De um pequeno restaurante no fundo de um beco, sente-se um doce aroma de especiarias. Recheados de carne de porco, frango ou camarão, os dim sum, bolinhos típicos da gastronomia cantonesa, são cozidos lentamente no vapor. Não estamos em Hong Kong, mas sim do Rio de Janeiro. E o chef é um homem negro, carioca da gema.
“Muitas pessoas perguntavam: cadê o chef chinês?”, conta, rindo, Vladimir Reis, de 38 anos, que abriu há quase dois anos o Dim Sum Rio, no Largo do Machado, zona sul do Rio.
“Me perguntam também por que faço culinária asiática e não africana ou brasileira. A pessoa tem a liberdade de fazer o que quer e gosta, não é pela cor de pele, ou de que cidade ou país ela veio que ela vai ter que fazer só aquilo”, acrescenta.
Esse homem forte, com dreads finos na altura dos ombros, vive um bom momento: seus dim sum vendem como água e ele acaba de ser premiado como melhor chef no Prêmio Gastronomia Preta. A premiação, cuja primeira edição foi realizada no fim de novembro no Rio, homenageou os melhores profissionais negros do setor, em diversas categorias, de garçons a sommeliers, passando por auxiliares de cozinha e confeiteiros.
“Tem tanta história linda, passou da hora de reconhecer esses talentos através de um prêmio. Essas pessoas não são reconhecidas na mídia”, afirma Breno Cruz, professor de gastronomia da UFRJ que criou o prêmio.
O prêmio de melhor restaurante foi para o Afro Gourmet, de Dandara Batista, de 37 anos, que serve comida africana no Grajaú, zona norte do Rio, perto do Andaraí, onde ela cresceu.
Na pequena cozinha de seu restaurante, que abriu em 2018, prepara “arroz de hauçá", prato de origem nigeriana com camarões, carne seca e um molho que mistura leite de coco e óleo de dendê.
O cardápio também oferece mafé senegalês e chakalaka sul-africano, entre outras iguarias dos mais diversos países africanos, identificando sempre o país de origem com uma bandeirinha ao lado do nome do prato.
“Sempre tive uma ligação muito forte com a culinária baiana”, de onde vem sua família paterna. “Pesquisei um pouco mais e vi essa influência forte da gastronomia africana”, explica.
Dandara Batista cozinha desde que era criança, mas por muito tempo não considerava essa uma opção profissional: “a gastronomia sempre foi muito ligada a um universo branco, então eu não me enxergava muito ali”.
Mas, por fim, deu esse salto há quatro anos, depois de um curso de gastronomia, em que sentiu falta de uma grade dedicada à culinária africana. Achava que aprendia pratos de “países tão distantes” do Brasil.
E então, com seus anos de experiência como jornalista, foi às origens em busca de informações, com viagens a Angola, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Assim como Dandara Batista, a trajetória de Vladimir Reis também foi marcada por uma viagem a Singapura. “Quando eu vi o dim sum pela primeira vez, achei maravilhoso, lindo, delicado. De imediato falei: não tem no Rio de Janeiro”, relembra.
Ele dá seu toque pessoal, usando mandioca e azeite de dendê. No Dim Sum Rio, os pratos são decorados com flores comestíveis e “tuiles” verdes à base de couve.
Vladimir Reis havia antes trabalhado em vários restaurantes, sem nunca ascender ao posto de chef.
Ele conta que, apesar de ele ter um “currículo muito bom”, nas entrevistas de contratação, colegas brancos com menos experiência acabavam selecionados.
“Queriam que eu fosse ou auxiliar de cozinha ou cozinheiro de baixo escalão o tempo todo”, diz esse homem que cresceu em uma favela em Santa Teresa, na Região Central do Rio.
Os pretos e pardos representam cerca de 54% da população brasileira, mas ocupam menos de 30% dos cargos de responsabilidade nas empresas.
“Por incrível que pareça, só via chefs pretos em reality shows de fora. Ficava feliz vendo isso, mas aqui, não tinha referência nenhuma”, afirma. “Acho que o mercado de trabalho está um pouco mais aberto (...) Mas ainda existe o racismo impregnado como uma sujeira que você precisa limpar aos poucos”.