Em uma das últimas vezes que fui à Itália, procurei a Catedral de Turim, onde, na urna de vidro no centro da nave, cercada para evitar muita proximidade, está o Sudário de Turim, peça de linho até hoje conservada, que, acredita-se, cobriu o corpo de Cristo quando ele foi sepultado. O tecido apresenta a imagem de um homem de 1,83m que parece ter sido crucificado, com feridas consistentes como as que Jesus sofreu.
As primeiras referências a um possível sudário surgem na própria “Bíblia”. O Evangelho de Mateus (27:59) traz que José de Arimateia envolveu o corpo de Jesus Cristo com “um pano de linho limpo”. João (19:38-40) também descreve o fato, relatando que os apóstolos, ao visitar o túmulo de Jesus após a ressurreição, encontraram os lençóis dobrados.
Mas o uso do linho é muito anterior a isso. A descoberta mais antiga ocorreu em 2009, quando arqueólogos desenterraram o tecido em uma caverna pré-histórica na Geórgia. Trata-se do primeiro tecido conhecido produzido pelo homem.
Não se tem a data exata de quando a fibra do linho começou a ser tecida pelo homem, mas há registros que comprovam o seu cultivo desde 2500 a.C., pelos egípcios. Múmias eram enroladas em tecido de puro linho, que tinha o significado de luz e pureza. A tumba do faraó Ramessés II, morto em 1213 a.C., foi descoberta em 1881, e o linho que envolvia a múmia estava em perfeito estado de conservação, após 3 mil anos.
Isso comprova a resistência da fibra à ação do tempo. O linho era usado também como uma espécie de moeda. Suas tramas acompanharam a história da humanidade de perto: eram populares no Egito antigo, usadas como vestuário e também como tecido de enterro.
Por todas essas referências, dá para entender que se trata do tecido vegetal mais antigo da história do homem. E, curiosamente, continua sendo trabalhado como sempre foi, a partir das hastes da planta. A fibra era fundamental para a antiga sociedade egípcia, reverenciada pelas tribos de Israel, produzida na Irlanda do século 12 e hoje tem vários mercados bem estabelecidos em todo o mundo.
É tecido de luxo, bem como ferramenta utilitária, usada para pano de vela, redes de pesca e cordas. Outra particularidade: as fibras são as únicas mais fortes quando molhadas do que quando secas. Além disso, o linho está entre os tecidos mais ecológicos que existem.
Gostei do assunto porque, na semana passada, a Agence France-Presse (AFP) publicou um texto contando que um tecido de linho do antigo Egito conservou qualidades mecânicas notáveis após 4 mil anos, o que justifica o uso crescente da fibra em materiais compósitos (formado por dois tipos de produtos), conforme revelou estudo divulgado no periódico Nature Plants, em Paris.
De cor bege e datado de entre 2140 e 1976 a.C., um tecido funerário repousa desde 1929 nas coleções do Museu do Louvre, em Paris. Equipe do Instituto de Pesquisa Dupuy de Lôme (IRDL), da Université Bretagne Sud, submeteu-o a uma bateria de testes. “Pesquisadores ficaram muito surpresos quando observaram propriedades semelhantes da fibra após quatro mil anos de envelhecimento, e quase nenhuma diferença em seu desempenho mecânico”, explicou Alain Bourmaud, principal autor do estudo.
Confirmou-se o know how dos antigos egípcios. Eles sabiam extrair a fibra do linho de uma forma que possibilitava a obtenção de fios “de grande finura, muito difícil de reproduzir mesmo com os meios atuais”, segundo Bourmaud. “Por meio do estudo do envelhecimento dessas fibras antigas, queremos aprender lições para desenvolver materiais mais eficientes.”
A fibra de linho é encontrada em materiais compósitos para os setores automotivo, náutico e aeroespacial. Fora isso, recuperaram minúsculas amostras de outros tecidos, as mais antigas com 5 mil anos. E esperam estudar outros materiais com a colaboração do Instituto Francês de Arqueologia Oriental, no Cairo.
O estudo do tecido mortuário revelou pontos fracos, que a equipe do IRDL pretende explorar mais, com testes de ruptura em particular. A fibra de linho tem desempenho equivalente ao da fibra de vidro, mas é muito mais leve. “Esse é um argumento forte que interessa a utilizadores de materiais compósitos”, ressalta Bourmaud, acrescentando que sua capacidade de amortecimento é maior do que a das fibras de vidro e de carbono.