Quando comprei a casa onde moro há mais de 50 anos, ela tinha uma latada de uvas no fundo do lote, um pé de abacate, um pé de manga sapatinho e terra, muita terra no restante do terreno. Arranquei a latada de uvas, mudei o pé de manga para o fim do terreno e fiz umas mil melhorias. Atualmente, sou cercada de verde, tenho frutas variadas, como goiaba, uma ou outra laranja, muito abacate e, glória das glórias, cinco pés de jabuticaba, três deles frutificando. Uma das minhas trepadeiras, que dá na entrada e nos fundos da casa, congeia, chama a atenção. E as orquídeas, que este ano não deram muitas flores, mas estão praticamente em todas as árvores.
O resultado de tanto verde é uma profusão de pássaros voando de lá pra cá o tempo todo. O casal de joão-de-barro é muito grande e ainda não descobri até hoje onde é que eles fizeram o ninho. Volta e meia recebo a visita de uma manada de macaquinhos, que trato com muita banana, que recebem quase na boca, e de tucanos que colorem o entorno da varanda. As pombas são verdadeiras, e meu sobrinho que é médico já me mandou várias vezes acabar com elas, porque dão uma doença muito grave. Como não deram até hoje, acredito que não vão dar mais.
Os passarinhos se dão tão bem com o ambiente e respeitam quem circula pelo jardim; às vezes acredito que eles vão pousar no meu ombro, de tão perto chegam. Eles devem sentir um fluido bom, porque, mesmo com essa chuvarada, estão firmes. Fechei há anos a chaminé da lareira, porque as andorinhas cismaram de fazer seu ninho na sua boca de saída de fumaça. Não entendi muito bem quando apareciam filhotes caindo na minha sala, com a maior falta de cerimônia, até que descobri o truque. Resultado: nunca mais botei fogo na lareira, para não acabar com as andorinhas. No último Natal, montei o grupo de cantores no lugar que normalmente a lenha é colocada para ser acesa. O resultado foi que todas as figuras, quando foram retiradas, estavam cobertas de cocô de passarinho.
Mas o caso mais lendário dessa passarada que felizmente vive em minha casa é o do sabiá. Quando coloquei janelas com vidro em torno da área social, notei, uma certa manhã, o passarinho bicando o vidro. Avaliei que ele estivesse vendo sua figura refletida ali. Espantei ele de lá, mas não adiantou nada. Ele passou a ir toda manhã bater seu bico no vidro. Ia e voltava, sem desistir. Até que resolvi abrir a janela para ver o que acontecia. O sabiá tratou logo de entrar para a minha sala e ficar lá, bem apoiado onde encontrasse encosto. Fez isso por semanas e semanas, deixando, é claro, seu rastro de cocô por onde quer que passasse. Como não desistia, fui ao Mercado Central e comprei uma gaiola bem grande para colocar o sabiá.
Parece que ele gostou e se acostumou, porque ficou morando lá numa boa. Com ração, água e fruta à vontade. A graça é que, para ir para a gaiola, peguei ele com minha mão, como se fosse um pinto. Convivemos assim durante muito tempo, até que saí de férias e minhas empregadas, que eram ótimas, minhas amigas sinceras (ficaram comigo mais de 40 anos, até morrer), cuidavam do sabiá com todo carinho. Quando voltei, apesar de todo carinho e tratamento, o sabiá tinha morrido. E foi enterrado no jardim, com todo desvelo. Para minha vaidade pessoal, acredito que ele morreu foi de saudade – mas ele deve ter morrido mesmo é de idade.