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Estado de Minas ANNA MARINA

Mulheres negras são alvo de discurso depreciativo nas redes sociais

Estudo aponta que negras entre 20 e 35 anos representam 81% das vítimas de ofensas na internet


25/05/2022 04:00 - atualizado 24/05/2022 23:29

Ilustração mostra enorme mão ameaçando uma pessoa com as mãos levantadas

 
Estamos vivendo um mundo no qual muitas pessoas dizem que o “politicamente correto” está com um certo exagero. Sim, podemos dizer isso, porém, temos que passar a ver essas questões pelo olhar do outro.
 
Geralmente, as questões que surgem são levantadas por um grupo que vem – há anos – sofrendo preconceito ou bullying. E, na maioria das vezes, as pessoas que reclamam das novas posturas sociais, que colocam determinadas coisas como sendo politicamente incorretas, são exatamente aquelas pertencentes ao grupo que nunca sofreu preconceito de nenhum tipo e, pior ainda, pertencem ao grupo que faz o bullyng e pratica o preconceito, mesmo que elas nunca tenham participado de nada assim. Será?
 
Outro dia, conversando com minha filha, falamos do racismo estrutural. Ele existe, e não nos damos conta disso. Quantas pessoas não se referem ao móvel de apoio que temos ao lado da cama como “criado-mudo”? Crescemos ouvindo isso; para nós, é simplesmente um nome, mas, de repente, graças aos tempos atuais que nos alertam para respeitar mais o outro, passamos a pensar antes de simplesmente continuar repetindo palavras. Esse nome foi dado porque, séculos atrás, quem fazia este papel de apoio era um escravo, que ficava de pé, horas a fio, com as mãos segurando uma bandeja, para apoiar tudo o que fosse preciso. E não podia emitir um único som. Ir ao banheiro então, nem pensar.
 
Estou tocando neste assunto por causa de um programa de televisão, semana passada, no qual, ingenuamente, um dos participantes, ao se fantasiar de africano, pintou o corpo de preto. Sem dúvida nenhuma isso não seria necessário, bastaria ter colocado a fantasia e os acessórios. O pintar o rosto ou corpo era uma coisa que se fazia há muitos anos de forma caricata e, também há muitos anos, passou a ser ofensiva, inclusive em carnavais.
 

Mulheres pretas com cabelo natural são vistas como menos profissionais no ambiente de trabalho em relação àquelas que alisam os fios

Segundo Deives Rezende Filho, especialista em ética, diversidade e inclusão, e fundador e CEO da Condurú Consultoria, uma das formas de racismo estrutural é o racismo recreativo. Quantas vezes você já viu memes que comparam pessoas brancas com pessoas negras como forma de humor? Normalmente, as características de pessoas negras são colocadas de forma pejorativa em prol da “piada”, que é qualificada como racismo recreativo. As maiores vítimas deste tipo de violência na internet são as mulheres negras, segundo os dados da tese de doutorado defendida na Universidade de Southampton, na Inglaterra, pelo pesquisador brasileiro e Ph.D em sociologia Luiz Valério Trindade.
 
De acordo com o estudo, que teve mais de 109 páginas de Facebook e 16 mil perfis de usuários analisados, 81% das vítimas de discurso depreciativo nas redes sociais são mulheres negras entre 20 e 35 anos. Deives diz que o racismo recreativo não está presente apenas na internet, mas por meio de piadas cotidianas em programas de televisão, filmes, séries etc. “Nos anos 1980, o humorista Mussum fazia grande sucesso como um alcoólatra que fazia piadas sobre sua condição de homem negro. O humor racista é uma estratégia para manter as estruturas raciais de privilégio branco ao reproduzir sátiras que perpetuam violências contra a população negra. As piadas expressam diversos estereótipos negativos da população negra, fomentando a ideia de que as mesmas não podem ter respeito social.”
 

O humor racista é uma estratégia para manter as estruturas raciais de privilégio branco ao reproduzir sátiras que perpetuam violências contra a população negra

O racismo recreativo carrega uma problemática ainda maior que, aos indivíduos serem acusados de racismo, tentam se afastar da culpa com o pressuposto do humor. Num contexto global, uma das situações mais comentadas neste ano foi o caso da cerimônia do Oscar, quando o comediante Chris Rock fez uma piada sobre os cabelos de Jada Smith, que sofre de alopecia.
 
A “brincadeira” reforça, além de um lugar de dor, estereótipos relacionados a mulheres negras. Uma pesquisa da Universidade Duke, nos Estados Unidos, mostra que mulheres pretas com cabelo natural são vistas como menos profissionais no ambiente de trabalho em relação àquelas que alisam os fios. “É importante destacar que, mesmo que a piada tenha vindo de um homem negro, é uma forma de reprodução do racismo recreativo. Entretanto, pessoas negras não são racistas, e sim vítimas dessa estrutura social, assim como as mulheres não podem ser machistas, e sim reproduzir o machismo.”

* Isabela Teixeira da Costa/Interina

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