A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 8% da população mundial faz compras por compulsão. E o transtorno da compra compulsiva é conhecido como oniomania, conforme explica Camila Mendonça, professora de psicologia. "A oniomania tem se tornado um tema recorrente de pesquisas e estudos na contemporaneidade, acontecendo no mesmo tempo que nos deparamos com uma sociedade que funciona no modo fast food, tudo para ontem e de modo turbo, não deixando espaço para os sujeitos criarem laços com outras pessoas", explica a psicóloga.
Ela reforça que as pessoas que consomem compulsivamente buscam preencher faltas e vazios. "Uma sociedade que opera em ritmo de produção começa a exigir rendimentos e com isso perdemos em tempo de convívio social com familiares, amigos, amores e tempo para elaborar nossos desejos. Então, o sujeito vê no ato de comprar o preenchimento do que falta. Porém, é um sentimento momentâneo que precisa ser reabastecido em uma curta duração de tempo, aí o sujeito compra fazendo estoques de objetos que não serão utilizados, criando uma espécie de depósito, que simbolicamente remete ao próprio sujeito em busca de alguma coisa para preencher seu vazio."
Com a pandemia, comportamentos compulsivos aumentaram em todo o mundo, incluindo o ato de comprar. Camila Mendonça afirma que o distanciamento social e as incertezas contribuíram para o crescimento de ações compulsivas. "O sujeito se viu isolado de familiares, amigos, de toda uma rotina e inclusive deixando para depois alguns de seus sonhos. Os encontros de domingo em família, happy hour com colegas de trabalho, churrasco com amigos, tudo foi virando uma memória de algo vivenciado um tempo atrás. Sujeito em isolamento, se adaptando a vida virtual, on-line o tempo todo, um espaço que tudo é possível e de forma ilimitada."
A psicóloga explica que antes da pandemia eram maiores as possibilidades de estar com outras pessoas e tentar formar laços sociais, e mesmo assim sentir o vazio. "Com a pandemia, tudo foi retirado da normalidade que conhecíamos, o desconhecido aumenta, nossos arranjos simbólicos de sobrevivência despencam numa proporção que podemos pensar se é o nosso vazio que aumenta. E para não tornar totalmente insustentável, procuramos formas de sustentar a nós mesmos. Com a internet, tudo em promoção, preços menores, variedades de objetos, tudo se torna atrativo. Simbolicamente pensando, aumenta a oferta de objetos, na mesma proporção eleva nossa busca por preencher o vazio?", reflete Camila.
Identificar se uma pessoa está com oniomania não é algo simples, já que a oniomania opera dentro do aspecto psíquico, conforme explica Camila. "A própria pessoa e pessoas próximas podem notar certas diferenças, como o acúmulo de objeto que não são utilizados, aumento de dívidas, gastar além do próprio salário e situações que possam prejudicar a pessoa e a terceiros. Por isso é importante que a pessoa e sua rede de apoio consigam buscar por profissionais que possam acompanhar o caso. Importante destacar que a pessoa pode estar em sofrimento psíquico em decorrência do sintoma de oniomania, portanto, valores de juízo, apontamentos e culpabilizar não resolverá a situação. Ao observar que você ou alguém próximo pode estar em sofrimento, sinalize e busque profissionais que possam ter uma escuta ética e ajudar no processo."
A professora defende que a ajuda profissional é um caminho para evitar as compras por compulsão. "Se formos pensar o sujeito contemporâneo, estamos atravessados por diversas questões e sintomas, que causam angústia e questionamentos existenciais. Seria interessante que todas as pessoas pudessem ter acesso ao atendimento psicológico, principalmente com as mudanças advindas com a pandemia. Oniomania é um desses sintomas que tem aparecido mais atualmente, de sujeitos em busca de algo a ser preenchido ou conquistado. É interessante que eles busquem por apoio profissional."
A terapia é um dos caminhos para tratar a oniomania. "Com o apoio de profissionais da psicologia, os sujeitos com sintomas de oniomania podem trazer para o espaço dos atendimentos o que tem causado angústia, dores e questionamentos. O que tem acontecido para sentir a necessidade de preencher o vazio com objetos que não serão utilizados e muitas das vezes descartados. Talvez, em alguns casos, seja necessário o trabalho interdisciplinar do psicólogo com profissionais de outras áreas”, conclui Camila Mendonça.