Já contei aqui, mas não custa repetir que fui das primeiras pessoas desta cidade a comprar um celular. A informação me foi passada por Fábio Castro, filho da minha saudosa amiga Helena Castro. Ele telefonou, me deu o endereço da novidade e disse que o preço compensava o risco. Não tenho certeza, mas o preço girava em torno de R$ 260.
Fui até lá, comprei a novidade e recebi um “tijolo”, que era do tamanho do telefone. Foi tão útil que fui parar com o meu até nos Estados Unidos. Usei, até que meu marido morreu e joguei o aparelho fora.
Tomei horror, porque a novidade simplesmente acabava com o prazer de encontrar amigos, de imaginar como seria a decoração de uma festa e por aí vai. Fiquei livre do telefone e dessa mania terrível, que ataca em todas as frentes, de acreditar nas fake news que desafiam inteligências respeitáveis.
O celular pode até ser auxiliar precioso para quem quer saber de tudo de política, de economia, de gente que conhece ou que gostaria de conhecer, para comprovar amizades inexistentes e outras tolices da vida atual.
Na década passada, o cyberbullying já era assunto muito comentado. Hoje, fala-se também sobre como o número excessivo de horas em frente às telas pode ser prejudicial ao modo como enxergamos a nós mesmos e à vida. Ou seja, o tamanho da influência das redes sociais sobre a saúde mental e seus efeitos vêm sendo analisados há algum tempo e a tendência é de que esse tema esteja cada vez mais em pauta.
Isso nada mais é do que prova da importância de ter olhar crítico frente aos possíveis efeitos que as redes têm sobre a saúde da mente, reitera Sérgio Rocha, médico psiquiatra e diretor da Clínica Revitalis, referência em tratamento de saúde mental.
O profissional explica que esses possíveis efeitos não são notáveis apenas no dia a dia, mas também a longo prazo. O mesmo é explicitado em estudo realizado no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Alagoas, que analisou os impactos das mídias sociais sobre o funcionamento mental de adolescentes. As consequências podem ser observadas em alterações nas relações sociais dos jovens, por exemplo.
Por conta do excessivo uso das redes, muitas pessoas acabam por desenvolver a distorção de autoimagem ou, em termos mais técnicos, transtorno dismórfico corporal. Em suma, trata-se de um transtorno psicológico em que prevalece a percepção distorcida do próprio corpo, fazendo com que a pessoa superestime pequenas imperfeições ou até mesmo imagine essas imperfeições, inexistentes até então.
O excesso de exposição a imagens de corpos perfeitos e a comparação com seu próprio corpo, consequência de passar muito do seu tempo nas redes sociais observando as vidas e aparências alheias, pode estar associado ao aumento da prevalência do transtorno.
Diferentemente dos tempos anteriores, em que nos comparávamos apenas com pessoas de nosso convívio ou, no máximo, com celebridades de revistas e TV, hoje somos bombardeados diariamente por imagens – escolhidas a dedo – das vidas de centenas, milhares de pessoas que, muitas vezes, nem sequer conhecemos.
Por isso, “o efeito desse conteúdo contínuo e constante pode ser realmente maléfico para nossas mentes e, principalmente, para nossa autoestima”, afirma Rocha.
Ao gastar nosso tempo livre rolando o feed ao longo do dia, acabamos não fazendo outras coisas. Por vezes, essa é uma escolha consciente, mas geralmente não é o caso. Acabamos abdicando de fazer outras coisas durante o tempo ocioso que temos, como ler, praticar esportes ou até mesmo passar tempo com a família e com amigos. A longo prazo, isso pode danificar relacionamentos, afastar amigos e fazer com que a pessoa perca seus hobbies. O hábito de “surfar na internet” vira prioridade.
Observar constante e diariamente as rotinas alheias também impacta diretamente nossas vidas, ainda que muitas vezes não estejamos conscientes disso. No entanto, esse efeito das redes sociais não necessariamente é algo negativo, pois podemos replicar práticas saudáveis de outras pessoas, como o costume de fazer exercícios físicos ou até mesmo o gosto pela leitura, e não apenas copiar os maus hábitos dos outros.
De qualquer forma, “é importante estar sempre consciente de nossas motivações quando fazemos algo”, adverte o profissional. Não é nenhuma novidade que as redes sociais são viciantes. Mas é preciso entender o porquê disso. Em resumo, nos tornamos dependentes da sensação de gratificação que os tais aplicativos nos proporcionam.
Por exemplo, ao postar foto, automaticamente esperamos pelos likes. Quando eles vêm, ficamos contentes. Mas e quando eles não vêm? Não é incomum ficar chateado quando algo que postamos não atingiu o número de pessoas esperado ou o número de likes que queríamos. Saiba que isso é intencional. Em longo prazo, isso pode desencadear frustrações crônicas, podendo inclusive levar a episódios de depressão.
Este tema é bastante explorado no documentário “Dilema das redes”, recomendado por Sérgio Rocha para melhor entender o impacto sobre nossos cérebros.
“Os likes nas redes sociais podem causar liberação de dopamina, neurotransmissor ligado à sensação de gratificação e excitação, semelhantes àqueles que ocorrem quando somos elogiados e reconhecidos por pessoas com quem interagimos na vida real. Portanto, não é difícil migrar para o ambiente virtual a busca dessas “recompensas” em forma de like. Podemos nos tornar viciados nesses estímulos, o que é muito perigoso”, acrescenta o psiquiatra.