Jornal Estado de Minas

ANNA MARINA

Existe diferença entre o amor cortês e o amor romântico? Confira


 
Para celebrar o maior sentimento de todos, o amor, a coluna reproduz a seguir parte do texto de Josefina Pimenta Lobato, doutora em antropologia social UnB, intitulado “O amor cortês e o nascimento do amor romântico”:
 
“O nascimento do amor romântico costuma ser associado ao surgimento de poemas e de canções de amor cortês, elaborados e desenvolvidos nas cortes reais ou feudais europeias, no decorrer do século 12. Essa associação tem ocorrido, frequentemente, porque foi nessa época que, pela primeira vez, no contexto cultural europeu, a expressão literária de emoções e de sentimentos apaixonados, em relação à mulher amada, foi tematizada.




 
O amor cortês, não se enquadra, contudo, na tipologia do amor romântico, uma vez que a ideia de que o enamoramento poderia servir de fio condutor ao casamento, ponto central do romantismo, era inconcebível neste momento histórico.
 
A ideia de que uma jovem solteira pudesse ser objeto de paixão e de que a paixão amorosa poderia justificar e legitimar o casamento daqueles que se amam, própria ao amor romântico, era impensável nessa época.
 
Produzidos inicialmente, na França, na Região do Poitou e do Languedoc, eles foram motivados, em grande parte, pela penetração da lírica árabe, provinda da Espanha mourisca e do Oriente Médio. A partir daí, eles se disseminam para outras partes da Europa.




 
Guilherme, conde de Poitiers, foi um dos primeiros trovadores e só começou a compor poemas de amor cortês após o seu retorno das Cruzadas.
 
Os poemas do amor cortês eram direcionados e dedicados sempre a uma dama, (termo utilizado pelo trovador para designar a mulher amada) inacessível, por ser casada com um nobre, geralmente senhor de um feudo ou de um reino.
 
O triângulo formado pelo trovador, que declara seu amor pela dama, a quem ele dedica seus poemas, e pelo marido dela, lhe era, pois, constitutivo. O tema central dos poemas do amor cortês foi, portanto, sempre e inevitavelmente, o de um amor infeliz e perpetuamente insatisfeito.
 
Apesar de adúltero em sua essência, o amor cortês jamais desafiava os valores que impediam sua plena realização, como fizeram Romeu e Julieta. Traições e deslealdades, em nome do amor, permissíveis pela ideologia do amor romântico, não eram legitimados, nem desculpáveis.




 
O objetivo primordial do enamorado não era a consumação sexual e, muito menos, o projeto de construção de uma vida em comum com a amada, mas sim o de conseguir que a dama, a quem ele tratava com veneração, aceitasse seu amor e lhe concedesse a graça de servi-la.
 
O que se glorificava nesse amor proibido e secreto, já que não se mencionava jamais o nome da dama, nos poemas a ela dedicados, era a paixão do amor, constituída por um gozo feito de dor e de prazer. Amava-se a tortura do amor, o prazer de estar amando.
 
Por meio do amor cortês, promovia-se o aprendizado de um amor casto, disciplinado e contido, que engrandecia aqueles que o praticavam. O objetivo era combater, nas cortes feudais, a sexualidade descontrolada dos jovens solteiros que eram conduzidos, gradualmente, do carnal para o espiritual.




O jogo do amor se constituía, assim, em uma etapa, no percurso que conduzia os homens corteses, habituados ao refinamento e às etiquetas da corte, à perfeição varonil, por meio da sublimação e do refinamento dos afetos. Havia nesse jogo do amor um apelo para se controlar o desejo e, ao mesmo tempo, aguçá-lo ao máximo.
 
O heroísmo, nessas circunstâncias, era outorgado pela autodisciplina necessária à manutenção da castidade, que não é um fenômeno exclusivo do amor cortês. Ele se encontra também no imaginário do mundo árabe dessa época.
 
Em ‘Le Collier de la Colombe’, cujo autor Ibn Hazm nasceu em Córdoba, há uma passagem em que se celebra o caráter heroico de um personagem que, ‘provocado pela mulher de um amigo, expõe seu dedo à queimadura cruel de uma vela a fim de resistir’.




 
Ao mesmo tempo em que se divulgava os poemas de amor cortês, no continente europeu foram publicadas, também no século 12, três histórias de amor, que se tornaram clássicas em suas respectivas culturas: ‘Tristão e Isolda,’ na Inglaterra; ‘Layla e Majnun’, na Pérsia; e o ‘Gita Govinda’, na Índia.
 
Apesar de elas terem exercido e continuarem a exercer, uma influência considerável sobre o imaginário amoroso dos povos do Ocidente, do Oriente Médio e da Índia e de expressarem sentimentos que poderiam ser reputados como românticos, elas não se enquadram, também, na tipologia do amor romântico, por se processarem, assim como os poemas do amor cortês, entre pessoas cujo casamento seria impensável.