Minha relação com o mundo “da roça” se limitava à fazenda de parentes, a Samambaia, que ficava perto de Pedro Leopoldo. Lá moravam primas muito queridas, todas sem filhos, que paparicavam as crianças que não tinham. Uma delas, doida para ser mãe, praticamente assumiu uma de minhas irmãs, mais velha do que eu. Inteligente, quando minha irmã se tornou mocinha, pronta para namorar, voltou com ela para nossa casa, porque assim teria a companhia das outras irmãs e o controle de minha mãe.
A fazenda era tudo o que não tínhamos na cidade: camas fofas de palha de milho, penicos para o xixi da noite, recolhidos de manhã bem cedo, e a comida do outro mundo, com muita carne de porco, galinha, um ou outro peixe (havia um córrego em frente) e farinha de piché, que ninguém conseguia copiar, feita de fubá grosso e torresmo.
Uma das primas, com quem minha irmã morava, mudou-se para Belo Horizonte, o marido era professor. Sua antiga casa ficava perto da Igreja Santo Antônio, para onde as outras da fazenda vinham quando o 7 de setembro se aproximava. Adoravam a parada, que consumia toda a manhã na Avenida Afonso Pena, ainda cheia de árvores.
Eu adorava a vinda delas, porque também adorava assistir à parada, onde ninguém de minha casa queria ir. Íamos cedo para pegar um bom lugar. Ficávamos em frente ao Automóvel Clube, cujo banheiro poderíamos usar em caso de necessidade – os primos, na diretoria, facilitavam nossa vida.
Íamos de bonde, parávamos na Rua da Bahia. E de bonde também voltávamos para o Bairro Santo Antônio. Não é preciso dizer que eu amava o desfile – começava com os grupos escolares e terminava com as Forças Armadas, os soldados fardados carregando armas.
Não eram desfiles simples, existia uma certa formatação, cada categoria tinha sua organização, com estandartes, bandeiras, distribuição de figuras. Nos anos depois da Segunda Guerra, as escolas públicas foram retiradas do desfile.
A avenida ficava lotada não só de meninada, mas de adultos. Era ditadura Vargas, o Brasil ainda não havia aderido à guerra. Estar cara a cara com quem mandava no país era distração para a criançada. E momento de alívio para os adultos, que acreditavam na paz. Getúlio Vargas fez seu último discurso em 1953. A partir dali, o evento só foi interrompido nos dois anos de pandemia.
Não sei se as crianças de hoje gostam de assistir às paradas, ocupadas com celulares e outros brinquedos eletrônicos que acabaram com as brincadeiras da meninice. Só sei que, no meu tempo, o 7 de setembro era um dia e tanto, com direito até a garrafa de refrigerante.