trabalhou e o rebatizou de Chez Darroze. No entanto, foi para os estudos de negócios que ela se encaminhou após o vestibular. Foi o famoso chef Alain Ducasse quem finalmente a convenceu a se lançar na cozinha quando ela trabalhou em seu restaurante, Louis XV, em Monte Carlo.
Era o início de 20 anos durante os quais ela admite ter tido que fazer "escolhas". "Não pude ser mãe até os 40 anos, porque antes tinha decidido entregar-me plenamente a essa profissão", conta, referindo-se à adoção de suas duas filhas.
Em 2001, obteve a sua primeira estrela e, dois anos depois, a segunda. Sua marca registrada? Cozinha generosa, reconhecida por suas influências da cozinha do Sudoeste e basca. Em 2015, foi a consagração: foi eleita "melhor chef feminina do mundo" no ranking anual 50 Best. "Tenho colegas que sofreram por ser mulheres em círculos mais masculinos... eu sempre encontrei meu lugar", assegura.
Nas cozinhas, ela impõe sua visão da profissão. "Nunca quis ser chamada de chef", explica. "Mas por mais que eu explique que não é com um título que nos fazemos respeitar, sempre há alguns que não conseguem e me dizem: 'Não consigo'".
Outra revolução, ela se recusa a levantar a voz ou gritar com seus funcionários na cozinha. "Quando há um problema, você tem que saber como conter o estresse. Não é gritando ou jogando uma colher que você resolve um problema."
Apesar de um ano catastrófico para a gastronomia, marcado pelo fechamento de restaurantes devido à pandemia de COVID-19, Hêlêne Darroze garante: "A pandemia mudou a forma de ver as coisas". A partir de agora, por exemplo, ela se recusa a usar caviar chinês, "para apoiar os produtores franceses, que sofrem mais do que nós".
Se a pandemia está longe de acabar, Hêlêne Darroze já começou a imaginar a gastronomia do "mundo de amanhã": "Vamos precisar de uma cozinha que tranquilize, que seja generosa", sublinha ela na entrevista à AFP.