Jornal Estado de Minas

ANNA MARINA

Filho é tudo igual, venha ele de reprodução natural ou assistida

Estima-se que, no mundo, mais de 8 milhões de crianças foram concebidas por meio de tecnologias de reprodução assistida. Com o avanço das pesquisas na área, esses procedimentos têm se tornado cada vez mais eficazes e populares. No entanto, ainda há muita discussão sobre a saúde a longo prazo de crianças concebidas por meio desses tratamentos, pois, por serem tecnologias recentes, o conhecimento sobre o assunto ainda é limitado.





Estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Cambridge e publicado em abril no periódico Developmental Psychology mostrou que a gravidez por doação de gametas ou barriga solidária não tem impacto no bem-estar psicológico da criança ou nas relações familiares, em comparação com crianças concebidas naturalmente.


“O desejo de ter filhos parece superar qualquer questão relacionada aos tratamentos de reprodução assistida. Isso é o que realmente importa”, diz Fernando Prado, especialista em reprodução humana, membro da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM).


Esse é o primeiro estudo sobre os efeitos a longo prazo da reprodução com doação de gametas ou barriga solidária na saúde psicológica de crianças e famílias. Por 20 anos, pesquisadores acompanharam 65 famílias britânicas com filhos concebidos por meio de barriga solidária, doação de óvulos ou doação de sêmen. O grupo foi comparado com 52 famílias que tiveram filhos de maneira natural. Concluiu-se que a falta de conexão genética entre pais e filhos não interfere nas relações familiares ou no bem-estar emocional das crianças.





O estudo é o primeiro a investigar o impacto que a descoberta desses tratamentos tem nas crianças, dependendo da idade em que são informadas sobre o assunto. Mães que contaram às crianças sobre sua origem biológica no período pré-escolar apresentavam relação mais positiva com os filhos e menores níveis de ansiedade e depressão.


Jovens adultos concebidos por meio de reprodução assistida que souberam de sua origem por volta dos 7 anos conquistaram melhores resultados no questionário sobre aceitação parental, comunicação familiar e bem-estar psicológico, além de reportarem menos problemas na relação familiar em comparação com os indivíduos que descobriram sobre sua concepção após os 7 anos.


“Isso sugere o efeito positivo em ser sincero com as crianças sobre sua concepção enquanto ainda são jovens, preferencialmente antes de entrarem na escola. É algo bastante similar ao que foi demonstrado por estudos com famílias adotivas”, afirma Fernando Prado.





Mães por doação de óvulos reportaram relações familiares menos positivas que mães por doação de sêmen, mas isso não se refletiu na percepção dos filhos sobre a qualidade dessa relação. “É possível que esse fato esteja relacionado a inseguranças maternas causadas pela ausência de conexão genética com seus filhos”, pondera o médico.


Jovens adultos concebidos a partir de doação de sêmen reportaram pior comunicação familiar em comparação com aqueles concebidos por meio de doação de óvulos. Além disso, apenas 42% dos filhos gerados por doação de sêmen sabiam desse fato aos 20 anos, contra 88% das crianças concebidas por doação de óvulos e 100% daqueles gestados por barriga solidária.
“A explicação pode ser o maior sigilo que envolve a doação de sêmen, que muitas vezes não é revelada aos filhos. Além disso, mesmo quando é revelada, existe maior relutância em falar sobre o assunto”, destaca o especialista.





Atualmente, o estudo pode parecer algo irrelevante, dada a quantidade de casais que conquistaram o sonho de iniciar uma família por meio de reprodução assistida, mas há 20 anos, quando a pesquisa foi iniciada, a visão sobre esse tipo de família era diferente. Pensava-se que, sem a conexão genética, as relações familiares não funcionariam. Ainda hoje, a pesquisa é relevante, pois informações sobre saúde mental de pessoas concebidas a partir de tratamentos de reprodução humana são escassas.


“O estudo pode encorajar casais inférteis a optar pelos tratamentos de reprodução assistida como meio de gerar um filho e começar uma família”, finaliza o especialista.