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Estado de Minas ANNA MARINA

Imbróglio envolve decisão judicial sobre importação de cannabis medicinal

Advogada alerta que desinformação gera confusão, afetando quem depende do tratamento à base da planta, médicos e empresas do setor


21/09/2023 04:00 - atualizado 21/09/2023 07:05
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remédios e comprimidos à base de cannabis medicinal
Pacientes brasileiros reivindicam o direito de se tratarem com remédios à base de cannabis (foto: Reprodução)
Já estou tão enfarada de ouvir na TV essa história de liberação de maconha que decidi publicar o texto enviado por uma advogada para não falar besteira. Claudia de Lucca Mano atua desde 1999 na área de vigilância sanitária e é responsável pelo setor jurídico da Farmacann – Associação para Promoção da Cannabis Medicinal Manipulada/Magistral. A seguir, ela aborda a confusão criada em torno da importação legal de cannabis medicinal:

“Em julho, uma notícia abalou o mercado de cannabis medicinal brasileiro: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu expressamente a importação de cannabis in natura, bem como de flores e partes da planta, para uso pessoal e medicinal, através da Nota Técnica 35/23. A agência reguladora considerou que a regulamentação atual dos produtos de cannabis no Brasil não inclui a permissão de uso de partes da planta, mesmo após o processo de estabilização e secagem ou nas formas rasuradas, trituradas ou pulverizadas.

A medida frustrou pacientes e empresas intermediadoras, que enxergaram retrocesso na luta pelo acesso à cannabis medicinal no Brasil. O segmento é composto em sua maioria por empresas que ajudam pacientes na importação direta de produtos de cannabis, mediante prescrição médica (RDC 660).

A estrutura regulatória excepcional não é nova e nem exclusiva de produtos de cannabis. Repousa no campo de uso compassivo de medicamentos órfãos, que não possuem registro na Anvisa. Com o boom da cannabis no Brasil, os pedidos de importação por pessoa física tiveram um salto expressivo (…). Entre julho de 2022 e junho deste ano, foram 112.731 autorizações, aumento de 93%.

O principal argumento do setor é que a RDC 660 foi promulgada pela Anvisa para cumprir ordem judicial: a sentença proferida em 2018 em ação civil pública iniciada em 2014 pelo Ministério Público. A sentença compeliu a agência a permitir o acesso a produtos de cannabis medicinal, incluir a cannabis na lista de produtos controlados lícitos da P. 344/98 e permitir pesquisa científica.

No entanto, a decisão judicial não é definitiva, visto que ainda carece de análise de segunda instância, pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. (…)

Pois bem. Diante da proibição de flores, o mercado entendeu haver descumprimento daquela determinação judicial. Três processos judiciais, que pretendem ter alcance coletivo, buscam reverter a determinação da Anvisa. Uma ação popular independente e pelo menos dois incidentes de cumprimento de sentença, manejados na própria ação civil pública de 2014.

E é aqui que entra a desinformação. Ávidos por publicar notícias positivas para o setor de cannabis, canais de mídia especializados no tema passaram a dar vazão a interpretações equivocadas das ações judiciais.

Nos cumprimentos de sentença, o juiz apenas despachou intimando a Anvisa para se manifestar sobre eventual afronta à sentença de 2018. Noticiaram que a Justiça teria determinado que a agência permitisse a entrada no país de flores in natura de cannabis. Não é verdade, pois a decisão apenas intimou a Anvisa para cumprir a sentença de 2018, que se consubstancia em obrigação de fazer: incluir em seu arcabouço regulatório instrumentos concretos que permitissem o acesso de pacientes a produtos derivados de cannabis medicinal.

(...) A propagação de que a decisão seria irrecorrível deu aos pacientes medicinais a impressão de que o assunto estava resolvido, por meio das demandas judiciais.

Também induziu a erro os mais incautos, que acreditaram que no final de setembro a Anvisa seria obrigada a voltar a autorizar a importação de flores. Em 20 de setembro termina o prazo dado pela Anvisa para pacientes concluírem os trâmites iniciados antes de 19 de julho.

Ao contrário, não há nenhuma perspectiva de solução judicial a curto prazo para esses pacientes. A ação popular, em trâmite perante a 1ª Vara Federal do Distrito Federal, encontra-se suspensa para aguardar o julgamento da ação civil pública. Já as iniciativas que pedem o cumprimento da sentença ainda não foram decididas pela 16ª Vara Federal.

A Anvisa se manifestou, dizendo que a cannabis não pode ser tratada como chá medicinal, que a Receita Federal sinalizou casos de importações suspeitas, que os proponentes das ações não são parte legítima para exigir o recuo da Agência, anexando notícias de propaganda irregular de cannabis em flor. Defendeu ainda que não descumpriu a sentença, visto que a RDC 660 existe justamente para cumprir a ordem judicial, e que a rigor o mecanismo deveria atender pacientes com doenças graves e debilitantes.

A judicialização canábica tem sido uma rota frequentemente percorrida por pacientes e defensores da cannabis medicinal em busca de tratamentos alternativos. Essa prática tem levado a decisões contraditórias nos tribunais (…). A segurança jurídica do tema ainda é incerta, instável e provisória. Dizer o contrário é temerário.

A desinformação inflamada por alguns atores desse drama confunde ainda mais aqueles que dependem dos tratamentos, os médicos que prescrevem, e as empresas que apoiam pacientes no acesso a tratamentos de saúde. Por outro ângulo, a judicialização certamente desempenha um papel importante em avanços legais. As decisões judiciais têm contribuído para a conscientização do governo sobre o potencial terapêutico da cannabis e para a pressão por regulamentações mais abrangentes, coerentes e inclusivas (…).”

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