Tarde dessas, de tédio, resolvi assistir ao filme “Gandhi”, com mais de três horas de duração. Não podia ter feito escolha melhor, porque há anos sou admiradora de Mahatma Gandhi (1869-1948), sobre cuja vida já li e reli em livros, vi e revi em outros filmes. Não foi sem razão que Ben Kingsley ganhou um Oscar por seu desempenho.
O filme é uma maravilha, o melhor que já vi sobre o assunto. E como sou muito enfronhada na história, ia sacando o que ia acontecer, porque o roteiro não furta à realidade da história. Até que a vida de Gandhi terminou, com suas cinzas jogadas no Rio Ganges.
Nunca fui à Índia. Mas admirava minha irmã, mais velha do que eu, que se foi no segundo ano da COVID, deixando a recomendação de que suas cinzas fossem lançadas no rio indiano. Deixou por escrito, ela era firme em suas intenções. E tinha pela Índia admiração cultural e social imensa.
Ocorreu com ela um acontecimento com o qual a família sempre implicou, mas confirmado por alguns de seus companheiros de viagem. Algumas vezes em que chegou por lá, um indiano se aproximou dela e falou que estava ali esperando a sua chegada. E gostaria, se não se importasse, de acompanhá-la em seus passeios turísticos. Minha irmã nunca tinha visto o homem, não conhecia ninguém na cidade, mas como era diferente, ligada aos acontecimentos inesperados da vida, concordou com a oferta.
O indiano foi seu acompanhante neste primeiro encontro e em vários outros, pois ela não ia para o outro lado do mundo sem passar pela Índia. Toda vez que chegava, ele estava lá para acompanhá-la, como se tivesse sido avisado. Ela contava como ele se comportava e como a guiava por lugares que não apareciam nos programas turísticos.
Conto isso como pura verdade, não estou inventando nada e ela também não inventava. Por causa disso, a família achou normal que minha irmã tivesse recomendado que levassem suas cinzas para serem jogadas no Ganges.
Criado o problema, ficou a dúvida: como passar por diversas alfândegas até desembarcar na Índia carregando uma bagagem de cinzas? A solução proposta foi aceita. Fizemos o enterro de parte das cinzas no fundo da casa da família que ela escolheu para morar, durante vários anos, em Santa Luzia, revivendo a moradia que estava em péssimo estado, na rua principal da cidade, logo abaixo da igreja.
Nesta casa singela, que funcionou durante muitos e muitos anos como agência dos Correios, morou minha tia Aramita Vianna com o irmão Raul. Ela tomava conta da agência e quando o irmão morreu, abriu mão da profissão para morar com a família. Ficou algum tempo em nossa casa, onde começou a se tratar de um câncer, até que se mudou para o Rio de Janeiro, onde foi morar com a irmã, Elisa Gonçalves, mãe da prima internacionalmente famosa Elisinha Gonçalves Moreira Salles. Lá morreu e lá foi enterrada.
Quanto à divisão das cinzas da minha irmã, elas estão aguardando a caravana familiar que vai cumprir as vontades desta mulher que sabia o que queria. Quando resolveu ser artista plástica, abriu uma escola na cidade, de onde surgiram artistas conhecidos até hoje. Cansou-se da escola e foi morar em Santa Luzia. Viajada pelo mundo inteiro, reviveu os padrões luzienses, visitando e recebendo parentes e amigos. Tentou até abrir uma lojinha de artesanato na área que originalmente funcionava como os Correios.
Não deu certo. E ela mudou sua ação para fazer quantidade incontável de compotas, recuperar a casa, enfeitar as paredes com muitos e muitos quadros. O que ela não podia era parar.
Agora, os sobrinhos estão esperando a pandemia acabar para levar suas cinzas para jogar no Ganges. Fico só imaginando se o amigo dela vai aparecer para a despedida final.