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Estado de Minas ANNA MARINA

Livro 'A menina e o trem', de Evandro Aléssio, fala sobre Barbacena

Fruto de 16 anos de escrita, entrevistas com a comunidade da psiquiatria e mais de 10 mil horas de dedicação, romance aborda uma das maiores tragédias do país


09/08/2023 04:00 - atualizado 08/08/2023 19:03
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Pacientes no pátio do hospital psiquiátrico de Barbacena, em 1979
Pacientes no pátio do Hospital Colônia de Barbacena, em 1979 (foto: Jane Faria/Arquivo EM/1979)

Nos idos de março, eu tinha uma preocupação danada com pessoas de cabeça não muito boa e comecei a abordar o assunto. Acredito que essa mania surgiu da temporada que passei fazendo tratamento para engordar em uma casa de saúde.

Lá, por causa da minha curiosidade latente, acompanhei algumas internas que faziam tratamento mensal e passavam na porta do local onde eu ficava, voltando do choque elétrico que recebiam. Tinham uma espécie de tubo redondo atravessado na boca. Aprendi que aquele caninho evitava que o paciente mordesse os lábios, ferisse a boca com a violência do choque.

Envolvi em minhas preocupações um colega da época, também ligado no assunto, e começamos a fazer uma série de matérias para este jornal sobre pessoas com problemas mentais e o que recebiam de apoio da sociedade e da ciência médica.

Fomos nos aprofundando tanto no assunto que meu colega, que não está mais no jornal, fez uma visita ao hospital de Barbacena, que chamava a atenção para aquela cidade mineira. Meu colega voltou chocado com o que viu e com as fotos que fez, principalmente no pátio da casa de saúde, que devia tratar, mas não o fazia. Os pacientes se amontoavam naquele pátio.

Esta semana, recebi nota sobre o livro de Evandro Aléssio que retrata o caso de uma internação no manicômio brasileiro comparado a campos de concentração nazistas.

Pelo texto da nota, “A menina e o trem”, nome do livro que quero ler, resgata um dos momentos mais sombrios da história do Brasil: a tragédia do Hospital Colônia de Barbacena, o maior manicômio do país, onde pelo menos 60 mil pessoas perderam a vida em quase nove décadas de funcionamento. Atualmente, ele se chama Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena.

Por ter crescido no lugar considerado por muitos como a “cidade dos loucos”, o escritor Evandro Aléssio envolve os leitores em um livro de suspense, que apresenta fatos que inspiraram várias passagens e personagens da ficção.

O enredo se passa entre 1975 e 1979. Júlia, filha do fazendeiro mais rico de uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, é atormentada por sonhos com trens nazistas. Ela começa a namorar um jovem camponês e é surpreendida pela gravidez indesejada. Em nome da suposta preservação da honra da família, o pai a interna no manicômio.

A história se assemelha à de muitos pacientes do Hospital Colônia. Estima-se que 70% das pessoas internadas não tinham doenças mentais. A maioria era composta por excluídos da sociedade, como pessoas em situação de rua, andarilhos e alcoólatras, além de mães solteiras, idosos e pessoas com deficiência. As péssimas condições de tratamento estavam entre as principais causas de óbitos.

Naquela madrugada de Barbacena, a baixíssima temperatura teve a feição do Anjo da Morte, com capa, capuz negro e longa alfange na mão. Levou à morte 17 pacientes que dormiam nus, sob a tortura do capim afiado, tal como o estábulo de uma fazenda de gado.

Pelo texto da nota que recebi, o escritor utiliza vários recursos criativos: variação de cenários, mudanças de narradores, protagonismo compartilhado, envolvimento de instituições como a maçonaria, a Polícia Civil e a Epcar, cortes na trama para introduzir fatos históricos, além de duas teorias da conspiração.

Resultado de 16 anos de escrita, entrevistas com a comunidade da psiquiatria e mais de 10 mil horas de dedicação, “A menina e o trem” permite conhecer de perto uma das maiores tragédias do país. É uma parte da história que a pacata cidade mineira de Barbacena gostaria de poder esquecer.

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