Jornal Estado de Minas

Anna Marina

O adeus do médico Carlos Figueroa

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Esta semana perdemos o médico Carlos Camilo Smith Figueroa, mais conhecido como Carlos Figueroa, um dos maiores cirurgiões cardiovasculares que nós já tivemos. Para quem não sabe, ele fez o primeiro transplante de coração de Minas Gerais, em 1986, em uma mulher chamada Maria Geracinda. Este também foi o primeiro transplante em uma mulher, no Brasil – e foi também o primeiro transplante do mundo em um paciente com doença de Chagas. Discreto, nunca fez alarde disso.





Figueroa nasceu no Peru, em uma cidade chamada Putina, em Puno, região onde seu pai trabalhava como capataz de uma fazenda. Passou a infância ali, depois se mudou para Arequipa para estudar. Veio para o Brasil com o irmão, Enrique – dois anos mais velho que ele –, para estudar e ganhar a vida, pois eram de família muito pobre. Fizeram agronomia juntos, profissão que o irmão seguiu, radicado na Bahia, mas que ele não gostou. Talvez por influência da irmã mais velha, Candelária, que era enfermeira, ele decidiu fazer medicina. Estudou na UFMG, onde, depois, foi professor.

Depois de formado, foi para São Paulo fazer residência com Zerbine, que queria mantê-lo em sua equipe, mas Carlos Figueroa preferiu retornar para Belo Horizonte, e trabalhou até 2017 no Hospital Felício Rocho. Teve três filhos, Luiz Carlos e Daniel, frutos do primeiro casamento, e Camilla, do segundo.

Conheci doutor Figueroa quando minha mãe precisou fazer uma cirurgia cardíaca, aos 82 anos. Precisava trocar a válvula. Era isso ou morreria na próxima crise de edema pulmonar, diagnóstico feito pelo doutor Samuel Vianney, e o que ele falava era uma ordem para minha mãe, tamanha confiança que tinha e continua tendo nele. Quando ela decidiu operar, foram citados dois nomes: Bayard, amigo do meu irmão mais velho, e Figueroa, que ninguém conhecia, mas a fama da sua competência o precedia. Ambos eram excelentes.





Minha filha Luisa tem uma amiga desde os 2 anos de idade, a Camilla. Foram colegas no Colibri e as duas mudaram para o Izabela Hendrix, sem nenhuma combinação entre nós, e se reencontraram no ano seguinte na mesma sala. Na pré-adolescência e adolescência, costumava passar fim de semana e até feriado na fazenda do pai da Camilla, em Florestal, próximo a Pará de Minas. Eu combinava tudo com a mulher dele, Dôra. Luisa sempre dizia que o pai dela era muito legal, bonzinho e engraçado. Camilla era de casa. Minha mãe a amava, brincavam muito uma com a outra, sem a menor cerimônia.

No dia de decidir sobre a cirurgia da minha mãe, Luisa estava em seu quarto e escutou a conversa sobre a operação e, na mesma hora, disse: “Esse é o pai da Camilla”.

Na mesma hora, minha mãe tomou a decisão. Era ele. Consulta agendada na hora. Ele nos recebeu com um carinho, simpatia e delicadeza que nos marcou, e Luisa disse que ele era assim. Tímido no primeiro momento, discreto, tinha no consultório um quadro com paisagem bonita. Era sua cidade no Peru.

Operou minha mãe. No dia seguinte, foi à UTI Cardíaca e pediu a bandeja para curativo. O CTI parou. Toda a equipe se aglomerou na frente do box onde minha mãe estava para ver uma cena inédita – segundo eles, Carlos Figueroa trocando curativo de um paciente. Pois essa cena se repetiu por todos os dias que minha esteve ali.





O anestesista Sérgio Botrel, outro grande amigo e excelente profissional, sempre operava com ele. Os dois combinavam como poucos, e eram muito engraçados. Sérgio imitava Figueroa, passavam trote, e dizia ao amigo “Figueroa, você é um médico do Peru”. De fato, em todos os sentidos. Certa vez, Botrel me disse que se ele tivesse optado por ficar em São Paulo, provavelmente teria sido maior que Zerbine. Sorte nossa que escolher Belo Horizonte.

Sábio, sempre disse que pararia de operar quando ainda estivesse bem. Parou em 2017. Em 2019, sofreu um AVC. Agora, teve uma gripe, as coisas se complicaram e nós perdemos um grande médico e um homem simples, íntegro e com um caráter exemplar. Este salvou muitas vidas.

(Isabela Teixeira da Costa/Interina)