Quando eu acreditava que já tinha passado tudo na vida, enfrentei mais uma doideira: 30 dias de férias em casa, sem poder fazer nada da porta para fora. As recomendações que recebemos para ocupar esse terrível tempo de pandemia são uma ladainha sem fim. Depois de fazer tudo em casa, infernizar a vida de minhas domésticas, fiquei entregue aos programas de TV, que estão especializados em séries, uma chatura só, cada uma pior do que a outra.
Durante o tempo que me substituiu, minha prima Isabela Teixeira da Costa cumpriu bem suas funções, os leitores devem ter percebido isso. Mas sem conhecer o passado desta cidade, por ser muito mais nova do que eu, acabou participando de uma injustiça promovida pela Fundação Mário Penna ao comentar os 50 anos da instituição: deixou de tratar, na retrospectiva, da figura única e responsável por todo o movimento, que foi João Baptista de Resende Alves. Eu o conheci e me tornei sua grande admiradora, acompanhando seu trabalho. Primeiro naquele local pobre, onde funcionava o Mário Penna, no Bairro Santa Efigênia.
Fiz algumas considerações a respeito desse encontro, que se transformou em uma amizade e admiração que só terminou quando fui visitá-lo, já aposentado de seu papel, em sua casa. Na primeira descoberta que fiz desse médico incrível e raro, publiquei um texto aqui nesta coluna, que relembro agora a respeito de sua figura: “Mais do que um médico, é a imagem que vem a todas as mentes quando se pensa em um canceroso pobre. Seu rosto magro, descarnado, sua figura alta, fina, pode perfeitamente retratar o Dom Quixote dos tempos modernos, que, em lugar de lutar contra os moinhos de vento, dedicou sua vida a uma luta objetiva: acudir o canceroso pobre, livrando-o da insensibilidade, da falta de respeito institucional”.
Conversando com ele, fiquei sabendo de sua aplicação pela batalha que começou quando chegou ao Borges da Costa, conhecido como Hospital do Câncer, que o credenciou para consertar o Hospital Mário Penna, que era um verdadeiro caos. “Abandonados à própria sorte, com 24 doentes internados (dos quais mais da metade não sofria de câncer), o Mário Penna era um depósito de doente terminal, entregue a um corpo de funcionários que incluía um porteiro doido, que vivia com um porrete na mão, uma farmácia que vendia tóxicos, e um estuprador.” É claro que assumi o assunto na hora, admirada por um profissional de saúde completamente fora dos padrões locais. Acompanhei sua campanha em busca de doações para tentar recuperar o hospital, em busca de leitos decentes.
Foi ele quem deu início a uma ação médica permanente na instituição, que naquela época dispunha de três médicos do estado, que raramente apareciam para ver os internados. Acompanhei sua campanha para conseguir um terreno junto à prefeitura para construir um verdadeiro hospital, que conseguiu depois de muito batalhar junto ao prefeito da época, Oswaldo Pieruccetti.
E, por uma dessas controvérsias da vida, foi aqui que se iniciou a batalha final de sua vida. João Resende queria construir um hospital que fosse absolutamente gratuito, que tivesse como função receber os cancerosos pobres com todos os progressos médicos da época. Encontrou uma resistência poderosa da classe, que queria, em troca, construir um hospital público. Seguindo seu sonho, ele conseguiu que detentos da Penitenciária de Neves com bom comportamento viessem trabalhar como pedreiros, carpinteiros, etc. na construção do Mário Penna, que está aí, junto ao Hospital Luxemburgo. Ambos resultado de um trabalho levado pela alma e pelo espírito cristão do doutor João Resende.
Outro depoimento sobre a criação do projeto do doutor João Resende é de outro médico, Alcino Lázaro da Silva, também envolvido nos problemas da criação do hospital:
“Participei de toda a história, visitando-o frequentemente, como membro do Conselho Curador e, finalmente, como primeiro diretor clínico do Instituto Mineiro de Oncologia (IMO). Iniciamos a residência, com alguma dificuldade, pois os profissionais, já em diferenciação, não se encantaram com a atitude. Iniciamos, contra certa resistência, as reuniões clínicas semanais. Presidimos a reunião que votou passar o nome de IMO para Instituto João Resende.O corpo clínico foi se consolidando, os especialistas se destacando e esboçando certa resistência em atender também o carente. Instalou-se uma frente de dificuldades que culminou com o professor João Resende, numa reunião com as lideranças, me dizendo: 'Se eles querem que você saia, então você sai'. Levantei-me e agradeci, não mais voltando. Oito meses depois, o professor foi encostado pelas lideranças políticas e chegou ao ponto de fazer uma declaração em jornal e ir ao cartório retirar seu nome do hospital, que passou a se denominar Luxemburgo.”