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Estado de Minas SAÚDE

Tratamento contra o câncer pode ter efeitos neurológicos

Médico explica os efeitos mais comuns no sistema nervoso e alerta para a necessidade de que os cuidados sejam oferecidos por uma equipe multidisciplinar


14/12/2021 04:00 - atualizado 14/12/2021 03:08

Ilustração mostra rosto de homem e seringa
 

 

A luta contra o câncer é um verdadeiro desafio, não apenas pelo estigma que envolve a doença e o esforço necessário para tratá-la, mas também pelo fato de poder prejudicar severamente a qualidade de vida do paciente. Isso porque o câncer e os métodos utilizados para tratá-lo podem gerar complicações que podem afetar todo o organismo.

É extremamente comum, por exemplo, que pacientes com câncer sofram de complicações neurológicas. “Complicações no cérebro, medula e nervos são frequentes nos pacientes que estão em tratamento do câncer, mesmo que a doença não tenha origem no cérebro ou nos nervos do paciente. Isso pode ocorrer por conta dos efeitos colaterais dos tratamentos, como a quimioterapia e radioterapia, e também, em alguns casos, por infiltração do tumor no sistema nervoso”, afirma Gabriel Novaes de Rezende Batistella, médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA), que explicou abaixo em maior profundidade de que formas diversos tipos de câncer podem afetar o sistema nervoso:

1) Por que o câncer causa complicações neurológicas?

A maioria dessas complicações são decorrentes do tratamento contra o câncer e seus sintomas. Por exemplo, o tratamento contra o câncer de mama pode causar alterações na memória e na velocidade de processamento cerebral, assim como formigamentos pelo corpo pelo tratamento poder atacar os nervos do paciente. Já alguns tumores tratados com imunoterapia podem gerar quadros semelhantes a uma meningite bacteriana (neste caso, inflamatória), quadros de paralisia das pernas, como síndrome de Guillain-Barre, miastenia, entre outros. Dores de cabeça, crises epilépticas, tremores e alterações do paladar e olfato também podem ocorrer durante o tratamento dos pacientes com câncer. Isto justifica a importante participação de um neurologista no mundo da oncologia, justamente para evitar sequelas e fortalecer a relação do paciente com o oncologista e o tratamento como um todo.

2) Quais são as complicações neurológicas mais comuns?
As complicações mais frequentes costumam ser alterações do estado mental (confusão, sonolência, agitação e alterações de memória), dores nas costas, alterações de sensibilidade (formigamentos e dores), crises epilépticas, dores de cabeça, alterações na visão e fraqueza, que pode ser generalizada, afetar apenas um lado do corpo ou uma região específica, como as pernas, e até mesmo configurar quadros de isquemia, o famoso AVC.

3) Essas complicações podem ser causadas por qualquer tipo de câncer?
Sim. Mas é claro que vemos essas complicações com maior frequência em alguns tipos, justamente por existirem protocolos de tratamento bem estabelecidos para certos tumores, como é o caso do câncer de mama, pulmão, cólon, pâncreas, fígado e pele. Porém, não podemos culpar somente o tratamento desses tumores, pois alguns deles também possuem maior chance de alcançarem o cérebro na forma de metástase, como o câncer de mama, pulmão e pele (melanoma). Além disso, existem formas bem mais raras de agressão ao sistema nervoso mediadas pelo próprio sistema imune do paciente, que são chamadas de síndromes paraneoplásicas.

4) Essas complicações se dão pelo câncer em si ou pelo tratamento?
Existem as duas possibilidades. Mas os pacientes se depararão com maior frequência com as complicações dos tratamentos contra o câncer, como quimioterapia, radioterapia, imunoterapia e terapias-alvo. Geralmente, pacientes que não são curados após um procedimento cirúrgico ou que, mesmo após uma excelente cirurgia, precisam complementar o tratamento necessitam de remédios, como os quimioterápicos, que circulam no corpo todo e podem machucar tecidos que não são câncer, o que causa diversos efeitos colaterais, como náusea, diarreia, queda de cabelo e danos ao cérebro e nervos.

5) Essas complicações têm tratamento?
Sim. E, de preferência, temos que tratá-las ao mesmo tempo que o câncer, pois, caso o acometimento neurológico seja grave, pode ser necessário que o paciente pare com a quimioterapia, radioterapia ou imunoterapia. Por isso a presença de um neurologista com conhecimentos específicos ou de um neuro-oncologista pode fazer toda a diferença na qualidade do tratamento oncológico do paciente, evitando sequelas e promovendo a reabilitação quando necessário.

6) As complicações neurológicas podem deixar sequelas?

Infelizmente, algumas complicações podem ser permanentes. Mas, na maioria dos casos, podemos criar estratégias para estimular uma recuperação neurológica e tornar essa sequela algo quase ou totalmente imperceptível, assim não afetando em nada a qualidade de vida do paciente. Felizmente, não é incorreto dizer que a maior parte das queixas comuns somem com tratamentos simples ou reajustes dos remédios, o que é uma boa notícia para quem está passando por esse processo.

7) É possível evitar essas complicações?
Especialistas e cientistas constantemente buscam formas de proteger o cérebro e os nervos das complicações neuro-oncológicas, por exemplo, em crianças que vão receber radioterapia no cérebro ou que usam quimioterapias que afetam a audição. E avanços apontam que em breve conseguiremos. Mas ainda devemos tentar individualizar cada caso, buscando sempre trabalhar em conjunto com a oncologia. Existem formas de evitar alguns sintomas esperados da quimioterapia, como fazer a infusão dos medicamentos de forma mais lenta, tratar antecipadamente sintomas de dor, evitar o agravamento de doenças que prejudicam os nervos, como diabetes, hipertensão etc.

8) As complicações neurológicas podem ajudar a identificar um câncer ainda não descoberto?
Existem as complicações que chamamos de síndromes paraneoplásicas, que ocorrem quando o sistema imune do paciente passa a atacar o cérebro, nervos e músculos por considerá-los corpos estranhos. Felizmente, é algo raro, mas pode ser o primeiro sinal da existência de um tumor no pulmão ou mama, que costumam ser os locais mais afetados. No geral, o paciente pode apresentar fraqueza muscular, que atrapalha andar ou subir escadas e vai piorando com o tempo, dificuldades de manter a coordenação do corpo, sonolência, confusão mental e alterações de humor não explicadas por outros motivos. Nesses casos, é preciso buscar um especialista com amplo conhecimento não só para identificar o quadro, mas também para tratá-lo.



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