Meus sobrinhos-netos sabem que sou surda como tiú. Um deles, aliás, já conhece o bicho, acha a maior graça quando aviso que não estou escutando. Na realidade, ao longo da vida fui escutando menos, meu ouvido direito é quase nada. Quando descobri que estava ficando muito surda, rodei por onde pude procurando um aparelho para ouvir melhor, pois, por infelicidade, não existe operação que faça a audição voltar.
Procurei a torto e a direito um aparelho, até descobrir, na Audium, umas pecinhas sob medida, que são colocadas dentro do ouvido. Uma cápsula mínima faz com que ela funcione. Achei o maior barato quando comecei a usar, mas, para dizer a verdade, não tenho a menor inclinação para esse tipo de cuidado.
A última vez em que fui à Audium em busca de ajuda foi bem antes destes tempos de trevas que estamos vivendo. Saí de lá e fiz a besteira: fui à drogaria comprar remédio e a barulheira me desnorteou. Voltei para casa, tirei as pecinhas da orelha e estou com elas na gaveta até hoje. Mas programo voltar lá para recomeçar a escutar melhor. Isso porque, nestes tempos difíceis, é preciso, acima de tudo, cultivar a alegria do convívio com familiares e amigos, além de estar conectado ao mundo.
Para quem chegou ou já passou dos 60 anos, o desafio é maior: aceitar as limitações que a idade impõe e saber envelhecer. Para isso, é fundamental manter a boa audição. Só assim é possível participar das conversas, curtir uma boa música e assistir a um programa na TV.
A surdez é uma das mais cruéis dificuldades que afetam o dia a dia do idoso, pois pode afastá-lo da vida em sociedade. E é na TV que o defeito fica mais do que evidente: uso muito as legendas, mas quando o programa é sem elas, só consigo ouvir com o som bem alto. Mesmo assim, é difícil, pois a maioria do pessoal que fala na TV não tem boa dicção.
Com o passar do tempo, as células auditivas se degeneram devido ao desgaste natural do corpo. Mas não é só. Hábitos ruins que cultivamos ao longo da vida, como o contato frequente com sons altos e ambientes barulhentos (nunca gostei) podem agravar o processo de perda auditiva, que é contínuo. Quanto mais as células são perdidas, maior é a dificuldade auditiva. E pessoas que não escutam bem podem ter problemas de relacionamento, muitas preferem o isolamento, o que pode levar à depressão e até a demência.
“Ainda percebemos a forte resistência dos idosos em admitir a perda auditiva. Muitos relutam por vários anos. Com isso, o convívio em família fica mais difícil. Entre casais, é um fardo pesado para o marido ou a esposa conviver com alguém que simplesmente finge que a dificuldade de ouvir não existe. Por isso, é importante tentar convencer o idoso a buscar tratamento. O tratamento é a adaptação a aparelhos auditivos, isso traz melhorias significativas à comunicação e à qualidade de vida”, afirma a fonoaudióloga Rafaella Cardoso, especialista em soluções auditivas.
O processo de perda auditiva é diferente em cada indivíduo. Depende de vários fatores, inclusive genéticos. No entanto, depois dos 65 anos, essa perda, conhecida como presbiacusia, tende a ser mais severa. Por isso, o melhor é procurar um otorrinolaringologista aos primeiros sinais.
“O uso diário do aparelho auditivo e o apoio da família são essenciais para que o idoso reduza a dependência e resgate a autoestima. Infelizmente, muitas vezes, quando se procura tratamento, o caso já ficou grave. A perda de audição é lenta e progressiva. Com o decorrer dos anos, se não for tratada, atinge um estágio mais avançado”, explica a fonoaudióloga.
Cuidar da saúde auditiva é tão importante quanto cuidar do resto do corpo. E a tecnologia está cada vez mais avançada. “Os modernos aparelhos auditivos digitais, bem pequenos, otimizam a audição sem constrangimentos, facilitando, inclusive, a interação com o mundo virtual por meio de conexão sem fios com laptops, celulares e outros eletrônicos”, explica Rafaella Cardoso
Entre os sintomas do problema estão assistir à TV em volume mais alto do que as outras pessoas; não ouvir quando é chamado por alguém que não está à frente ou se encontra em outro cômodo; pedir com frequência às pessoas que repitam o que disseram; ficar embaraçado ao não entender o que outro diz pelo telefone; e também fazer uso de leitura labial durante uma conversa.