O SUS virou bandeira para pedido de contribuições daquele tipo que bate em nossa porta, com a maior história para contar a respeito do não atendimento. A reclamação geral é que o atendimento é demorado, e mais demorado ainda é o tratamento recomendado.
Quando esse serviço foi implantado no país, era mesmo o que acontecia. Atualmente, tenho recebido informações de que a maioria das consultas demoram bem – como, aliás, ocorre com planos de saúde pagos –, mas o tratamento recomendado é mais rápido. Porém, a fama ficou, e pacientes que poderiam ser tratados facilmente pelo SUS se negam a esperar, partindo para o peditório que não tem fim.
Na semana passada, recebi na porta da minha casa um homem que queria falar comigo – só comigo. Quando lá fui, ele informou que tinha sido motorista da linha de ônibus do bairro durante muitos anos e tinha de fazer tratamento que demoraria muito no SUS e podia morrer esperando. Tinha, inclusive, exames quase apagados na mão, para mostrar sua necessidade.
Conheço um pouco desse comportamento depois que uma sobrinha, formada em medicina em São Paulo, foi trabalhar no SUS. Teve de ficar esperta, pois viu logo que algumas pessoas faziam do sistema uma forma de ficarem de licença. Se você não está alerta, o SUS se transforma em truque para não trabalhar – sem estar doente. Racionalmente, o próprio cidadão consegue prejudicar o serviço que o governo pretende prestar honestamente.
Alguns problemas, entretanto, provocam a reação contrária, por causa da demora e do alto custo de tratamento. Como o câncer, que acaba de ser escolhido por 63% dos brasileiros como a doença que deve ser tratada como prioridade pelos governos.
Os dados foram revelados na pesquisa Datafolha/Oncoguia “Percepções da população brasileira sobre o câncer”, apresentada na abertura do 12º Fórum Nacional Oncoguia, no final de abril. Foram realizadas 2.099 entrevistas em 151 municípios brasileiros.
O levantamento foi desenvolvido sob três pilares: as percepções do cidadão diante da palavra câncer, a proximidade da doença com os brasileiros e a relevância do câncer como questão de saúde no país.
Questionados sobre o que vem à mente diante da palavra câncer, 42% trouxeram sentimentos negativos, com muitas menções às palavras morte e morrer. Palavras como doença, dor, medo, tristeza e sofrimento também aparecem com maior frequência. Menções a tratamento e cura foram feitas por apenas 14% e 9% dos entrevistados, respectivamente.
“Esse dado nos mostra o quanto precisamos seguir conscientizando a população sobre prevenção, diagnóstico precoce e novidades no mundo do câncer. Ter câncer não é igual a morrer. Isso dependerá de acesso à informação, mas também do acesso a cuidados com a saúde. A percepção negativa do câncer pode ser paralisante, impedindo que as pessoas se cuidem adequadamente, procurem ajuda diante de sintomas e até se afastem de quem enfrenta a doença e precisa de ajuda”, destacou a presidente do Instituto Oconguia, Luciana Holtz.
Segundo o estudo, oito em cada 10 brasileiros já tiveram algum conhecido com câncer; quatro em cada 10 já tiveram ou têm algum familiar com a doença. Já 5% declararam ser o próprio paciente.
De forma pioneira e inédita, a pesquisa perguntou aos brasileiros quais devem ser “as” doenças priorizadas pelo governo entre as DCNTs (doenças crônicas não transmissíveis), e 63% escolheram o câncer em primeiro lugar. Em segundo lugar, com 8%, figura a preocupação com o consumo abusivo de álcool e doenças cardiovasculares.
“Estamos diante de uma população tocada e impactada negativamente pelo câncer, mas que compreende a sua relevância e pede aos governos que o priorizem. Que esse contexto pertinente, urgente e de enorme relevância social de fato ganhe a priorização que a população e todos os que defendem a causa pedem. Precisamos e podemos salvar vidas”, concluiu Luciana Holtz.