As férias são o momento mais aguardado do ano por toda criança. É hora de fazer uma pausa nos estudos, relaxar e se divertir com os amigos e a família. Esse período já foi sinônimo de apreensão e insegurança aos pais de crianças com hemofilia, pois as brincadeiras poderiam levar os pequenos a baterem a cabeça ou a outros machucados pelo corpo, o que poderia transformar momentos alegres em verdadeiras preocupações.
Isso porque a hemofilia é uma doença rara e hereditária, caracterizada por um distúrbio hemorrágico em que o sangue não coagula corretamente, levando as pessoas a sangrarem por mais tempo e em frequência maior do que o normal. Na hemofilia A, há deficiência no fator VIII de coagulação do sangue, enquanto que na hemofilia B o fator IX é o faltante. O medo de sangramentos prolongados deixa os pais inseguros, principalmente quando as crianças querem correr, escalar e brincar sem levar em consideração sua condição. Essas atividades podem levar a quedas que ocasionam sangramentos ou lesões mais graves.
É o que acontecia com João Lucas. Com apenas 1 ano de idade, o garoto foi diagnosticado com hemofilia A grave após uma coleta de sangue ter deixado seu braço todo inchado. Seu pai, Lucas Schirmer, que hoje preside a Associação Paranaense dos Hemofílicos, relembrou o episódio traumático e disse que não conhecia quase nada sobre a doença na época. "Acho que eu não fui nessa aula da escola", brincou. "É tipo um universo novo." João adora jogar futebol, o que sempre levou a muitos machucados e idas ao Hemepar – Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná.
Felizmente, as opções de tratamentos de profilaxia geraram mais segurança à comunidade da hemofilia. Um desses tratamentos consiste, atualmente, na administração intravenosa regular do fator de coagulação faltante. João costumava realizar as aplicações três vezes por semana. Logo no começo da vida, o garoto desenvolveu um inibidor que fez com que ele não respondesse mais à terapia de reposição com o fator VIII. Seu tratamento passou por adaptações difíceis, e houve uma época complicada em que os pais precisavam levá-lo ao hemocentro praticamente todos os dias. Até hoje, com 9 anos de idade, teme agulhas depois de tantas infusões ao longo da vida. "A gente meio que estafou mentalmente”, lembrou o pai.
As inovações científicas têm buscado opções mais acessíveis, confortáveis e efetivas para que as crianças e suas famílias tenham uma vida com mais liberdade e qualidade de vida. Recentemente, João começou um novo tratamento que gerou altas expectativas em toda a família. "Em termos de conforto, o tratamento é bem melhor", contou o pai, mencionando a necessidade de apenas uma aplicação semanal, já que o medicamento tem ação de longa duração, além de ser uma terapia subcutânea.
“As novas terapias propiciam a profilaxia adequada sem necessidade de infusão venosa, facilitando a adesão ao tratamento”, explicou Francine Doty Campoy, médica hematologista e pediatra em Blumenau. A hematologista destacou estudos que mostram redução significativa dos sangramentos com as novas terapias. “Além da maior comodidade para aplicação, essas terapias favorecem uma estabilidade na coagulação, o que propicia mais tranquilidade para a maioria dos pacientes”, completou.
Por ser uma condição crônica que acompanha as pessoas durante toda a vida, os cuidados adequados desde a infância ajudam a minimizar comprometimentos de saúde a longo prazo, melhorando a qualidade de vida e permitindo um crescimento saudável. Além de possibilitar uma vida com menos sequelas, isso garante o convívio social e a tranquilidade que as crianças merecem desfrutar – na escola, durante as férias e ao longo de toda a sua vida. Para as famílias, as inovações no tratamento também significam enfrentar a condição de uma forma mais otimista. Com as férias, Lucas Schirmer se sente mais seguro em deixar o filho se divertir livremente, e aguarda que a incidência de lesões e machucados diminuam.
No Brasil, existem 13 mil pessoas vivendo com a hemofilia, segundo o Ministério da Saúde. Há dois tipos desta condição genética, que afeta quase na sua totalidade o sexo masculino: a hemofilia A, mais comum, e a hemofilia B. A diferença está em qual fator de coagulação do sangue é deficiente no organismo da pessoa.