Nos tédios das férias, fui assistir à infindável série “Tudors”, porque gosto muito dessas histórias de época, e entre um capítulo e outro da história de Henrique VIII e Ana Bolena trombei com uma situação bem parecida com a nossa: a Inglaterra estava sucumbindo com uma epidemia até então não conhecida no país, a doença do suor. O rei se escondia em um espaço longe do luxo palaciano e sua amada enfrentava a crise – que acabou vencendo. Como acontece agora com a COVID-19, a doença não era conhecida na Inglaterra e provocou um alto índice de mortalidade em Londres, tornando-se conhecida como suor maligno.
Foi considerada como amplamente distinta de qualquer outra doença ou praga previamente conhecida no país, não só pelo sintoma especial que lhe deu o nome, como também por sua rápida e fatal evolução. E como poucos conhecem sua história, só nos lembramos de outras epidemias, como a da gripe espanhola, é legal conhecer alguma coisa desse problema dos anos 1500, na Inglaterra.
A epidemia sumia e reaparecia em novos surtos, sem que pudessem descobrir sua causa, e em algumas cidades houve perda de até a metade da população. No princípio, ficou confinada apenas à Inglaterra, mas, no quarto ciclo, o mais severo, espalhou-se pelo continente, aparecendo de repente em Hamburgo. Em pouco tempo, matou mais de mil pessoas e sua terrível mortalidade espalhou-se por toda a Europa oriental. França, Itália e países do Sul foram poupados. Mas espalhou-se como o cólera e em pouco tempo chegou à Suíça e outros países do Norte, como Dinamarca, Suécia e Noruega, Polônia e Rússia, entre outros.
A doença disseminava caos e morte, e em cada lugar que passava prevalecia durante um curto período de tempo. Foi desaparecendo aos poucos e o terrível “suor inglês”, como ficou conhecida, nunca mais reapareceria novamente. No Brasil, ficou conhecida como “sudor angelicus”. A doença começava de repente, com um sentimento de apreensão, seguido de calafrios – muitas vezes, bastante violentos – tontura, dor de cabeça e fortes dores no pescoço, ombros e membros, com grande prostração. Após a fase do frio, que poderia durar até três horas, seguia-se a fase de calor e transpiração.
O característico suor, por sua vez, eclodia de repente, sem nenhuma causa óbvia. Com o suor derramado, vinha uma nova sensação de calor, seguida de dor de cabeça, delírio, pulso rápido e sede intensa. Palpitações e dores no coração eram sintomas frequentes. Nenhuma erupção na pele foi observada. Nos estágios mais avançados, houve prostração geral, colapso ou sonolência extrema, que acreditavam ser fatal se o paciente cedesse.
A doença era notavelmente rápida em seu curso, sendo, por vezes, até mesmo fatal em duas ou três horas –alguns pacientes morriam em menos tempo. Mas comumente era prolongada a um período de 12 a 24 horas, sendo raro sobreviver após esse tempo. Aqueles que sobreviviam por 24 horas eram considerados fora de perigo.
Contrariamente à nossa COVID-19, que dura mais tempo, a epidemia também terminou sem praticamente ser conhecida na sua época. A doença do suor, na verdade, para usar uma linguagem moderna, foi uma doença infecciosa específica, no mesmo grau da peste, tifo, escarlatina ou malária. Alguns atribuíram a doença ao clima inglês, sua umidade e suas brumas, aos hábitos destemperados do povo inglês e à terrível falta de limpeza nas ruas e arredores das casas.
Pesquisadores médicos têm comparado os relatórios daquela época sobre a doença do suor com a epidemiologia moderna, na tentativa de entender as origens da doença. Em 2013, pesquisadores do Hospital Militar Queen Astrid, em Bruxelas, publicaram sua revisão na revista Viruses. Uma de suas teorias é que a doença do suor foi causada por um hantavírus desconhecido, um tipo de vírus transmitido por ratos, camundongos e outros roedores. Não apresentava nenhum sinal de doença nos animais, mas podia causar infecção pulmonar fatal em humanos.
A manifestação clínica do suor tem semelhanças significativas com a síndrome pulmonar do hantavírus (HPS), uma doença moderna cujo último surto foi visto em 2019, no Panamá. Curiosidade histórica: Ana Bolena, primeiro amante e depois mulher de Henrique VIII, sobreviveu à doença do suor. E sua filha, Elizabeth I, governou a Inglaterra durante 40 anos, conhecida como “A rainha virgem”.