Na coleção de operações que fazem do meu corpo um caderno especial de medicina, nunca falo muito da endometriose. E ela foi a primeira de uma série que, até provarem o contrário, terminou quando operei a coluna, recebendo como tratamento uma aplicação de cimento. Custo a crer, mas a aparente doideira é um tiro certo quando a coluna leva as brecas.
A endometriose começou em plena preparação para o carnaval, de que sempre gostei muito. Vários médicos apareceram em minha casa para diagnosticar a dor infeliz que eu sentia e só um deles, sem me examinar, cantou a pedra. O craque total foi José Salvador, que passou em minha casa depois do almoço e me levou direto para o Hospital Vera Cruz, onde operava, marcando a cirurgia para o dia seguinte.
Nunca imaginei que uma dor daquela aparecesse da noite para o dia, sem “aviso prévio”. Os impactos para quem sofre de endometriose são desafiadores. A doença, que se manifesta em 10% das mulheres em idade fértil, afeta a qualidade de vida e pode ter consequências mais graves, como a infertilidade. Os conflitos não são apenas físicos, mas também psicológicos. Por isso, ter o suporte de quem está ao lado se torna fundamental.
A endometriose é uma doença que afeta o tecido que reveste o útero, chamado de endométrio, fazendo com ele se espalhe por outros órgãos. Esse crescimento inadequado pode causar inflamações, aderências, dor intensa e até infertilidade. “É uma condição séria que afeta o bem-estar físico, emocional e social da mulher. A doença pode levar até 10 anos para ser diagnosticada, causando longos períodos de sofrimento”, salienta o ginecologista Patrick Bellelis, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Alguns sintomas são fadiga crônica, dor pélvica, relações sexuais dolorosas, constipação ou diarreia, problemas na bexiga e dores nas pernas e nas costas.
Saber como confortar uma mulher com esse diagnóstico pode ser complicado, e muitas vezes amigos e familiares ficam perdidos ao tentar dar apoio. O médico ressalta alguns pontos de atenção para quem pretende ajudar.
“Primeiramente, não é recomendável que a pessoa próxima dê conselhos técnicos. Às vezes, quando tentamos compartilhar o que acreditamos ser encorajador, acabamos piorando a situação sem querer. Contar histórias de outras conhecidas que já passaram por isso também não é positivo, porque cada caso é um caso, e pode induzir a paciente a tomar decisões baseadas em um quadro diferente do dela. Apenas um médico pode indicar o tratamento mais adequado”, pontua Bellelis.
Outro cuidado a ser levado em conta, segundo o médico, é maximizar o apoio sem minimizar a condição de quem foi diagnosticada. “Apoiar alguém com endometriose significa ser flexível e compreensivo, mesmo quando é difícil entender o que ela pode estar passando. A endometriose é imprevisível – num dia, a pessoa pode sentir-se muito bem e, na semana seguinte, ser incapaz de sair da cama. Não leve para o lado pessoal. Não faça com que ela se sinta mal por colocar a saúde em primeiro lugar. Em vez disso, ofereça-se para ser flexível com seus planos. Assegure que a amizade que você compartilha é incondicional”, acrescenta Bellelis.
Uma maneira de mostrar que se importa é aprender mais sobre o impacto da endometriose e suas consequências. Existem muitos recursos on-line que podem ajudar a entender melhor o que a pessoa enfrenta.
“A aparência de alguém com endometriose não indica como ela se sente. A doença é chamada de invisível, pois quem sofre pode parecer perfeitamente saudável. Lembre-se de que as pessoas com endometriose geralmente estão em estado de crise, especialmente se um dos sintomas que elas apresentam for a infertilidade. A qualquer momento, pode estar se sentindo fisicamente mal, ao mesmo tempo em que lamenta a perda de qualidade de vida ou o controle sobre a construção de sua família. Esteja atento a essas lutas e tente ser gentil com aqueles ao seu redor”, finaliza.