A morte materna escancara um grave retrocesso na saúde sexual e reprodutiva de mulheres no Brasil, principalmente durante a pandemia de COVID-19, quando seus índices atingiram o patamar de duas décadas atrás, distanciando o país dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A hemorragia pós-parto é uma das principais causas de mortalidade materna. No Brasil, ela ocupa o segundo lugar, perdendo apenas para a hipertensão. Esse tipo de hemorragia é caracterizado pela perda sanguínea maior do que 500 ml no pós-parto vaginal ou maior do que 1.000 ml na cesariana.
A morte materna é definida como o falecimento de mulheres durante a gravidez ou até 42 dias após o término da gestação. As principais causas são complicações obstétricas relacionadas à gestação e ao puerpério ou devido a tratamentos disponibilizados e omissões.
Essas características se encaixam na denominação de morte materna obstétrica direta, que consta no Manual dos Comitês de Mortes Maternas. No Brasil, é a responsável pela elevação do número de óbitos entre mulheres, que poderiam ser evitados com acompanhamento e assistência adequada.
É importante ressaltar que o sangramento pós-parto existe e é conhecido como lóquio, podendo durar algumas semanas. É caracterizado por saídas de sangue como a menstruação, o que é considerado normal. Quando a quantidade é excessiva, pode ser sinal de hemorragia, portanto a causa deve ser identificada e o tratamento precisa ocorrer o mais rápido possível.
“Vários fatores podem contribuir para o aumento da hemorragia pós-parto, como o atraso na identificação e tratamento de complicações obstétricas. Condições de saúde preexistentes como anemia, coagulopatias ou hipertensão trazem maior risco de desenvolver hemorragia pós-parto. Durante a pandemia, vimos o aumento dos quadros hipertensivos durante a gestação, muito relacionados ao status pró-inflamatório após a infecção viral, além da falta de acesso a cuidados pré-natais de qualidade”, destaca Eduardo Cordioli, diretor médico de obstetrícia do Grupo Santa Joana.
Como estratégia de prevenção, o pré-natal deve ser priorizado. Somente com acompanhamento de qualidade, com equipes capacitadas que promovam e conscientizem sobre a saúde materna é possível verificar precocemente fatores de risco e prevenir complicações futuras.
“Para enfrentar o aumento da hemorragia pós-parto e seu impacto na mortalidade materna, é necessário adotar estratégias eficazes, como a implementação de protocolos e diretrizes clínicas baseados em evidências para a prevenção e o manejo da hemorragia pós-parto, incluindo a utilização de medicamentos profiláticos, os ditos uterotônicos, e monitoração de sua eficácia, assim como melhorar a capacitação dos profissionais de saúde oferecendo treinamento contínuo”, observa Cordioli.
O obstetra também chama a atenção para outros pontos importantes: incentivar o parto vaginal quando possível, estimulando a conscientização sobre riscos associados às cesáreas repetidas, o que pode contribuir para a redução das taxas de hemorragia pós-parto, e a promoção da saúde materna e conscientização com o intuito de desenvolver campanhas sobre os sinais de alerta e a importância de buscar atendimento médico imediato em caso de complicações.
Dados do Ministério da Saúde, mapeados pelo Observatório Obstétrico Brasileiro, mostram que em 2021, a mortalidade materna alcançou 107.53 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos. Em 2019, a razão era de 55.31 a cada 100 mil nascidos vivos. Em 2020, foi de 71.97 mortes a cada 100 mil nascidos vivos, o que já representou aumento de quase 25% em relação ao ano anterior. O aumento do número total de mortes maternas foi de 77% entre 2019 e 2021.
Entre os compromissos firmados pelo Brasil, por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, está a meta de redução da mortalidade materna para menos de 70 mortes a cada 100 mil nascidos vivos até 2030.